Acórdão nº 590/21.4T8PDL.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelALDA MARTINS
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa 1. Relatório AAA intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra BBB.

, alegando, em síntese, que foi admitida ao serviço da Ré em 7 de Junho de 2010 para exercer funções com a categoria profissional de “oficial administrativa” e, a partir de 1 de Dezembro de 2012, de “técnica superior”. A partir de 2014, a Ré passou a assumir repetidamente comportamentos, que descreve, que fazem configurar, da parte daquela, uma acção de assédio moral, que terminou com o seu despedimento, com invocação de extinção do posto de trabalho, sem que estivessem reunidos os respectivos requisitos, em 16 de Março de 2020. A Autora aceitou o acordo de revogação do contrato de trabalho porque a Ré estava determinada a despedi-la de qualquer modo. Nunca lhe foi ministrada formação desde que ingressou na empresa, tendo, por outro lado, prestado trabalho suplementar desde 1 de Junho de 2010 até 2016.

Termina, pedindo a declaração de ilicitude do despedimento e a condenação da Ré na sua reintegração, com a mesma categoria e antiguidade, na anulação das sanções que lhe foram aplicadas no âmbito de procedimentos disciplinares instaurados contra si, no pagamento das retribuições vencidas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença (com acréscimo das prestações vencidas neste período a título de retribuição do período de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal), na quantia correspondente ao diferencial entre o que recebeu da Segurança Social e o que deveria ter recebido caso estivesse no efectivo exercício das suas funções (para além da restituição à Segurança Social do montante pago neste mesmo período a título de subsídio de desemprego), assim como no pagamento das quantias de €10.000,00 a título de retribuição de trabalho suplementar, de €6.000,00 por conta de formação não ministrada, tudo com acréscimo dos juros de mora, e ainda de €12.0000,00 a título de indemnização por assédio moral, sem prejuízo do “encontro de contas” entre este valor e aquele que lhe foi entregue em 16 de Março de 2020, mais requerendo a Autora, por fim, que esta condenação seja tornada pública.

A Ré apresentou contestação, invocando as excepções de remissão abdicativa e de caducidade do direito de impugnação do despedimento, e impugnando os factos alegados pela Autora, defendendo que o contrato de trabalho cessou por acordo escrito de revogação celebrado entre as partes, e não por despedimento, sem que esteja em falta qualquer crédito laboral e sem que tenha sido praticado qualquer facto que seja susceptível de configurar uma acção de assédio moral por parte da empregadora.

Conclui no sentido da absolvição do pedido.

Foi proferida sentença, que absolveu a Ré do pedido.

A Autora interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões: (…) A Ré apresentou resposta ao recurso da Autora, pugnando pela sua inadmissibilidade legal, em virtude da deficiência das conclusões, e, de qualquer modo, pela sua improcedência.

Admitido o recurso, e remetidos os autos a esta Relação, proferiu-se despacho no sentido de não haver lugar a despacho de aperfeiçoamento das conclusões.

Observou-se o disposto no art.º 87.º, n.º 3 do CPT, tendo o Ministério Público emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.

Cumprido o previsto no art.º 657.º do CPC, cabe decidir em conferência.

  1. Questões a resolver Tal como resulta das conclusões do recurso, que delimitam o seu objecto, as questões que se colocam a este Tribunal são as seguintes, por ordem de precedência lógica: - alteração da decisão sobre a matéria de facto (conclusões 1. e 2.); - erro ou vício de vontade da Autora na outorga de acordo de revogação de contrato de trabalho (conclusões 16. a 21.); - indemnização por danos não patrimoniais decorrentes de assédio moral (conclusões 3. a 15.).

  2. Fundamentação 3.1.

    Os factos considerados provados são os seguintes: 1. Em 7 de Junho de 2010, mediante acordo escrito, AAA foi admitida ao serviço de BBB, para, no interesse e sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, exercer funções de ‘oficial administrativa’.

  3. No âmbito deste acordo, a Autora prestava apoio administrativo a pescadores e armadores.

  4. Para além de a Autora aceitar “…que lhe fossem atribuídas outras tarefas para as quais tivesse qualificação e capacidade e que tenha afinidade ou ligação funcional com as que correspondem à sua função normal e bem assim que lhe sejam atribuídas temporariamente outras tarefas, de acordo com as necessidades e interesses” da Ré.

  5. A Autora iniciou a sua actividade no Gabinete … 5. Nas instalações da Lota de (…).

  6. Tendo como seu superior hierárquico (…)., coordenador administrativo e financeiro.

  7. E exercendo as seguintes funções: a) elaboração de candidaturas ao ‘POSEI’; b) preenchimento de candidaturas ao ‘Fundo Pesca’; c) preenchimento de candidaturas ao Regime de Apoio à Segurança a Bordo das Embarcações de Pesca; d) pedidos de licença anual de pesca e de autorização para pescar (pedidos iniciais e renovações); e) pedidos de artes adicionais; f) preenchimento de róis de tripulação das embarcações de pesca locais e costeiras; g) pedidos diversos às capitanias da Região dos Açores; h) preenchimento de candidaturas ao ‘Abastecimento de Gasóleo’; i) pedidos de fretamento de embarcações; j) pedidos de embarque nas embarcações de pesca; l) atendimento ao público da comunidade piscatória; m) pedidos referentes à vida profissional dos pescadores, junto de entidades diversas (Segurança Social, Tribunal, Direcção Regional de Pescas, Inspecção Regional de Pescas).

