Acórdão nº 0801/21.6BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelPAULA CADILHE RIBEIRO
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. Relatório 1.1.

A Representante da Fazenda Pública interpõe recurso da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de retenção na fonte de IRC, consubstanciado na guia n.º 80508735661, referente ao período de maio de 2018, no montante global de € 1.293.788,99, auferido pela THE INCOME FUND OF AMERICA em território nacional, concluindo da seguinte forma as suas alegações de recurso: «a) Entende a RFP que a douta Sentença de que se recorre sofre de erro de julgamento, quando concluiu que: ““Ora, atenta esta sucessão de factos, é manifesto que a tributação dos referidos dividendos, nos moldes supramencionados, viola a liberdade de circulação de capitais, ínsita no art. 63.º, n.º 1, do TFUE, uma vez que a distribuição de dividendos de origem nacional a favor de OIC não residentes, como é o caso do Impugnante, deve considerar-se excluída de tributação, em sede de IRC, nos mesmos termos que se encontram previstos para os OIC residentes, em conformidade com o disposto no art. 22.º, n.ºs 1 e 3, do EBF (cfr. pontos n.ºs 1 a 6 do probatório).” b) Assim, a questão material que vem controvertida nos presentes autos de recurso, prende-se em determinar se a legislação portuguesa, na redação em vigor à data dos factos tributários, ao excluir de tributação os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a fundos de investimento mobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional (art.º 22º do EBF) e, por isso residentes em território nacional, mas sujeitando a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por essas mesmas sociedades a fundos de investimento mobiliário, que não tenham sido constituídos nem operem de acordo com a legislação nacional, e por isso não residentes, (in casu os Estados Unidos da América), configura uma restrição à livre circulação de capitais, não consentida pelo art.º 63º do TFUE.

  1. O TJUE já deixou expresso em múltiplos Acórdãos que, em abstrato, o regime de tributação dos diferentes Estados Membros pode tratar de forma diferente residentes e não residentes, sendo que a relevância está em averiguar se, em concreto, tal se traduz na aplicação de uma tributação efetiva mais elevada sobre os não residentes, pois, em caso contrário, o regime não é discriminatório, nem consequentemente contrário ao direito comunitário.

  2. Conforme afirmado por Paula Rosado Pereira, in Princípios do Direito Fiscal Internacional, Almedina, 2010, pp. 349 e ss, o Tribunal de Justiça assume, como ponto de partida que a situação de sujeitos passivos residentes e de não residentes “não é, em geral, comparável”, uma vez que, desde logo, quanto aos primeiros a tributação incide sobre a globalidade dos rendimentos auferidos (no Estado da residência), enquanto no caso dos segundos se limita aos rendimentos auferidos no Estado da fonte; assim, “no Caso Shumacker, o Tribunal de Justiça aceitou que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes, o que sucede, por exemplo, por a maior parte do rendimento do não residente ser normalmente obtida no seu Estado de residência”.

    (…) “A análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça revela, assim, na perspectiva deste órgão, em termos genéricos, o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas CDT, é aceitável e não contraria as liberdades de circulação, nem consubstancia uma discriminação contrária aos Tratados Europeus, em virtude de os residentes e os não residentes não se encontrarem, em geral, em situações comparáveis, porque assentes numa diferença objectiva relevante entre sujeitos passivos.” e) In casu, vinha sustentado pelo Impugnante que, para aferir da existência de tratamento discriminatório se imporá ponderar quatro elementos: (i) a existência de duas situações, sujeitas a um tratamento diferenciado, (iii) ainda que comparáveis, (iv) de que deriva um tratamento desvantajoso para uma das duas situações.

  3. Pelo que, verificados que estão, in casu, os dois primeiros elementos, convirá aferir da efetiva comparabilidade das duas situações, apelando ao regime legal em causa nos presentes autos, de um ponto de vista mais global do que aquele que é intentado pelo Impugnante, pois que, do mesmo se descortinará a inexistência da comparabilidade entre a tributação dos fundos residentes e a tributação dos fundos não residentes, ao ponto de se poder afirmar da não violação dos princípios da discriminação e da livre circulação de capitais vertidos nos art.ºs 18º e 63º do TFUE.

  4. Com efeito, atendendo ao disposto no art.º 65º do TFUE, admite o TFUE que a proibição do estabelecimento de restrições aos movimentos de capitais não impede que um Estado-Membro defina um regime tributário diferente para os sujeitos que não se encontrem em idêntica situação, importando dessa forma determinar se estamos perante situações comparáveis, porquanto só existe discriminação quando o direito interno aplique regras diferentes a situações comparáveis ou sujeite situações diferentes a regime idêntico.

