Acórdão nº 550/14.1T8PVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelJOÃO CURA MARIANO
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* I - Relatório Os Autores propuseram ação declarativa condenatória, sob a forma de processo comum, contra os Réus, pedindo que estes fossem condenados, solidariamente, a pagar € 100.448,17 à Autora AA, € 52.820,98 ao Autor BB, e € 200.000,00 à Autora CC, acrescidos de juros de mora, desde a citação, até integral pagamento, e ainda uma indemnização adicional a liquidar em decisão ulterior, referente a danos patrimoniais e não patrimoniais futuros consequentes a diversos tratamentos médicos a que a Autora CC se terá ainda de submeter.

Alegaram, em suma, que a Autora CC, filha dos dois co-Autores, foi atacada por um cão da raça rotweiller, sofrendo em consequência graves lesões, na sequência do que todos os Autores sofreram danos patrimoniais e não patrimoniais, sendo o cão propriedade dos Réus DD e EE, que o usavam no seu interesse, e estava sob a vigilância da Ré FF, trabalhadora por conta daqueles, que o deixou escapar, permitindo que este atacasse a Autora CC.

Os Réus contestaram defendendo a improcedência da ação.

Após realização de audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a ação, julgando nos seguintes termos: 1) Condenam-se solidariamente os Réus a pagar ao Autor BB a quantia de € 1.832,86 (mil, oitocentos e trinta e dois euros e oitenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação, até integral pagamento; 2) Condenam-se solidariamente os Réus a pagar à Autora CC a quantia de € 30.000,00 (trinta mil e euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da prolação desta sentença, até integral pagamento; 3) Condenam-se solidariamente os Réus a pagar à Autora CC todas as despesas médicas, medicamentosas, cirúrgicas e de recuperação que tenha de suportar até ao fim da sua vida para fazer face às lesões e sequelas resultantes do ataque do canídeo Q..., a fixar em sede de liquidação de sentença; 4) Absolvem-se os Réus do demais que foi peticionado.

Desta decisão recorreram os Autores e o Réu EE, subordinadamente, tendo sido proferido acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto que julgou procedente o recurso dos Autores e improcedente o recurso do Réu, tendo revogado parcialmente a sentença da 1.ª instância e decidido nos seguintes termos: 1) Condenar solidariamente os Réus a pagar ao Autor BB a quantia de € 1.832,86 acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação, até integral pagamento; 2) Condenar solidariamente os Réus a pagar aos Autores (AA e BB) a quantia de € 15.000,00 a título de danos patrimoniais, sendo € 7 500,00 para cada um, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação, até integral pagamento; 3) Condenar solidariamente os Réus a pagar aos Autores, a quantia de € 10.000,00 à autora AA a título de danos morais e ao autor BB a quantia de € 5.000,00 acrescido de juros de mora desde a prolação deste acórdão; 4) Condenar solidariamente os Réus (por lapso de escrita escreveu-se Autores) a pagar à autora CC a quantia de €75 000,00 de danos morais e patrimoniais por si sofridos contados desde a data da prolação desta sentença, até integral pagamento; 5) Absolvem-se os Réus do demais que foi peticionado.

O Réu EE interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça desta decisão do Tribunal da Relação, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo: 1.ª Afigura-se que os montantes que o Acórdão recorrido atribuiu à menor CC em consequência da mordida do cão, se mostram manifestamente exagerados, face à Jurisprudência, mormente deste Supremo, em situações congéneres, 2ª- Sem prejuízo do que ao diante se dirá, o Tribunal da Relação atribuiu à menor CC, que ficou com uma IPP de 6%, a quantia de € 75.000,00; este Supremo, na sua Revista nº 302/07, a um lesado com uma incapacidade de 70%, que sofrera fractura da tíbia e perónio, com amputação dos topos, atribuiu… € 60.000,00.

  1. - Por outro lado, o recorrente igualmente não pode conformar-se com a atribuição de indemnizações aos pais da referida menor, que o Acórdão recorrido também fixou, em revogação da sentença da 1ª Instância, pois que entende, fundadamente (o recorrente), que eles pais, à face da lei, não têm direito a qualquer indemnização.

    Abordam-se as duas questões, na sequência: I – Quanto à menor CC: 4ª- A indemnização a tributar à lesada é-o a título de dano biológico, seja qual for a natureza desse tipo de dano; trata-se pois de indemnizar o dano corporal sofrido, quantificado por referência a um índice 100, ou seja, a uma integridade psicossomática plena – dano esse que, no caso, foi fixado na percentagem de 6% – ou seja, de uma gravidade extremamente reduzida.

  2. - Outrossim, a recorrente CC pretendeu duplicar o direito à indemnização «separando» as duas categorias – danos não patrimoniais e danos patrimoniais – com os mesmíssimos fundamentos, o que se afigura de todo incorreto, mas que foi acolhido no Acórdão recorrido.

  3. -A mordedura de que a menor foi vítima causou-lhe, a final: - um «quantum doloris» de grau 4 numa escala crescente de 0 a 7 (Facto 38)); - um dano estético de grau 4 numa escala crescente de 0 a 7 (Facto 40)); e, mais relevante ainda: - um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, como se disse, de 6% (Facto nº 43)).