  8. Na sequência de alteração ao Código Contributivo ocorrida no ano de 2011, a Ré e o Instituto da Segurança Social dos Açores criaram um programa para a elaboração / comunicação das declarações de remunerações dos profissionais de pesca da Região dos Açores.

  9. A partir de data não concretamente determinada deste ano de 2011, a Autora, para além do descrito em 7), começou a exercer estas funções de elaboração das declarações de remunerações dos profissionais de pesca, para entrega nos serviços da Segurança Social.

  10. Mais tarde, pelo menos partir de data não concretamente determinada do ano de 2012, estas funções, descritas no número anterior, passaram também a ser exercidas pelas funcionárias da Ré (…).(…).(…). e, depois, (…)..

  11. A Autora demonstrava maior competência e eficácia que as funcionárias identificadas no número anterior na elaboração / comunicação destas declarações de remunerações, nos termos descritos em 9) e 10).

  12. Tornando-se parte das suas funções a verificação e correcção do serviço das mesmas no preenchimento destas declarações.

  13. Para além, no mesmo âmbito, do esclarecimento de dúvidas que as mesmas pudessem ter e da resposta a pedidos de auxílio que as mesmas pudessem apresentar.

  14. No âmbito desta actividade descrita em 9), 12) e 13), a qual compreendia o cumprimento de prazos legais, a Autora, em datas e número de horas não concretamente determinados, chegou a exercer funções em sua casa.

  15. E, em datas e número de horas não concretamente determinados, chegou a exercer funções para lá da hora fixada para o término da sua actividade.

  16. Na sequência do descrito no número anterior, à Autora foi concedida ‘password individual de alarme’, com vista a entrada nas instalações da Ré quando fosse necessário.

  17. E, na sequência do descrito em 14), foi-lhe concedido ‘acesso remoto’ ao seu computador de serviço a partir de casa.

  18. No site da Ré constava o nome da Autora e o seu email profissional como contactos do Gabinete de Apoio ao Pescador.

  19. Em 1 de Dezembro de 2012, a Autora, atendendo às suas habilitações académicas (licenciatura), passou a ter a categoria profissional de ‘técnica superior 3.ª’.

  20. Nos termos descritos em 7) e 9), a Autora era considerada pelos pescadores como uma pessoa disponível para os atender e auxiliar.

  21. Havendo pescadores que, por esse motivo, davam preferência ao atendimento feito pela Autora.

  22. A partir de data não concretamente determinada, a Autora passou a exercer funções no edifício da sede da Ré.

  23. Também a partir de data não concretamente determinada, entre os anos de 2014 e 2015, existia um litígio pessoal, de teor não concretamente determinado, entre a Autora e (…)., seu familiar.

  24. (…) é armador, estabelecendo relações com a Ré no âmbito da actividade de ambos.

  25. Nos termos descritos em 23) e 24), por várias vezes, ainda que em número não concretamente determinado, (…). deslocou-se às instalações da Ré, nalgumas vezes acompanhado da sua mulher e da sua advogada, instando a presidente do conselho de administração da Ré, Dra. (…)., a respeito da Autora.

  26. E alegando, pelo menos, que a Autora ‘utilizava informação da (…).’ contra ele, recolhida no exercício das suas funções.

  27. Nessas circunstâncias, a presidente do conselho de administração da Ré respondeu a (…) que o mesmo deveria demonstrar a veracidade de tais acusações ou, caso contrário, da parte da Ré nada havia a determinar.

  28. E, após, instava a Autora sobre essas alegações que haviam sido apresentadas por (…)., instruindo-a a afastar qualquer ‘assunto pessoal’ do desempenho das suas funções.

  29. Em 7 de Dezembro de 2015, a Autora comunicou ao conselho de administração da Ré uma ‘denúncia de burla’ relativa a ‘candidatura a regime de apoio’ por parte de (…).

  30. O conselho de administração da Ré, na mesma data, remeteu esta ‘denúncia’ aos serviços da Direcção Regional de Pescas.

  31. Em 11 de Abril de 2016, na sequência da instauração de procedimento de inquérito pela Ré, foi elaborado relatório no qual se fazia menção ao “apuramento de eventuais práticas passíveis de responsabilidade disciplinar, designadamente, se informações, instrumentos, meios ou canais de comunicação da (...) terão sido utilizados por funcionários da (...), para fins estranhos à empresa, bem como se os mesmos terão sido facultados a terceiros, sem a prévia autorização hierárquica”.

  32. Mais se mencionando na...

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