Acórdão nº 0217/11.2BECBR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelCRISTINA SANTOS
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

A…………, S.A., com os sinais nos autos, inconformada com o acórdão de 26.10.2018 proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Norte dele vem recorrer, concluindo como segue: 1. Por sentença datada de 20/11/2014, foi julgada procedente a acção instaurada pela aqui recorrente contra o Município de Coimbra, (cfr sentença).

2. Não se conformando com a decisão proferida, os ali Contra-Interessados (aqui recorridos) interpuseram recurso de apelação, versando sobre matéria de facto e de direito e abrangendo toda a decisão.

3. Por Acórdão datado de 30/10/2018, foi o referido recurso julgado procedente, 4. Razão pela qual, e por se considerar que tal decisão padece de evidente falta de fundamentação, ora se apresenta o presente recurso excepcional de revista.

5. O presente recurso é apresentado ao abrigo do disposto no artigo 150º nºs. 1 e 2 do CPTA e 672º nº 1 do CPC, considerando-se que a matéria aqui em causa integra o conceito de "interesses de particular relevância social", 6. Na medida que, atestas as questões em causa, existe um "invulgar impacto na situação da vida que a norma ou normas jurídicas em apreço visam regular", bem como todos aqueles que "em atenção aos seus contornos particulares e à projecção dos seus efeitos no mundo jurídico, têm de ingressar no rol dos que questionam "interesses de particular relevância social".

7. Efectivamente, o que se encontra em apreço é saber se a construção a edificar em lote privado, e que se destina a dar apoio a todo o conjunto da urbanização, se subsume, ou não, no conceito de obras de urbanização do art. 3º al. b) do DL 448/91, de 29/11, 8. Se é admissível ou não que este mesmo Município fixe ao proprietário privado do mencionado lote um prazo para construir um edifício a que apenas se faz menção de forma genérica no respectivo alvará, não se encontrando concretizado e projectado no projecto de loteamento, 9. E se é ou não lícito ao Município recusar a recepção definitiva das obras de urbanização do loteamento por não se encontrar nada edificado naquele lote privado, 10. Conflituando entre si os conceitos de propriedade privada e livre disposição e cumprimento de obrigações impostas por entidade públicas e abuso de direito.

11. Crê-se que o Acórdão recorrido ao admitir que apesar da propriedade do lote em causa ser privada e o alvará de loteamento ser omisso quanto à concretização da edificação a construir para apoio de todo o conjunto do loteamento, o seu proprietário (aqui Recorrente), ainda assim, está obrigado a construir, no prazo determinado pelo Município, um edifício, quem nem sequer foi alvo de projecto e especificação, 12. Está a determinar insegurança jurídica e social na população em geral e na ordem jurídica, 13. Deixando aberta a porta a uma discricionariedade e arbitrariedade injustificáveis.

14. Para além do mais, considerando que "As operações de loteamento urbano e as obras de urbanização constituem, seguramente, uma das formas mais relevantes de ocupação do solo, quer pelas incidências que possuem ao nível do ordenamento do território, do ambiente e dos recursos naturais, quer pelas repercussões que delas resultam para a qualidade de vida para os cidadãos. Na verdade, tais operações estão na origem da criação de novos espaços destinados à habitação ou ao exercício das mais diversas actividades humanas", 15. Torna-se imperioso que as decisões sobre as questões inerentes (como o caso concreto) garantam ordem e segurança jurídica, afastando a suspeição de diferentes interpretações e aplicações consoante o Município territorialmente competente e o entendimento do Tribunal jurisdicionalmente competente.

16. Mais, considerando que em causa estão "litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, topa-se mesmo um "majus" em relação ao conceito (que vem sendo abandonado) de acto de gestão pública, uma vez que se estará perante uma controvérsia resultante de relações jurídicas disciplinadas por normas de direito administrativo,", 17. Ou seja, uma relação jurídica inter subjectiva, como a que ocorre entre a Administração e os particulares.

18. Acrescidamente, crê-se que da apreciação do caso concreto resultará, inevitavelmente, porque assim são os interesses em causa, divergências susceptíveis de conduzir a decisões eventualmente contraditórias, que urge acautelar com vista a uma melhor aplicação do Direito, 19. Razão pela qual se justifica a intervenção deste STA e a admissão do presente recurso excepcional de revista.

20. Por fim, considera-se, ainda, que o Acórdão de que ora se recorre viola a lei substantiva, 21. Porquanto faz subsumir no conceito de obras de urbanização do art. 3º, al. b) do DL 448/91, de 29/11, a edificação a levar a cabo num lote privado, apenas pelo simples facto de que a construção que ali se vier a edificar servirá de apoio a todo o conjunto do loteamento, parecendo querer ignorar o conceito de obra de urbanização.

