Acórdão nº 1296/19.0PAVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelAMÉLIA CATARINO
Data da Resolução21 de Dezembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 1296/19.0PAVNG.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Instrução Criminal do Porto, juiz 1 Relatora: Amélia Catarino SUMÁRIO …………………………… …………………………… …………………………… Acordam, em conferência, na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto I. RELATÓRIO No processo de Instrução nº 1296/19.0PAVNG.P1, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Instrução Criminal do Porto, juiz 1, foi proferida decisão instrutória, nos termos da qual se decidiu: NÃO SE PRONUNCIAM os arguidos AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH e II, pelos factos e imputação jurídica constantes da acusação pública de fl.s 700/706.

Inconformado o Ministério Público veio interpor recurso, pugnando pelo seu provimento com os fundamentos que constam da motivação, e formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem: “I- Nos presentes autos, o Mº Pº deduziu acusação contra FF, CC, II, EE, DD, BB, AA, GG e HH, imputando-lhe a pratica de factos suscetíveis de integrarem os crimes de sequestro e tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes e desumanos, p.p. pelos art°s 158° nº 1 e nº2, g) e 243° n°1. a) e nº 3, todos do CP.

II - Em síntese, o Mº Pº refere que o primeiro arguido sendo militar da GNR aposentado conhecia e/ou tinha mesmo proximidade com os restantes arguidos e por via disso, convencendo-se que teria sido um seu vizinho que lhe furtou o seu veículo automóvel, com a ajuda dos arguidos CC, II, EE e DD "transportaram" o tal vizinho, JJ para as instalações da GNR ..., onde o colocaram num quarto sem luz, sem local para se sentar, amontoado de mobiliário e caixotes, onde os arguidos II, EE e DD violentamente o agrediram, com vista à confissão da autoria do furto do veículo e sua localização, por um período de 9 horas, tudo isto "à vista" dos restantes militares da GNR que no Posto se encontravam de serviço, e que violando grosseiramente o disposto no art° 212° da CRP deixaram que se concretizassem as imputadas ações, suscetíveis de integrarem os referidos crimes, que estes praticaram por omissão, nos termos do art° 10° do CP.

III - Diz o MMº Juiz que não Pronuncia os arguidos pela pratica dos referidos crimes: A) Apesar de ter dado como suficientemente indiciado que o ofendido JJ foi então transportado (da sua residência) pelos militares CC, II, DD e EE para o Posto ... no dia 25.AGO.19; B) Apesar de ter dado como suficientemente indiciado que permaneceu o ofendido naquele posto da GNR entre as cercas 13h00 até cerca das 22h00 do dia 25.AGO.19, salvo o período de tempo em que o fizeram deslocar ao Porto e a locais do município ...; C) Apesar de a fls. 1216 da sua decisão ter admitido que no interior desse local o ofendido ter sido agredido por militares dessa força policial; D) Apesar de ter dado como suficientemente indiciado que também o arguido FF, nas instalações da GNR agrediu o ofendido; E) Apesar de ter dado como fortemente indiciado que na sequência dessas condutas o ofendido sofreu as lesões por si descritas a fls. 1220 a 1221.

IV- Pelo que, obviamente que o M°P° não pode concordar com o MM° Juiz, porquanto, o "transporte" do ofendido para o Posto da GNR ..., onde este foi obrigado a permanecer durante 9 horas, bem como a sua deslocação a diversos locais com vista à recuperação de um alegado veículo furtado, não encontra qualquer justificação legal, nem mesmo o art° 250° do CPP, que afaste a conduta dos arguidos à sua subsunção ao art° 158° do CP, pois o que os arguidos CC, II, EE e DD fizeram por ação e os restantes arguidos por omissão foi privar o ofendido da sua liberdade.

Factos reconhecidos pelo MMº Juiz; V - O MMº Juiz não dá como suficientemente indiciado que o ofendido, no Posto da GNR ... foi conduzido para uma sala luz, sem local para se sentar, amontoada de caixotes e mobiliário, onde os arguidos II, EE e DD o agrediram. Mas dá como suficientemente que o ofendido no referido Posto foi agredido por militares da GNR, cfr. fls. 1216 e que não logrou o ofendido identificar quem foram os agressores, cfr. fls. 1219. Perante isto, é legitimo perguntar-se, se a razão pela qual o ofendido não conseguiu reconhecer os seus agressores não teve que ver com o facto de ter sido agredido na tal sala.

