Acórdão nº 01289/18.4BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução07 de Dezembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional por A…………. LIMITED, melhor identificado nos autos, visando a revogação da sentença de 31-05-2022, do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou totalmente improcedente a impugnação que intentara das liquidações de imposto especial sobre o jogo online (IEJO), relativas ao exercício de Abril, Maio e Junho de 2018 e no valor global de € 2.742.031,97.

Inconformado, nas suas alegações, formulou o recorrente A………. LIMITED as seguintes conclusões: a) O presente recurso per saltum para o Supremo Tribunal Administrativo é interposto, nos termos e para os efeitos do n.º 1 in fine, do artigo 280.º do CPPT, contra a sentença proferida no processo de impugnação judicial que correu termos, junto da 1ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, sob o n.º 1289/18.4BELRS, nos termos da qual se julgou improcedente a Impugnação Judicial apresentada contra os atos de liquidação de IEJO, praticados pelo Turismo de Portugal, ao abrigo do RJO, por referência aos meses de Abril, Maio e Junho de 2018, no montante total de € 2.742.031,97; b) A Sentença Recorrida incorreu em erro sobre os pressupostos de direito, julgando legais os actos de liquidação praticados ao abrigo de normas que violam de forma clara os princípios da igualdade e da proporcionalidade, ambos com previsão constitucional; c) Ficou demonstrado, com efeito, nos presentes autos, que o legislador estabelece uma diferença entre jogos de fortuna e azar online, apostas hípicas online, apostas desportivas cruzadas online e apostas desportivas e hípicas à cota online, incidindo a tributação das três primeiras sobre a receita bruta da entidade exploradora ou sobre as comissões cobradas, e, nas duas últimas, sobre o montante das apostas efetuadas; d) Por outro lado, o legislador discrimina positivamente as apostas desportivas de base territorial promovidas pela SCM……., tributando-as à taxa de 4,5% (Verba 11.3 da Tabela Geral de Imposto de Selo), estando o imposto incluído no preço de venda da aposta, ao passo que sujeita as restantes apostas, designadamente, as apostas à cota online - aquelas que mais nos interessam no presente recurso — a taxas progressivas que vão de 8% a 16% que incidem sobre o montante total das apostas efetuadas; e) Verifica-se, pois, que o legislador optou por discriminar positivamente um certo tipo de apostas, nomeadamente, os jogos de fortuna e azar online, apostas hípicas online e apostas desportivas cruzadas online, em detrimento de outras, nas quais de incluem as apostas desportivas e hípicas à cota online; f) Com efeito, analisadas as diferentes modalidades de apostas online verifica-se que existe um favorecimento de um certo tipo de apostas em detrimento de outras, o que faz com que, sem qualquer fundamento, algumas entidades exploradoras sejam tributadas sobre a sua receita bruta, sendo, assim, apenas tributadas sobre a receita que efectivamente auferiram, e outras sejam tributadas sobre todos os montantes resultantes das apostas efectuadas pelos apostadores. Assim sendo, a ofensa da igualdade proporcional é evidente do cotejo do artigo 90.º, n.º 1, do RJO com o disposto no artigo 89.º, n.ºs 1 e 2, 90.º, n.º 7, 91.º, n.º 1, do RJO.