22. Integram o conceito de obras de urbanização obras integrantes de espaços de utilização colectiva cedidos ao Município e definidos, concretizados e projectados no projecto de loteamento, 23. O alvará de loteamento em causa não prevê que o lote 32 seja cedido ao Município e a obra ali a edificar não tem natureza pública. 24. A única menção existente no alvará de loteamento quanto a este lote é "uma caracterização genérica do edifício a construir, representando, apenas, um condicionamento ou limitação ao que ali se poderá ou não poderá licenciar" e construir, 25. Se e quando for empreendida a iniciativa de aí construir, pelo respectivo proprietário (aqui Recorrente), limitação esta que "tem a mesma natureza de tudo o mais que vincula o loteador e quem quer que venha a adquirir os lotes, quanto ao que construir.

26. As obras no lote 32 não se tratam de obras de urbanização, razão pela qual nem sequer é exigível que estejam realizadas no termo do prazo concedido para a conclusão das obras do loteamento, 27. Tratando-se de apenas mais um lote para construção, se bem que com destinação diversa da habitação. 28. O equívoco gerado no Acórdão recorrido prende-se essencialmente com a caracterização genérica que é feita do lote 32 no respectivo alvará de loteamento, por se estabelecer que em tal lote será construído um edifício social de apoio a todo o conjunto da urbanização.

29. Porém, isto não significa que o edifício ali a construir venha ser um edifício "público". Será um edifício de natureza privada que dará apoio à urbanização, no qual se poderá instalar uma creche, um cabeleireiro, uma esplanada, uns balneários, etc., 30. Cuja concessão e exploração serão sempre de natureza privada e que serão utilizados mediante o pagamento do valor de um serviço.

31. Por outro lado, o Acórdão recorrido enferma de erro de raciocínio ao querer considerar que a construção no lote 32 seja enquadrável no conceito de "equipamentos de utilização colectiva", definido nos termos do disposto no anexo ao Decreto Regulamentar nº 9/2009, de 29/05 (Ficha nº.25).

32. Para que o lote 32 coubesse naquele conceito, tal tinha de estar previamente fixado no respectivo alvará de loteamento e teria de ter sido registado na respectiva descrição predial, o que não sucedeu, 33. Mantendo-se como apenas mais um lote para construção, embora não destinado a habitação.

34. O alvará de loteamento não fixou que o que se construísse no lote 32 fizesse parte das obras de urbanização, não se especificando que edifício se ia construir e que utilidade do conjunto da urbanização ele serviria.

35. O licenciamento foi emitido sem ter sido apresentado o projecto do que quer que fosse para o lote 32, o que não seria admissível caso a construção a edificar efectivamente integrasse o conceito de obras de urbanização. 36. Apesar do Acórdão recorrido vir dizer que este facto não afasta a obra prevista para o lote 32 do conceito de obras de urbanização, a verdade é que tal obra sempre estaria arredada de subsunção naquele conceito pela própria concepção e definição do conceito de "Obras de urbanização".

37. Apesar da mesma se destinar a dar apoio a todo o conjunto da urbanização, a verdade é que a mesma não será utilizada de forma pública, não será cedida para o domínio público ou municipal e não tem especificado que edifício e para que a utilidade será edificada. 38. Existem, dentro dos loteamentos, parcelas ou lotes que se destinam a utilização colectiva, que, no entanto, se mantêm na esfera da propriedade privada, como é o caso.

39. A inadequação do procedimento utilizado pela CMC, não exigindo para a aprovação do loteamento, o cumprimento rigoroso de todas as normas aplicáveis, fez com que a aqui Recorrente ficasse vinculada ao cumprimento de obrigações diversas daquelas que agora lhe estão a ser exigidas pela deliberação do Município que se impugnou no presente processo.

40. Não estando a obrigação constituída nunca poderá ser exigida e nunca a Recorrente estará em incumprimento, nem incorrerá em mora ou cumprimento defeituoso. 41. O que a CMC está a exigir à aqui Recorrente não é o cumprimento do definido no alvará de loteamento quanto ao lote 32, mas antes sim a imposição de obrigações novas, derivadas e com origem numa errada interpretação do conceito de obras de urbanização.

42. Tratando-se de obra privada, a edificar em propriedade privada, não pode estar sujeita a prazo determinado pela edilidade, até porque do alvará de loteamento não existe projecto para este lote que especifique, entre outras exigências legais, o prazo de realização da obra. 43. A inexistência de tal projecto, determina que fique na livre disposição do proprietário do lote decidir se e quando quer construir, não lhe podendo ser impostas estas obrigações pela edilidade.

44. O parecer do MP toma por base o...

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