Acórdão nº 02142/11.8BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Dezembro de 2022
Magistrado Responsável | ANABELA RUSSO |
Data da Resolução | 15 de Dezembro de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1.
A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por “V.……… Multimédia – Serviços de Telecomunicações e Multimédia, SGPS, S.A.” contra a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º 3107201004001915, apresentada ao acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRC), do ano de 2006, no montante de € 106.077,20, interpôs o presente recurso jurisdicional.
1.2.
Nas alegações de recurso apresentadas, formulou a Recorrente as seguintes conclusões: «
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Em sede de procedimento inspetivo procedeu a AT a uma correção no montante de € 266.000,00 relativa a proveitos não declarados, decorrentes da prestação de garantia (fiança) de pagamento concedidas no âmbito de crédito contratualizado entre instituição bancária e a X………..., sua participada, tendo por base a aplicação das regras dos preços de transferência.
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Entendeu o Tribunal a quo, na douta sentença recorrida que “não se pode concluir que as operações aqui em causa são comparáveis com base no critério adoptado pela Administração Tributária supra referido. Com efeito, embora a fiança e a garantia bancária autónoma possam partilhar características comuns, a forma como o risco recai sobre o fiador e sobre o garante da garantia bancária autónoma é potencialmente gerador de diferenças que atingem de forma significativa a sua comparabilidade.” C) Dissente a Fazenda Pública como assim decidido pelas seguintes ordens de razão.
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Determinava o art.º 58º, nº 1, do CIRC, na redação à data dos factos, que “Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis”.
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Segundo o n.º 2 do art.º 58º e nº 2 do art.º 4º da referida Portaria, considera-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é suscetível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente contratados, aceites e praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades selecionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis.
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Na determinação do preço de transferência utilizou a AT o método do preço comparável de mercado, utilizando como operação comparável à fiança a garantia bancária.
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Embora a fiança e a garantia bancária sejam figuras distintas, apresentam os traços mais relevantes em comum, sendo ambas garantias especiais e pessoais.
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Não sendo expressamente prevista e regulada no nosso ordenamento jurídico, a garantia autónoma encontra o seu suporte normativo no art.º 405° do CC, sendo que o seu regime jurídico é determinado pelas cláusulas acordadas e pelos princípios gerais dos negócios jurídicos (art.ºs 217.° e ss do CC) e dos contratos (art.ºs 405.° e ss do mesmo diploma legal).
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Podendo definir-se tal negócio jurídico como a garantia pela qual o banco que a presta se obriga a pagar ao beneficiário certa quantia em dinheiro, no caso de alegada inexecução ou má execução de determinado contrato (o contrato-base), sem poder invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com esse mesmo contrato.
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A fiança, por sua vez, é uma garantia pessoal das obrigações, através da qual um terceiro assegura a realização de uma obrigação do devedor, responsabilizando-se pessoalmente com o seu património por esse cumprimento perante o credor.
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Uma vez que a fiança abrange todo o património do devedor o seu valor como garantia encontra-se, por isso, dependente do valor do património do fiador.
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Ou seja, conforme conclui o relatório inspetivo, tais operações apresentam em comum o facto de: i. Serem emitidas por um terceiro formalmente alheio à relação estabelecida entre credor e devedor; ii. Do ponto de vista económico, existe para o credor beneficiário uma garantia do cumprimento das obrigações assumidas pela participada; iii. Se encontrarem definidos os fins subjacentes à sua emissão e se balizar o âmbito dos seus efeitos; iv. O subscritor/garantista assume uma obrigação de pagar; v. Se verificar a existência de uma declaração de garantia de pagamento, uma vez que se assegura a realização de uma prestação de conteúdo económico equivalente que satisfaça o seu interesse económico e é assumido pelo emitente/garante que o risco económico da operação corre por sua conta e não do beneficiário; vi. O emitente garantir o resultado, em termos de assunção do pagamento se o patrocinado não pagar, existindo uma garantia do pagamento; vii. Quer o emitente da garantia bancária, que a impugnante, protegem o credor dos riscos económicos de incumprimento pelo devedor.
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Em suma, que com uma, quer com outra, para o credor é obtido o mesmo efeito útil: ter a garantia efetiva do seu crédito.
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Pelo que, ao decidir como decidiu violou a douta sentença recorrida o disposto no art.º 58º do CIRC, impondo-se a sua revogação, com a consequente manutenção no ordenamento jurídico-tributário, do ato impugnado.
