Acórdão nº 652/20.5T8VRL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelVIEIRA E CUNHA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Súmula do Processo AA e esposa BB propuseram acção declarativa, com processo comum, contra o Banco BPI, S.A., formulando pedido de condenação do Réu a pagar-lhes: a) A título de danos patrimoniais, a quantia de 150.000,00€, mais os juros remuneratórios até à data da respetiva maturidade, que ocorreria em 16 de Junho de 2025, a liquidar em execução de sentença, e, ainda, os juros de mora desde a citação e até integral pagamento.

  1. A título de danos não patrimoniais, a quantia de 5.000,00€ (cada), igualmente acrescida de juros.

    Invocaram o incumprimento pelo Réu dos seus deveres gerais e especiais, em operação de compra de obrigações.

    Mais invocaram terem dupla nacionalidade (portuguesa e brasileira), serem ambos empresários e que tinham depositada, numa conta aberta em agência do réu, a quantia de € 300 000,00.

    Além da relação contratual, tinham com todos os colaboradores do Banco uma relação de confiança, pois sempre este lhes tratou dos seus assuntos bancários e da orientação e gestão daquele património.

    Todos sabiam que os autores nunca quiseram aplicações, obrigações ou investimentos de risco e que implicassem perdas de capital e sempre foram aconselhados e acompanhados por aqueles, que sempre lhes garantiram não haver riscos em absoluto.

    Em Maio/Junho de 2014, foram contactados pelo gerente e gestor do réu que lhes propôs, aconselhou e recomendou “vivamente” a compra de “Obrigações Portugal Telecom Int Fin 4,5%, 16-06-2025”. Com ele negociaram tal aquisição, a qual foi feita em 06-06-2014. Os 300.000€ e os acréscimos da operação foram debitados naquela conta.

    Os referidos gerente do Banco e o gestor de conta garantiram aos AA. que obteriam uma taxa de rentabilidade maior, que a compra era segura e não havia riscos.

    Assim, os AA. convenceram-se que se tratava de bons activos e que tinham investido num produto de poupança comum.

    Por via de movimentos societários, em Abril de 2015, registou-se a possibilidade de os obrigacionistas da PT Portugal saírem, mas nunca da hipótese de reembolso antecipado os autores foram informados pelo Réu, nem dos riscos (mencionados em memorandum) que existiriam caso por isso não optassem, pois que, se o tivessem sido, tê-lo-iam feito.

    Os colaboradores do Banco continuaram a informá-los e a garantir-lhes que as obrigações eram absolutamente seguras, que nunca, em caso algum, perderiam dinheiro. Assim, aconselharam e recomendaram “vivamente” a manutenção da subscrição.

    Nunca os autores dispuseram senão do prospecto relativo à emissão das obrigações e dos extratos mensais.

    Sem embargo, os AA., até 26-06-2016, por sua iniciativa, conseguiram, de uma vez, resgatar 50.000€ e, de outra, 100.000€.

    Em Setembro de 2016, o Réu comunicou que tinha sido requerida a a insolvência da Emitente das Obrigações, no Tribunal .... Na relação dos credores, figuram os autores com o crédito de € 150 000.

    Os AA. deixaram de ter informação desde Novembro de 2018 e não foram pagos, pelo emitente ou pelo Réu, nem o serão, do montante investido em falta.

    A tudo acresceram prejuízos morais, cuja compensação reclamam.

    O Réu, por seu turno, invocou que, desde a data da subscrição dos títulos pelos AA. ou, pelo menos, desde que (em Setembro de 2014 e Fevereiro de 2015) eles venderam parte deles, decorreu o prazo de 2 anos a que alude o artº 324º, nº 2, do CMVM, pelo que o eventual direito invocado está peremptoriamente prescrito.

    Impugnando, alegou também que, agindo exclusivamente como intermediário financeiro, enviou aos autores o Prospecto completo da emissão referente à operação de emissão daqueles títulos, bem como as ordens de compra para assinarem e a nota de execução e cumpriu todas as obrigações inerentes. Os AA. sabiam de todos os riscos associados às obrigações e foi por sua iniciativa que as adquiriram.

    Na altura em que resgataram parte delas, era visível, nos extractos que recebiam mensalmente, a descida das respectivas cotações.

    Os Autores aderiram ao serviço de homebanking associado à conta, que era solidária.

    Os contactos entre o Autor e o Banco, pessoais ou telefónicos, eram regulares e o Autor era pessoa segura de si, autónoma e esclarecida, que decidia sobre os seus investimentos informando-se em diversas fontes. Procurava sempre rendibilidades melhores.