  4. - Paralelamente, não se provou, por forma alguma, que a menor tivesse ficado com quaisquer outras sequelas de ordem psicológica, designadamente as que os pais procuraram inculcar, de que teria ficado a padecer de «stress pós-traumático», «insónias», «sono agitado», «pesadelos», «medo de animais» (pelo contrário, gosta de animais e até de “cãezinhos”), «dificuldades de interação social» ou outras fantasias, tais como a de a menor «ter visto a morte de frente, etc.».

  5. - No caso em análise, tal como resulta da lei (Cód. Civil, art. 496º nº 4 e 494º) a compensação por danos não patrimoniais, a fixar equitativamente pelo tribunal, deve traduzir a ponderação: - da extensão e gravidade dos danos causados; - do grau de culpa do lesante – que poderá conduzir a uma indemnização inferior à que corresponderia aos danos causados; - da situação económica deste e a do lesado; - e das demais circunstâncias relevantes do caso, nomeadamente, os critérios e valores usuais na jurisprudência em casos similares.

  6. - Em segundo lugar, no que respeita ao grau de culpa, o ora recorrente já não vivia na habitação onde o canídeo em causa permanecia e dera instruções à 3ª Ré para passear um canídeo de cada vez [Factos Provados nºs 4), 5) e 12) a 15)] – pelo que a culpa a atribuir-lhe deverá classificar-se como sendo de leve negligência.

  7. - No que respeita à situação económica dos «lesantes», ela afigura-se a nível de classe média quanto ao recorrente e à 2ª Ré e de modesta quanto à 3ª; e no que respeita à dos Autores, como bem refere a sentença, deverá reputar-se também de modesta, «revelada pelo benefício do apoio judiciário» que lhes foi concedido.

  8. - Quanto aos «critérios e valores usuais na jurisprudência em casos similares», esta tem consagrado, como compensação a atribuir a situações de todo semelhantes à dos autos, quer no que respeita à atribuição do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, quer quanto ao dano estético, quer quanto ao pretium doloris, quantias bem inferiores àquela que tanto a sentença da 1ª Instância como o Acórdão recorrido concederam à Autora CC: 12ª- O Acórdão da Relação de Coimbra de 2010.10.06 (Proc. nº 426/06 – parcialmente transcrito na presente alegação), versando o caso de mordeduras de um cão da raça Rottweiler que «atacou a ofendida X, desferindo-lhe diversas dentadas na face, mordendo-a junto ao olho esquerdo e cabeça) atribuiu-lhe, a final, a indemnização de € 15.000,00.

  9. - O Acórdão recorrido, por danos que se podem classificar como bem menos graves, conferiu à Autora CC nada menos do que o quíntuplo dessa quantia – o que se reputa de exagerado e desmedido.

  10. - O Acórdão da Relação de Lisboa de 2011.01.13 (Proc. nº 2876/08), também versando sobre danos resultantes de um ataque de um canídeo, que «saltou na direção da vítima, alcançou a face, mordeu e arrancou à dentada um bocado do nariz, obrigando-o a retirar uma parcela de carne da bochecha para colmatar essa falta, submetendo-se a intervenção cirúrgica com anestesia geral», neste caso, que se afigura bem mais grave do que o dos autos, o Tribunal fixou a indemnização em € 9.000,00.

  11. - A título de situação excecional, numa conjuntura em que uma menor teve muitos danos e mazelas que a Autora CC felizmente não teve (é bom que se sublinhe), o Acórdão da Relação de Lisboa de 2019.10.24 (Proc. nº 383714), parcialmente citado na sentença da 1ª Instância e parcialmente transcrito nesta alegação, foi fixada a indemnização de € 22.000,00.

  12. - Façamos um breve cotejo jurisprudencial sobre a quantificação a fazer sobre danos não-patrimoniais: A este título, a Autora CC pediu € 100.000,00 (mais € 100.000,00, a título de danos patrimoniais).

  13. - A sentença da 1ª Instância cita um Acórdão exemplar, do STJ, que fixou uma indemnização por danos não patrimoniais de € 68.200,00 decorrentes de: - Lesões físicas que implicaram risco de vida; - internamentos prolongados; - sequelas irremediáveis e gravosas para a autonomia e qualidade de vida da vítima, de sete anos de idade; - afectada por uma incapacidade de 75% em consequência das gravosas lesões neurológicas sofridas 18ª- Chega, por isso, a ser ofensiva a pretensão pecuniária da Autora CC, que ficou com uma incapacidade de 6% (assim como as de seus pais, mas isso abordar-se-á infra).

  14. - O Acórdão recorrido pronunciou-se da seguinte forma: «Estamos na presença de um dano de conteúdo biológico que contém, as dores, sofrimentos e desgostos, os traumatismos físicos, as fraturas, os tratamentos e reabilitações necessários à regeneração da pessoa, vítima, no caso concreto, de acidente com um cão - as dores e dano estético são de grau 4 na escala de 7, ultrapassando mais de metade desta escala.

    A menor antes do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT