Acórdão nº 02749/21.5BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Dezembro de 2022

Data07 Dezembro 2022
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO A…………., B………., C…………., D……….., E…………..

, com sede em Praceta …………., ………, 4425-……… Águas Santas, melhor identificado nos autos, intentaram no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF) o presente processo cautelar de suspensão da eficácia de norma, contra a COMISSÃO PARA O ACOMPANHAMENTO DOS AUXILIARES DE JUSTIÇA, com sede na Rua Braamcamp, nº 90 - 8º piso – 1250-052 Lisboa, doravante CAAJ, requerendo, entre o mais: “ser decretada a suspensão do Regulamento nº 1094/2020, de 18 de dezembro de 2020, e da deliberação da CAAJ, aparentemente aprovada a coberto “do OG.LIQ.INF.027/CAAJ/21”, de 26 de outubro de 2021, ao abrigo do disposto no artigo 112º, nº 2, al. a), conjugado com o artigo 130º, nº 1, do CPTA, desaplicando-se à requerente sociedade e aos requeridos singulares os limites máximos de números de processos estipulados através dos regulamentos suspendendos.

Alternativamente, caso o Tribunal qualifique a deliberação de 26 de outubro de 2021 como ato administrativo, deverá ser decretada a sua suspensão, ao abrigo do disposto no artigo 112º, nº 1, al. a), do CPTA”*Nos autos, foi pronunciado despacho em 24.03.2022, imediatamente antes da sentença proferida no TAF Porto, que indeferiu a prova testemunhal indicada pelos requerentes na petição inicial, com o seguinte teor: «Compulsados os autos, verifica-se que os Requerentes, requereram a produção de prova testemunhal indicada no seu articulado.

Contudo, dele não consta a alegação de factos com relevância para a decisão da causa que careçam da produção de prova testemunhal, apurando-se que as questões a decidir são fundamentalmente de direito e de apreciação do conjunto de documentos que foram já juntos aos autos.

Do disposto no art. 118º, nºs 3 e 5, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), decorre que o juiz pode, não só ordenar as diligências de prova que considere necessárias, mas também, mediante despacho fundamentado, recusar a utilização de meios de prova, quando considere assentes ou irrelevantes os factos sobre os quais eles recaem.

Pelo exposto, indefere-se a produção da prova testemunhal requerida, passando de imediato a proferir sentença, nos termos do disposto no artigo 119º do CPTA».

Deste despacho não foi interposto recurso jurisdicional.

*Por sentença proferida em 24 de Março de 2022, pelo TAF do Porto, foi julgado improcedente o presente processo cautelar de suspensão de eficácia do Regulamento nº 1094/2020, de 18 de Dezembro de 2020, e da deliberação da CAAJ, nº 74.OG182.P120/CAAJ/2021, de 02/06/2021.

*A CAAJ apelou para o TCA Norte, e este, por acórdão proferido a 23 de Junho de 2022, negou provimento ao recurso interposto e confirmou a decisão recorrida.

*Os requerentes/ora recorrentes interpuseram recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: «I.

O presente recurso de revista (ou subsidiariamente de uniformização de jurisprudência) vem interposto do acórdão que julgou improcedente o recurso da sentença que julgou improcedente o pedido cautelar.

Requisitos de admissibilidade do recurso de revista ou, subsidiariamente, de uniformização de jurisprudência II.

O presente recurso reveste de evidente relevância jurídica e social, exigindo a intervenção desse Supremo Tribunal, porquanto as questões jurídicas suscitadas – saber se há ou um pressuposto processual de reversibilidade de providências cautelares antecipatórias e se há ou não nulidade processual por omissão de despacho convite a aperfeiçoamento, em caso de insuficiência na alegação de factos que consubstanciam a causa de pedir cautelar – têm suscitado dúvidas na doutrina e jurisprudência e apresentam-se como aplicáveis em muitos outros processos.

III.

Caso se entenda não estarem reunidos os pressupostos de admissibilidade de recurso de revista, deverá ser o presente convolado em recurso de uniformização de jurisprudência, uma vez que o acórdão recorrido preconiza um entendimento sobre a provisoriedade de providências cautelares diametralmente oposto ao do acórdão fundamento.

Objeto do recurso IV.

O presente recurso incide sobre as nulidades em que enferma o acórdão recorrido e erros de julgamento de direito.