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A sentença recorrida, fez, ainda, uma interpretação errada das normas constantes, à data dos factos, do nº 3 do art.º 17º do EBF.
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O art.º 17º do EBF estabelece um benefício fiscal em sede de IRC que consiste na majoração em 50% dos custos incorridos por cada posto de trabalho líquido criado nas condições previstas no n.º 1.
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O nº 3, do citado art.º 17º do EBF, (na redação anterior à da Lei 10/2009, de 10/03) estabelecia que a majoração “tem lugar durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho.” R) Daquele preceito legal resulta que o benefício tem uma duração de cinco “anos” (e não cinco exercícios) a contar da vigência do contrato de trabalho. Assim sendo, o legislador pretendeu que o benefício, em vez de vigorar por cinco exercícios fiscais, vigorasse por cinco anos.
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Com efeito, se o dies a quo do benefício fiscal é a data do início da vigência do contrato de trabalho, então, o dies ad quem será o último dia do prazo de cinco anos, que se conta a partir daquela data, de acordo com as regras de cômputo do termo fixado por lei (art.º 279º, alínea c) e art.º 296º, ambos do Código Civil).
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No que respeita às deduções efetuadas pela Recorrida, em razão do benefício fiscal pela criação do emprego líquido, entenderam os serviços da AT que as mesmas não são aceitáveis por o limite máximo da majoração anual dever ser ajustado proporcionalmente ao número de meses em que o trabalhador, elegível para o benefício, se manteve nessas condições.
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A sentença recorrida contrapõe sustentando que, não deve ser feita a correspondência proporcional com a vigência do contrato de trabalho.
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Discordamos com o assim decidido, pois, se o benefício fiscal, (que consiste na majoração de encargos dos respetivos contratos de trabalho celebrados, com os limites previstos no n.º 2 do art.º 17.º do EBF), depende da vigência do contrato de trabalho, tal condição implica, necessariamente, uma restrição proporcional do limite máximo da majoração prevista no n.º 2, nos casos em que o trabalhador não trabalhe o ano completo ou nos casos em que se completam os cinco anos de vigência do contrato antes do final do exercício.
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A não ser assim, então, estaríamos a permitir que o destinatário do benefício usufruísse in totum da majoração legal mesmo quando o contrato de trabalho respetivo tivesse apenas uma vigência parcial, sendo certo que a majoração está umbilicalmente ligada à vigência do contrato de trabalho, e pelo período de cinco anos estabelecido no n.º 3.
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Não se pode olvidar que, há uma racionalidade na lei que o intérprete deve reconstruir, o que exclui a aplicação automática da letra da lei, devendo, antes, ser considerado o contexto lógico-literal da norma.
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Deste modo, o limite “anual” da majoração previsto no n.º 2 do art.º 17.º do EBF deve ser interpretado em conformidade com o cômputo do prazo previsto no n.º 3, e ser consentâneo com este, uma vez que, só assim se garante a unidade do sistema jurídico e a sua coerência, elemento primacial da interpretação jurídica (art.º 9.º do C.C., aplicável ex vi, art.º 11.º, n.º 1 da LGT).
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Assim sendo, como o limite máximo previsto no n.º 2 se reporta a uma “majoração anual”, o termo “anual” deve também ser objeto de cômputo (tal como o prazo de cinco anos previsto no n.º 3) ou seja, se inicia no primeiro dia de vigência do contrato e termina no último dia dos cinco anos a contar daquela data (termos do art.º 279.º, alínea c) e art.º 296.º, ambos do Código Civil).
A
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O que significa que, o n.º 2 do art.º 17.º do EBF deve ser interpretado no sentido de estabelecer o limite máximo de majoração de 14 vezes o SMN, sendo que esse limite máximo reporta-se à “majoração anual” de que beneficia a entidade patronal durante 5 anos, e deste modo, deve ser feita a correspondência proporcional com a vigência do contrato de trabalho, garantindo, deste modo, a coerência e unidade do regime jurídico do benefício fiscal em causa, não contrariando, esta interpretação, o disposto no art.º 10.º do EBF.
BB) Deste modo, ao decidir como decidiu, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação do teor das normas ínsitas aos n.ºs 2 e 3 do art.º 17º do EBF...
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