    Foi ele que, por sua iniciativa, deslocando-se à agência, manifestou, junto da gestora, que pretendia aplicar aquele depósito em obrigações da PT. O Banco limitou-se às suas funções de mero executor de ordens e não de consultor.

    Não foi, pois, pela relação de confiança que os autores se determinaram.

    Em 09-07-2018, o Autor, em vez de aderir ao acordo de credores no âmbito do qual poderia ter sido reembolsado do investimento, “deixou-o cair” e solicitou ao réu a transferência das obrigações, o que este executou, pelo preço que ele indicou de € 117 000, a partir do que deixou de ser custodiante dos títulos, ignorando o resultado da sua decisão.

    Invoca, por fim, que os autores agem em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

    Ainda em resposta, os AA. defenderam que o prazo de prescrição é o ordinário (20 anos), porque se trata de responsabilidade contratual e, de todo o modo, o autor agiu com culpa grave (afastando o regime do artº 324º, nº 2, CMVM) e acrescentaram, ainda, que, quanto à transferência das obrigações, em 30-11-2018, a Oi Services os informou de um “Commitment Amount: 88.318,00” que desconhecem e não aceitaram como eventual pagamento do investimento feito, de nada mais sabendo.

    As Decisões Judiciais Foi proferida sentença em 1.ª instância, que julgou a acção improcedente e absolveu o Réu do pedido.

    Tendo os Autores recorrido de apelação, a Relação veio a pronunciar-se, confirmando a decisão recorrida.

    Inconformados, os Autores pretendem agora interpor recurso de revista excepcional, fazendo-o ao abrigo das normas do art.º 672.º n.º1 als. a) e b) CPCiv.

    O Réu/Apelado opôs-se ao bem fundado do recurso.

    O Acórdão do Colectivo “Formação” deste Supremo Tribunal de Justiça, previsto no disposto no art.º 672.º n.º3 CPCiv, admitiu a revista excepcional, fundamentando, em parte, como segue: “No fundo, o que se discute é a latitude e a longitude dos deveres que impendem sobre o intermediário financeiro, tendo em atenção a qualidade da informação imposta pelo artigo 7º, n°l do CVM: «A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às atividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita», ao que acrescem os seguintes elementos transversais, ponderosos, a essa mesma informação, decorrentes das especificações aludidas no artigo 312°, n°s 1 e 2 do mesmo diploma do seguinte teor «O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, nos termos previstos em regulamentação e aos delegados da Diretiva 2014/65/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, incluindo nomeadamente as respeitantes: a) Ao intermediário financeiro e aos serviços por si prestados; b) A natureza de investidor não profissional, investidor profissional ou contraparte elegível do cliente, ao seu eventual direito de requerer um tratamento diferente e a qualquer limitação ao nível do grau de proteção que tal implica; c) A origem e à natureza de qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço aprestar, sempre que as medidas organizativas adotadas pelo intermediário nos termos dos artigos 309. ° e seguintes não sejam suficientes para garantir, com um grau de certeza razoável, que serão evitados o risco de os interesses dos clientes serem prejudicados, incluindo as medidas adotadas para mitigar esses riscos, devendo a informação ser suficientemente detalhada, tendo em conta a natureza do investidor, para permitir que este tome uma decisão informada relativamente ao serviço no âmbito do qual surge o conflito de interesses, e cumprir o disposto em regulamentação e atos delegados da Diretiva 2014/65/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014; d) Aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas, incluindo se o instrumento financeiro se destina a investidores profissionais ou não profissionais, tendo em conta o mercado-alvo identificado; e) Aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar; f) A sua política de execução de ordens, que contém informação sobre os locais de execução e, se for o caso, à possibilidade de execução de ordens de clientes fora de mercado regulamentado ou de sistema de negociação multilateral ou organizado; g) A proteção do património do cliente e à existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar; h) Ao custo do serviço aprestar. 2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente...)».

    “Daqui decorre, medianamente pelo menos, que a problemática solvenda convoca institutos ligados à actividade económico financeira das instituições de crédito e aos princípios ordenadores dessa actividade, bem como às regras gerais que enformam os negócios jurídicos que pautam as suas relações com investidores não profissionais, o que envolve a análise comportamental dos intervenientes, por forma a aferir se foram ou não cumpridas as obrigações exigíveis para uma contratualização pontual, como impõem as boas regras e as boas práticas.” Para o efeito apresentam aqueles Autores/Recorrentes as seguintes conclusões de alegação: 1 – A decisão judicial fez, com todo o respeito, errada interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, estando em causa uma questão cuja...

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