Acórdão nº 842/17.8T8PVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelJORGE ARCANJO
Data da Resolução06 de Dezembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - RELATÓRIO 1.1.- A Autora AA BB, instaurou acção declarativa, com processo comum, contra, a Ré - BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A.

Alegou, em resumo: A A. era cliente do R. (BPN), na sua agência de ..., com a conta à ordem nº ...01, onde movimentava parte dos dinheiros, realizava pagamentos e efectuava poupanças; O gerente do Banco Réu da agência de ..., em 11 de Outubro de 2004, disse à A., que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada.

O dito funcionário do Banco Réu sabia que a A. não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente. E que por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, sendo que até essa data, sempre o aplicou em depósitos a prazo.

Sucede que o seu dinheiro – 50.000,00€, viria a ser colocado em obrigações SLN Rendimento Mais 2004, sem que a A. soubesse em concreto o que era, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa.

De todo o modo, e o que motivou a autorização, por parte da A., foi o facto de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo Banco Réu, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respectivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias.

A verdade é que a A., actuou convicta de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente Banco. Se a A. tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN Rendimento Mais 2004, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria, pois nunca foi intenção sua investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gerente e funcionários do Réu O Réu sempre assegurou que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo.

Em Maio de 2015, data o Banco Réu deixou de pagar os juros respectivos, imputando aa responsabilidade pelo pagamento à SLN, entidade que a A. nem sabia existir.

Sendo certo que, como se referiu, nem sequer foi informada sobre a compra das obrigações subordinadas SLN Rendimento Mais 2004.

E nunca o gerente ou funcionários do R., nem ninguém, leu ou explicou à A. o que eram obrigações, em concreto, o que eram obrigações SLN Rendimento Mais Pelo que sendo nulas as cláusulas principais e essenciais, é nulo todo o negócio, nos termos dos artigos 5º e seguintes do DL. 446/85 de 15/10, o que expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos.

Na data de vencimento contratada, o R. não lhe restituiu o montante que a A. lhe confiou, na agência do R. lhe diziam que era melhor esperar até à maturidade das obrigações. Também não tem cumprido o pagamento dos juros acordados, uma vez que contrataram uma taxa de 4,5% ao ano ilíquida e foram pagos juros na ordem de 1%, desde Maio de 2009 e até Maio de 2015.

Assim, deve o Réu ser condenado a pagar à A. imediatamente o capital de €50.000,00 e os juros legais desde a mora até efectivo e integral pagamento, e, que,neste momento – 05/06/2017, ascendem ao montante de 7.000,00€, o que perfaz o total de 57.000,00€, acrescido dos juros vincendos sobre essa quantia desde a citação até efectivo e integral pagamento; A A., por efeito do incumprimento do Réu, quanto à garantia de capital e juros que tinha dado para data certa, ficou impedida de usar o seu dinheiro como bem entendesse. Além disso, com a sua actuação, o Réu colocou a A. num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaver, ou de não saber quando ia reaver o seu dinheiro.

Devendo tal dano não patrimonial ser indemnizado num mínimo de € 3.000,00.

Concluiu com os seguintes pedidos:

  1. Ser o Réu condenado a pagar à A. o capital e juros vencidos e garantidos que, nesta data, perfazem a quantia de 57.000,00€, bem como os juros vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento; Ou assim não se entendendo: b) Ser declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o R. invoque para ter aplicado os 50.000,00€ que a A. entregou ao R., em obrigações subordinadas SLN Rendimento Mais 2004; c) Ser declarado ineficaz em relação à A. a aplicação que o R. tenha feito desses montantes; d) Condenar-se o R. a restituir à A. 57.000,00€ que ainda não recebeu dos montantes que entregou ao R. e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral cumprimento; E, sempre, Ser o R. condenado a pagar à A. a quantia de €3.000,00, a título de dano não patrimonial; O Banco Réu contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação.

    1.2.-Realizada audiência de julgamento, foi proferida (22/3/2019) sentença que decidiu “Julga-se a presente acção procedente por provada e condena-se o Banco Réu a pagar à Autora a quantia a fixar em execução de sentença que corresponde ao investimento de € 50.000,00 menos o valor de juros recebidos pela Autora enquanto rendimento daquela aplicação financeira, absolvendo-se o Ré do demais peticionado”.

    1.3.- O Réu recorreu de apelação e a Relação do Porto, por acórdão de 10/10/2019, confirmou, sem voto de vencido, a sentença: “Pelo exposto o tribunal, não alterando a matéria de facto, julga a presente apelação improcedente por não provada e por via disso confirma a sentença recorrida.

    Custas da apelação a cargo da apelante (…)”.

    1.4. O Banco Réu recorreu de revista excepcional, que foi admitida, com as seguintes conclusões 1) O douto acórdão da Relação do Porto violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L.69/2004 de25/02 e daDirectiva2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

    2) A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado à Autora (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era uma produto sem risco e com capital garantido, não transmitindo a característica da subordinação ou a possibilidade de insolvência da emitente, configura a prestação de uma informação falsa.

    3) Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

    4) Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveria ter sido informado à A., sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso… 5) O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente, ou seja, corresponde ao chamado risco geral de incumprimento.

    6) A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se a todos, os contratos! 7) A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco! 8) A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente! 9) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido! 10) O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo sua obrigação assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

    11) A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

    12) O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas...

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