g) Ora, é sabido que o princípio constitucional da igualdade dos cidadãos perante a lei, consagrado no artigo 13.º da CRP, é um princípio estruturante do Estado de Direito Democrático e do sistema constitucional global, de conteúdo pluridimensional, que postula várias exigências, designadamente, a de obrigar a um tratamento igual de situações de facto iguais e a um tratamento desigual de situações de facto desiguais, não autorizando o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual de situações desiguais. Este princípio, na sua dimensão material ou substancial vincula, desde logo, o legislador ordinário; h) Acresce que, ainda que o critério subjacente à diferenciação introduzida seja, em si mesmo, constitucionalmente credenciado e racionalmente não infundado, a desigualdade justificada pela diferenciação de situações nem por isso se tornará "imune a um juízo de proporcionalidade" (cfr. Acórdão n.º 353/2012 do Tribunal Constitucional); i) A desigualdade do tratamento deverá, quanto à medida em que surge imposta, ser proporcional, quer às razões que justificam o tratamento desigual — não poderá ser "excessiva", do ponto de vista do desígnio prosseguido - quer à medida da diferença verificada existir entre o grupo dos destinatários da norma diferenciadora e o grupo daqueles que são excluídos dos seus efeitos ou âmbito de aplicação; j) De acordo com o sentido reiterado e uniforme da jurisprudência do Tribunal Constitucional, "só podem ser censuradas, com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que delas resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, percetíveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem" (acórdão n.º 47/2010); k) Sob tal perspetiva, a questão suscitada pela norma constante do artigo 90.º, n.º 1 do RJO, é a de saber se o tratamento concedido pelo legislador às apostas desportivas e hípicas à cota online, fazendo incidir a tributação sobre o montante das apostas efetuadas, corresponde a um tratamento proporcionalmente diferenciador do segmento atingido perante o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP; l) Mais concretamente, tratar-se-á de saber se a medida da diferença constitucionalmente tolerada se compadece com tratamento diferenciador levado a cabo pelo legislador ordinário. A igualdade proporcional só é aferível no contexto, pelo que há que atender ao conjunto diversificado de medidas, teleologicamente unificadas, que acompanham o tratamento de todas as matérias relacionadas com a tributação do jogo; m) Para além da maior expressão quantitativa do sacrifício a estas imposto (em confronto com o resultante do sacrifício imposto às entidades exploradoras de jogos de fortuna e azar online, apostas hípicas online, apostas desportivas cruzadas online, incidindo a tributação das três primeiras sobre a receita bruta da entidade exploradora ou sobre as comissões cobradas), constata-se, agora, que o legislador entretanto optou por abandonar a componente progressiva da tributação (cfr. artigo 378.º da Lei n.º 2/2020 que alterou o artigo 90.º do RJO), reconhecendo, assim, ainda que tacitamente, o seu erro e a desproporcionalidade da sua actuação; n) Ora, ainda que se entenda que existem diferenças entre os tipos de jogos explorados (jogos de fortuna e azar online, apostas hípicas online, apostas desportivas cruzadas online, apostas desportivas e hípicas à cota online e apostas desportivas de base territorial), a diferença não é de tal maneira significativa que leve a que algumas entidades exploradoras sejam tributadas sobre a sua receita bruta, sendo, assim, apenas tributadas sobre a receita que efetivamente aufiram, e outras sejam tributadas sobre todos os montantes resultantes das apostas efectuadas pelos apostadores. Para não falar da diferença significativa que existe entre estas entidades exploradoras e a SCM……, nas apostas desportivas de base territorial; o) Verifica-se, pois, através do cotejo do artigo 90.º, n.º 1, do RJO com o disposto no artigo 89.º, n.ºs 1 e 2, 90.º, n.º 7, 91.º, n.º 1, do RJO que estamos perante uma clara situação de arbítrio legislativo, concretizada através de uma diferenciação de tratamento irrazoável, ao qual falta, inequivocamente, apoio material e constitucional objectivo, pelo que deverá concluir-se que o n.º 1, do artigo 90.º, do RJO é violador do princípio da igualdade na sua dimensão de igualdade proporcional; p) Devendo este Alto Tribunal pronunciar-se sobre esta questão de inconstitucionalidade; q) Este tratamento discriminatório revela-se injustificado, não podendo ser encontrado apoio para o seu tratamento discriminatório no facto de estarmos, como se refere na sentença recorrida, perante finalidades extrafiscais.

r) Desde logo, porque as finalidades extrafiscais, presentes, designadamente, nos Impostos Especiais de Consumo, não justificam o confisco, o qual não ocorre nestes impostos.

s) Acrescente-se, ainda, que mesmo aceitando-se que o IEJO assenta em fundamentos extrafiscais, o princípio da igualdade e da proporcionalidade impossibilitam, em qualquer caso, o tratamento fiscal discriminatório e, no limite, confiscatório permitido pelo legislador e admitido pela sentença recorrida; t) Apesar de se ter fundado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 02224/13.1 BEPRT, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo não efectuou uma correcta apreciação do princípio da proporcionalidade no caso vertente, refugiando-se no entendimento, errado, de que as finalidades extrafiscais do IEJO justificavam a violação, flagrante, deste princípio; u) Como se escreveu, entre outros, nos acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 187/2001, de 2 de maio, e n.º 632/2008, de 23 de dezembro: "o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar -se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adotar -se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).", v) No que toca ao subprincípio da adequação, não há dúvidas de que a medida restritiva de direitos — a tributação do jogo, em...

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