Acórdão nº 125/20.6T8TND.C1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

Nos autos de inventário para partilha de bens da herança de AA, em que são interessados BB (requerente), CC (cabeça-de-casal) e DD, esta reclamou contra a relação de bens referindo a omissão de relacionamento de créditos (da reclamante), de bens móveis e de um imóvel, e a exclusão da “verba n.º 1” (quantia de € 159.000,00 existente em depósito a prazo), ou, se assim não se entender, que se relacione como crédito da reclamante o montante de €13.753,50, relativo a imposto de selo que pagou pela participação dos montantes em numerário existentes nas contas bancárias.

A cabeça-de-casal respondeu à reclamação: refutou a omissão de créditos, opôs-se à exclusão da “verba n.º 1” e aceitou o relacionamento dos restantes bens (móveis e imóvel).

Foi proferida decisão que julgou parcialmente procedente a reclamação, pelo que:

  1. Reconheceu os créditos da reclamante sobre a herança relativos a despesas de funeral (€1.660); B) Reconheceu o crédito da reclamante sobre a herança relativo à devolução do montante indevidamente pago a título de reforma à inventariada (€408,58); C) Reconheceu os créditos da reclamante, sobre a herança, referentes às despesas em vida com a reclamante (€152,57); D) Reconheceu o crédito da reclamante, sobre a herança, no montante de € 13.753,50, relativo a imposto de selo, pago pela reclamante, devido pela herança; E) Determinou que os créditos em causa sejam relacionados; F) Indeferiu o pedido de exclusão da “verba n.º 1” (quantia de € 159.000,00 existente em depósito a prazo).

Inconformados, a cabeça-de-casal CC e o interessado BB interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra.

Apelou também a reclamante.

Por acórdão de 12 de Julho de 2022 foi proferida a seguinte decisão: «Pelo exposto, decide-se alterar a decisão sobre a matéria de facto como se indica em II. 4., supra, e revoga-se a decisão recorrida quanto ao reconhecimento do «crédito da reclamante, sobre a herança, no montante de € 13 753,50, relativo a imposto de selo» e sua «relacionação» e quanto ao indeferimento do «pedido de exclusão da verba n.º 1 (quantia de € 159 000 existente em depósito a prazo)», mantendo-se o demais decidido; declara-se a validade da doação efetuada à recorrente DD, em 09.01.2020, com a consequente transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito, pelo que a dita “verba n.º 1”, por lhe pertencer, fica excluída da relação de bens.».

2.

A cabeça-de-casal CC e o interessado BB interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: «1. O douto acórdão recorrido deve ser revogado, pois nele se fez errada interpretação dos factos e inadequada aplicação do Direito, na parte em que revogou a sentença da primeira instância quanto ao indeferimento do «pedido de exclusão da verba n.º 1 (quantia de € 159.000 existente em depósito a prazo)», declarando válida a “doação efetuada à recorrente DD, em 09.01.2020, com a consequente transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito”.

2. José Ferreira Borges, no seu “Diccionario Jurídico-Commercial” afirma que “Assignar um acto é subscrevê-lo com todas as letras, que compõem o nome de família, que cada um tem”.

3. Tendo o douto tribunal dado como provado o facto de a falecida se encontrar debilitada fisicamente e por esse motivo só ter aposto o nome “AA” no documento particular datado de 09/01/2020, levaria só por si a decisão diversa da alcançada por parte do referido tribunal.

4. Além da prova testemunhal em que o douto Acórdão alicerçou a fundamentação atinente à fragilidade da falecida para apor a sua assinatura consta dos autos, junto pela Recorrida em sede de reclamação à relação de bens, o documento 6 (Nota da Alta) onde se pode verificar que a falecida no dia .../.../2020, foi submetida a “confeção de dolostomia ilíaca terminal por neoplasia do colon sigmoide estenosante obstrutiva”, a qual apesar de ter sido realizada sem intercorrências obviamente debilitou a falecida/inventariada fisicamente.

5. Pois que, no próprio dia em que fora intervencionada foi o dia em que a Recorrida efectuou o documento particular de doação aqui em discussão, no qual veio alegar a fragilidade física da inventariada para apor o seu nome completo, o que de resto, não faria outro sentido, atento o evento cirúrgico sofrido pela mesma (tal foi a pressa para a alegada assinatura).

6. Tal, no entanto, evidencia igualmente a má-fé do circunstancialismo em que o documento foi assinado, algo que não pode ser posto de lado na verificação da sua validade e preenchimento dos requisitos patentes no art.º 373 CC.

7. Além disso, podemos estar perante uma incapacidade acidental, pois apesar de eventualmente ter havido declaração e vontade, esta apresenta-se, no momento da prática do acto viciada.