Como legitimo é perguntar-se, como é que o ofendido, que não conhecia as instalações do Posto da GNR ..., e muito menos a tal sala onde diz ter sido agredido, a descreve, tal e qual como o M°P° a encontrou na diligência que fez e que consta de fls. 295 a 307, apresentada como prova da acusação, em relação à qual o MM0 Juiz fez "tábua rasa"; VI - O MM° Juiz dá como provado que, enquanto se encontrava nas instalações do referido Posto ..., o ofendido também foi agredido fisicamente pelo arguido FF, que ali se dirigiu por diversas vezes ao longo desse dia 25.AGO.19, e não retira daí qualquer consequência? É que estes factos dados como provados, subsumíveis ao crime de ofensa à integridade física qualificada p.p. pelas disposições conjugadas dos art°s 143° n°l e 145° n°l al-a) e b), este por referência ao art° 132° n°2 al-m) do Cp, praticado por ação pelo referido arguido e por omissão pelos restantes arguidos, deveriam ter ido comunicados ao M°P°, por respeito ao disposto no art° 303° do CPP.

Não o tendo feito, violou o MM° Juiz a supra referida disposição legal; VII - Bem assim, como a disposição legal do art° 308° nº 1 e n°2 do CPP; VIII - Porquanto o despacho sob censura dá por suficientemente indiciados factos subsumíveis ao crime de sequestro, mas não pronuncia os arguidos por este crime; IX- E contradiz-se em relação aos factos suscetíveis de integrarem o crime de tratamento cruel, degradante e desumano, pelo qual também os arguidos se encontram acusados; X - Pelo que, por respeito às normas acima referidas, deve o despacho sob censura ser substituído por outro, que Pronuncie os arguidos nos precisos termos em que foram acusados.” Admitido o recurso, o arguido II, veio responder pugnando pela sua improcedência e pela confirmação da decisão de não pronuncia, referindo que não existe qualquer contradição dos factos provados, e que a decisão se encontra bem fundamentada.

HH e GG, também vieram apresentar resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção da decisão recorrida dada a manifesta inexistência de indícios.

Igualmente respondeu o arguido CC, pugnando pela manutenção do decidido e pela improcedência do recurso.

Também o arguido EE, veio apresentar resposta ao recurso, nos mesmos termos pugnando pela improcedência do recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

O arguido DD, respondendo ao recurso pugna pela sua improcedência.

Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer subscrevendo e aderindo às considerações e motivos constantes da resposta apresentada pelo Ministério Público junto da 1.ª instância, devendo julgar-se o recurso procedente, revogando-se a decisão instrutória de não pronúncia, ordenando-se a remessa dos autos para julgamento.

Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

Nada obsta ao conhecimento do mérito.

  1. FUNDAMENTAÇÃO O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar (Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do CPP.

In casu, o recurso, delimitado pelas conclusões da respetiva motivação, tem por objecto apreciar: - se ao dar como provado que enquanto se encontrava nas instalações do referido Posto ..., o ofendido foi agredido fisicamente pelo arguido FF, que ali se dirigiu por diversas vezes ao longo desse dia 25.AGO.19, subsumíveis ao crime de ofensa à integridade física qualificada p.p. pelas disposições conjugadas dos art°s 143° n°1 e 145° n°1 al-a) e b), este por referência ao art° 132° n°2 al-m) do CP, praticado por ação pelo referido arguido e por omissão pelos restantes arguidos, e ao não proceder a essa comunicação ao MP, o MMº juiz a quo violou o disposto no artigo 303º, e o artigo 308º, nº1, e nº2, do CPP; - se o despacho sob censura dá por suficientemente indiciados factos subsumíveis ao crime de sequestro; - se há contradição em relação aos factos suscetíveis de integrarem o crime de tratamento cruel, degradante e desumano; - Se existem nos autos indícios suficientes para pronunciar os arguidos; II.1.

A decisão recorrida Importa apreciar tais questões tendo presente o teor da decisão recorrida, que se transcreve: “DECISÃO INSTRUTÓRIA O Tribunal é competente em razão da matéria e do território.

O Ministério Público tem legitimidade para acusar.

Não existem nulidades, excepções, questões prévias ou incidentais que importe conhecer.

*Foi requerida a abertura da instrução pelos arguidos AA (a fl.s 927/934), BB (a fl.s 935/945), CC (a fl.s 875/899), DD (a fl.s 904/916), EE (a fl.s 919/925), FF (a fl.s 953/958), GG e HH (a fl.s 973/977), relativamente à acusação pública dirigida contra eles e outro pelo M. Público (a fl.s 700/706), pela acusada prática de um crime de tortura e outros tratamentos cruéis degradantes ou desumanos e de um crime de sequestro.

Para tanto, os requerentes arguem que não só não praticaram os crimes que o M. Público lhes imputa, como ainda não foram recolhidos indícios no inquérito em como o fizeram, concluindo pela sua não pronúncia.

Requereram o seu próprio interrogatório, a inquirição de testemunhas e a obtenção de documentos.

*Aberta a instrução, procedeu-se apenas ao interrogatório dos arguidos requerentes da instrução.

Realizou-se depois o debate instrutório, no decurso do qual o M. Público concluiu no sentido de deverem ser pronunciados todos os arguidos pela comissão dos crimes por que foram acusados, pois entende terem sido...

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