Acórdão nº 0755/19.9BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelPEDRO VERGUEIRO
Data da Resolução07 de Dezembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Processo n.º 755/19.9BELRS (Recurso Jurisdicional) Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 18-04-2022, que julgou procedente a pretensão deduzida por “VANGUARD ENERGY FUND” no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado o despacho do Director de Finanças Adjunto, da Direcção de Finanças de Lisboa, datado de 28 de Dezembro de 2018, mediante o qual foi indeferida a reclamação graciosa que teve por objecto as retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), que incidiram sobre os dividendos auferidos no território nacional, com referência aos períodos de tributação de Maio e Setembro de 2016, no valor total de € 823.537,40.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “ (…)

  1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que decidiu julgar procedente a impugnação judicial à margem identificada, deduzida na sequência da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra os atos de retenção na fonte de IRC, incidentes sobre dividendos que, nos meses de Maio e Setembro de 2016, foram auferidos pelo Recorrido em território nacional, por ter considerado que os mesmos padecem de vício de violação de lei, consubstanciado na violação da livre circulação de capitais, consagrada no art.º 63º do TFUE, e, consequentemente, do art.º 8º, nº 4 da CRP, que estatui o princípio do primado do direito comunitário sobre o direito nacional.

  2. A questão material que vem controvertida nos presentes autos de recurso, prende-se, pois, em determinar se a legislação portuguesa, na redação em vigor à data dos factos tributários, ao excluir de tributação os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a fundos de investimento mobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional (art.º 22º do EBF) e, por isso residentes em território nacional, mas sujeitando a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por essas mesmas sociedades a fundos de investimento mobiliário, que não tenham sido constituídos nem operem de acordo com a legislação nacional, e por isso não residentes, (in casu os Estados Unidos da América), configura uma restrição à livre circulação de capitais, não consentida pelo art.º 63º do TFUE.

  3. O TJUE já deixou expresso em múltiplos Acórdãos que, em abstrato, o regime de tributação dos diferentes Estados Membros pode tratar de forma diferente residentes e não residentes, sendo que a relevância está em averiguar se, em concreto, tal se traduz na aplicação de uma tributação efetiva mais elevada sobre os não residentes, pois, em caso contrário, o regime não é discriminatório, nem consequentemente contrário ao direito comunitário.

  4. Conforme afirmado por Paula Rosado Pereira, in Princípios do Direito Fiscal Internacional, Almedina, 2010, pp. 349 e ss, o Tribunal de Justiça assume, como ponto de partida que a situação de sujeitos passivos residentes e de não residentes “não é, em geral, comparável”, uma vez que, desde logo, quanto aos primeiros a tributação incide sobre a globalidade dos rendimentos auferidos (no Estado da residência), enquanto no caso dos segundos se limita aos rendimentos auferidos no Estado da fonte; assim, “no Caso Shumacker, o Tribunal de Justiça aceitou que o tratamento fiscal diferenciado de residentes e não residentes não é discriminatório, desde que uns e outros se encontrem em situações diferentes, o que sucede, por exemplo, por a maior parte do rendimento do não residente ser normalmente obtida no seu Estado de residência”.

    Continua a referida Autora, afirmando que “A análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça revela, assim, na perspectiva deste órgão, em termos genéricos, o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas CDT, é aceitável e não contraria as liberdades de circulação, nem consubstancia uma discriminação contrária aos Tratados Europeus, em virtude de os residentes e os não residentes não se encontrarem, em geral, em situações comparáveis, porque assentes numa diferença objectiva relevante entre sujeitos passivos.” E) O TFUE, no seu art.º 65º, admite que a proibição do estabelecimento de restrições aos movimentos de capitais não impede que um Estado-Membro defina um regime tributário diferente para os sujeitos que não se encontrem em idêntica situação, importando dessa forma determinar se estamos perante situações comparáveis, porquanto só existe discriminação quando o direito interno aplique regras diferentes a situações comparáveis ou sujeite situações diferentes a regime idêntico.

  5. A sentença recorrida fez uma explanação do regime de tributação, em sede de IRC, aplicável aos OIC residentes (constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional) e não residentes (constituídos ou a operar de acordo com outra legislação), tentando demonstrar que a exclusão de tributação dos dividendos, prevista no n.º 3, do art.º 22º do EBF, aplicável apenas aos primeiros, só por si, configura uma restrição à livre circulação de capitais por oposição aos art.ºs 63º e 65º do TFUE.