8. Assim, a doação em causa, alem de anulável, mostra-se também nula por sofrer de vício de forma, na medida em que tendo sido realizada por documento particular, este carecia, por razões de forma (cfr. art 947º CC, na redacção do DL 116/2008, de 4/7), e de conteúdo (arts 373º/1, 3 e 4 CC, visto que a doadora não podia assinar), de ser autenticado não o tendo sido.

9. O art 46º/1 do Código do Notariado, nas respectivas alíneas a) a n) dispõe a respeito do que o instrumento notarial deve conter, relevando para a situação dos autos o disposto nas suas al c), d), h), l), m) e n), respectivamente do seguinte conteúdo: «(…) c) O nome completo (…) 10. Ao permitir que se considere válido juridicamente um documento particular em que se encontra aposto unicamente o prenome estamos a desjudicializar o reconhecimento e formalidades atinentes aos documentos particulares, sendo o referido acórdão um elemento facilitador do surgimento de situações totalmente ilícitas, o que desvirtua a função do direito e seus intervenientes.

11. Assim, conclui-se como o Sr. Adjunto Dr. EE, “um documento particular simples, referente a contrato de doação, sem o nome completo da doadora, o mesmo é dizer sem a sua assinatura, em contravenção ao mencionado art. 373º, nº 1, do CC. Por isso, a referida doação não é válida por não satisfazer a exigência legal de forma ad substantiam, nos termos do art. 364º, nº 1, do CC (neste sentido A. Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª Ed., nota 1. ao art. 366º, pág. 323) sendo a declaração negocial no documento inserida nula (art. 220º do CC).”».

Terminam pedindo a revogação do acórdão recorrido e a prolação de decisão, mantendo a “verba n.º 1” na relação de bens para posterior partilha entre todos os interessados.

A Recorrida contra-alegou, concluindo nos termos seguintes: «1. A doação de 09.01.2020 fls. 42 dos autos deve ser considerada válida conforme tão bem fundamentado se encontra no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, porquanto, 2. Com o devido respeito que é muito a posição aposta no voto de vencido, não pode colher provimento, considerando que, qualquer cidadão tem a liberdade de escolher a sua assinatura, em momento algum na lei se exige que um reconhecimento de assinaturas seja efetuado com assinatura completa do nome, mas antes que o Notário, Advogado ou Solicitador certifique-se de que quem está a assinar é a pessoa identificada – 3. E tanto assim é que, mais de 90% da população não assina com o seu nome completo e muitos há que até fazem apenas um mero “rabisco”/rubricas, e até que, por incompatibilidades familiares nem sequer utilize o nome da família da mãe e do pai.

4. Na doação de 09.01.2022 consta claramente o nome completo e toda a identificação da Doadora - O artigo 155 refere “que os reconhecimentos simples devem mencionar o nome completo do signatário e referir a forma por que se verificou a sua identidade, com indicação de esta ser do conhecimento pessoal do notário, ou do número, data e serviço emitente do documento que lhe serviu de base.” Ora tal artigo não exige que conste na assinatura o nome completo nem tal faria qualquer sentido.

5. Certo é que o artigo 947 C.C. não exige reconhecimento de assinatura.

6. Ora, da matéria dada por provada ponto ee) consta claramente que a D. AA só assinava com o primeiro nome – daí que em qualquer reconhecimento de assinatura a notária apenas se certifica que é a pessoa que está a assinar o documento, por isso nem se compreende como se refere que o documento não seria reconhecido, quando nunca e em algum momento foi posto em causa pelos recorrentes que a doadora assinou o documento.

7. Com tal entendimento está a defender-se algo diverso no plasmado na nossa legislação impondo que quase todos os documentos outorgados deixem de ter validade por não terem sido assinados com nome completo – o que contraria toda a essência e requisitos do disposto 155 nº. 1 que remete apenas para a al. a) do artigo 46 do Cod. Notariado.

8. Conforme consta do artigo 155 do código de notariado há a remessa apenas para o 46 nº.1 a) daí que exige-se que se confirme que é a pessoa que está identificada no documento que o assina e não outra.

9. Acresce ainda referir que como consta da matéria de facto dada por provada, nunca foi a recorrida que entendeu que existisse alguma fragilidade no documento, foi sim a D. AA quem pediu para chamar a funcionária do Banco da sua confiança a qual decidiu que colhia a assinatura a rogo.

10. Assim, a dita fragilidade que não existe surge de uma ilação e não da prova produzida e dada por provada, pois como se disse e consta dos factos provados ff) Doação que foi também corroborada pela bancária do BPI que se deslocou ao Hospital e devido às dificuldades da D.ª AA em assinar a mesma limitou-se a colocar a sua impressão digital, tendo a funcionária lido o documento e explicado e a D.ª AA assinado tal doação e atestado a...

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