  5. O Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, procedeu à reforma do regime de tributação dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC), bem como dos participantes, alterando o Estatuto dos Benefícios Fiscais, o Código do Imposto do Selo e a Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro.

  6. E já a Lei n.º 2/2014, de 16/01 e a Lei n.º 82-E/2014, de 31/12, tinham procedido, respetivamente, à reforma da tributação do rendimento das sociedades e à reforma da tributação do rendimento das pessoas singulares, alterando o CIRC, o CIRS e outros diplomas.

  7. A sentença recorrida, tal como o Impugnante, fez uma explanação do regime de tributação, em sede de IRC, aplicável aos OIC residentes (constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional) e não residentes (constituídos ou a operar de acordo com outra legislação), tentando demonstrar que a exclusão de tributação dos dividendos, prevista no n.º 3, do art.º 22º do EBF, aplicável apenas aos primeiros, só por si, configura uma restrição à livre circulação de capitais por oposição ao art.º 63º TFUE, sem considerar o regime no seu todo, a existência da convenção para eliminar a dupla tributação celebrada com os EUA, entre outros, que melhor se expõe de seguida.

  8. Ora, entendendo-se que não cabe à Administração Tributária, no presente âmbito, discutir as opções de política fiscal, sempre se dirá que qualquer regime fiscal aplicável a sujeitos passivos residentes é, normalmente, diferenciado do aplicável a não residentes, sem que, por isso, configure restrição às liberdades fundamentais previstas nas normas do TFUE ou colida com essas ou outras normas de direito fiscal internacional, nomeadamente, as CDT.

  9. A sentença recorrida, no caso em apreço, centrou-se apenas num único aspeto do regime fiscal em sede de IRC, a partir de 01/07/2015, aplicável aos OIC residentes, em comparação com os não residentes, sem tomar em consideração o regime fiscal de forma abrangente, consideração essa que lhe permitiria percecionar do tratamento não discriminatório do regime aplicável aos OIC não residentes, é que de acordo com o anterior regime legal a tributação dos rendimentos era levada a cabo nos OIC, surgindo como premissa do novo regime legal substituir o anterior regime de tributação “à entrada” por um regime de tributação “à saída”, na esfera dos investidores.

  10. E, assim, não obstante os OIC residentes, constituídos e a operarem nos termos da legislação nacional, beneficiem da isenção de retenção na fonte plasmada no n.º 3, do art.º 22º do EBF, regime não aplicável aos não residentes, verificamos decorrer do regime legal instituído pelo Decreto-Lei n.º 7/2015 a introdução da tributação em sede do Imposto do Selo dos OIC residentes, decorrente da criação de uma taxa incidente sobre o ativo global líquido dos organismos de investimento coletivo, com recurso a um comparativo internacional.

  11. Tal tributação em sede de Imposto do Selo está prevista nas Verbas 29, 29.1 e 29.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditadas pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, com produção de efeitos a 01/07/2015, e incide sobre o valor líquido dos OIC, abrangidos pelo art.º 22º do EBF, não se aplicando, portanto, aos OIC não residentes, categoria onde se inclui o Impugnante.

  12. Deste modo, ainda que se encontrem isentos da retenção na fonte, nos termos decorrentes do n.º 3 do art.º 22º do EBF, os fundos residentes são tributados por via da aplicação de uma taxa fixa, por recurso a comparativo internacional, que incide sobre o ativo global líquido dos organismos de investimento coletivo. Já os fundos não residentes, considerando que a tributação é efetuada tendo por base unicamente os rendimentos percebidos no Estado da fonte, (Portugal no caso), se mostram excluídos de tal tributação, em sede de Imposto do Selo e por via da aplicação de taxa fixa.

  13. Ora, tal regime, assim configurado, remete-nos desde logo para duas situações não comparáveis entre si, porquanto apelam, cada uma delas, a um regime jurídico distinto em que o elemento de conexão residência se implica, por um lado, a não aplicação da dispensa de retenção, também implica, por outro, a não aplicação da tributação em sede de Imposto do Selo a que se encontram sujeitos todos os fundos de investimento residentes em território nacional e que sejam constituídos e operem de acordo com a legislação nacional.

  14. E a afirmação da ausência de comparabilidade entre a tributação dos fundos residentes e a tributação dos fundos não residentes no regime jurídico português resulta acrescida do regime fiscal da participation exemption...

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