  6. Ora, entendendo-se que não cabe à AT, no presente âmbito, discutir as opções de política fiscal, sempre se dirá que qualquer regime fiscal aplicável a sujeitos passivos residentes é, normalmente, diferenciado do aplicável a não residentes, sem que, por isso, configure restrição às liberdades fundamentais previstas nas normas do TFUE ou colida com essas ou outras normas de direito fiscal internacional, nomeadamente, as CDT.

  7. A sentença sob recurso centrou-se apenas num único aspeto do regime fiscal em sede de IRC, a partir de 01/07/2015, aplicável aos OIC residentes, em comparação com os não residentes, sem tomar em consideração o regime fiscal de forma abrangente, consideração essa que lhe permitiria percecionar do tratamento não discriminatório do regime aplicável aos OIC não residentes. De acordo com o anterior regime legal a tributação dos rendimentos era levada a cabo nos OIC, surgindo como premissa do novo regime legal substituir o anterior regime de tributação “à entrada” por um regime de tributação “à saída”, na esfera dos investidores.

  8. E, conforme consta do Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro que: “O regime legal hoje aplicável, cujas bases fundamentais constam do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, caracteriza-se pela tributação das mais-valias realizadas e demais rendimentos auferidos pelo organismo de investimento coletivo, independentemente dos custos suportados com a respetiva obtenção, o que tem vindo a penalizar a captação de capital estrangeiro.

    Neste contexto, a Assembleia da República, por uma larga maioria, decidiu autorizar o Governo a rever o regime fiscal dos organismos de investimento coletivo, através da generalização do método de tributação «à saída», passando a tributar em Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas os rendimentos auferidos pelos investidores. Adotando uma das principais tendências internacionais, o presente decreto-lei estabelece um regime que permitirá a fácil comparabilidade do desempenho dos organismos de investimento coletivo nacionais com os internacionais, aumentando a facilidade de divulgação internacional dos organismos de investimento coletivo portugueses, promovendo-se assim a poupança a longo prazo e o investimento em ativos com maior espetro de rendibilidade (…)”.

  9. Contudo, mais resulta do Preâmbulo do citado diploma, nos termos que se transcrevem: “Por outro lado, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre o ativo global líquido dos organismos de investimento coletivo, recorrendo a um comparativo internacional.”.

  10. E, assim, não obstante os OIC residentes, constituídos e a operarem nos termos da legislação nacional, beneficiem da isenção de retenção na fonte plasmada no n.º 3, do art.º 22º do EBF, regime não aplicável aos não residentes, verificamos decorrer do regime legal instituído pelo Decreto-Lei n.º 7/2015 a introdução da tributação em sede do Imposto do Selo dos OIC residentes, decorrente da criação de uma taxa incidente sobre o ativo global líquido dos organismos de investimento coletivo, com recurso a um comparativo internacional.

  11. Deste modo, ainda que se encontrem isentos da retenção na fonte, nos termos decorrentes do n.º 3 do art.º 22º do EBF, os fundos residentes são tributados por via da aplicação de uma taxa fixa, por recurso a comparativo internacional, que incide sobre o ativo global líquido dos organismos de investimento coletivo. Já os fundos não residentes, considerando que a tributação é efetuada tendo por base unicamente os rendimentos percebidos no Estado da fonte, (Portugal no caso), se mostram excluídos de tal tributação, em sede de Imposto do Selo e por via da aplicação de taxa fixa.

  12. Ora, tal regime, assim configurado, remete-nos desde logo para duas situações não comparáveis entre si, porquanto apelam, cada uma delas, a um regime jurídico distinto em que o elemento de conexão residência se implica, por um lado, a não aplicação da dispensa de retenção, também implica, por outro, a não aplicação da tributação em sede de Imposto do Selo a que se encontram sujeitos todos os fundos de investimento residentes em território nacional e que sejam constituídos e operem de acordo com a legislação nacional.

  13. E a afirmação da ausência de comparabilidade entre a tributação dos fundos residentes e a tributação dos fundos não residentes no regime jurídico português resulta acrescida do regime fiscal da participation exemption, introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, nomeadamente, com a alteração dos n.ºs...

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