V.

As nulidades são três: falta de fundamentação, nulidade processual por violação do princípio do contraditório (decisão-surpresa) e omissão de pronúncia.

VI.

Falta de fundamentação, na parte em que não invocou nenhuma norma legal que sustente a decisão, na parte em que considerou que a providência cautelar de suspensão da deliberação de 02/06/2020 da CCAJ não poderia ser decretada porque se tornaria irreversível [cfr. artigos 615º, nº 1, al. b), e 666º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA].

VII.

Decisão surpresa, porque o Tribunal recorrido conheceu de exceção de falta de provisoriedade de providência cautelar, sem que antes tivesse dado oportunidade aos Recorrentes para se pronunciarem, o que configura uma nulidade processual do acórdão [cfr. artigos 3º, nº 3, e 195º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA].

VIII.

Omissão de pronúncia, porque o Tribunal recorrido não conheceu uma questão invocada pelos Recorrentes que tinha que ver com a confusão entre interesse em agir e periculum in mora, o que determina a nulidade do acórdão [cfr. artigos 615º, nº 1, al. d), e 666º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA].

IX.

Os erros de julgamento são os seguintes X.

Em primeiro lugar, é erro de julgamento o entendimento, do Tribunal a quo, de que a reversibilidade das providências cautelares antecipatórias é um pressuposto do respetivo decretamento, porquanto tal pressuposto não está previsto na lei.

XI.

Mais, a interpretação das normas de processo, nomeadamente do artigo 120.º e 112.º do CPTA no sentido em que seria inconstitucional por violação da tutela jurisdicional efetiva, consagrada no artigo 20º, nº 5, da Constituição.

XII.

Com efeito, negar a possibilidade de providências cautelares antecipatórias, ainda que com efeitos irreversíveis – quando estas fossem as únicas adequadas a assegurar a decisão final -, por via da exigência de um pressuposto irreversibilidade das providências a decretar, deixaria os titulares de direitos e interesses legalmente protegidos sem qualquer tutela jurisdicional efetiva, na vertente de garantia de “procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade”, consagrada no artigo 20.º, n.º 5, da Constituição.

XIII.

Se só pudessem ser decretadas providências reversíveis, os requeridos em processos cautelares estariam sempre numa posição de vantagem injustificada, o que, na prática, seria negar um processo equitativo aos requerentes, consagrado no artigo 20º, nº 4, da Constituição.

XIV.

Em concreto, os Recorridos obteriam uma vantagem processual iníqua face aos Recorrentes porque poderiam prevalecer-se de uma situação de facto consumado criada por uma deliberação ilegal, sem que os Recorrentes nada pudessem fazer ou esperar da Justiça.

XV.

E, por essa razão, o legislador não estipulou a reversibilidade das decisões como pressuposto ou afloramento da característica da provisoriedade, típica das providências cautelares.

XVI.

O acórdão recorrido também enferma de erro de julgamento, por ter confundido a causa de pedir constante do requerimento cautelar, que consistia em facto consumado e não em danos de difícil reparação.

XVII.

Verificando-se, no caso dos autos, um facto consumado, no esgotamento dos efeitos de uma das deliberações suspendendas durante o ano de 2022, o requisito periculum in mora teria de ter sido dado como provado e, consequentemente, deveria ter sido apreciado o fumus boni iuris (cfr. artigo 120.º, n.º 1, do CPTA).

XVIII.

Por fim, terceiro erro de julgamento, foi o que julgou improcedente a nulidade arguida pelos Recorrentes no recurso de apelação, relativa à omissão de despacho de aperfeiçoamento.

XIX.

Recorde-se, em primeiro lugar, que a fase dos articulados do processo cautelar administrativo prevê expressamente que o tribunal pode promover o suprimento de falta de indicação dos elementos enunciados no nº 3 do artigo 114º do CPTA (cfr. artigo 114º, nº 5, do CPTA), o que deverá ocorrer antes da prolação do despacho liminar (cfr. artigo 116º, nº 2, al. a), do CPTA).

XX.

No entanto, após a fase de articulados, ou seja, depois de juntas as oposições ou decorrido o respetivo prazo (cfr. artigo 118º, nº 1, do CPTA), a lei de processo administrativo é omissa quanto ao dever de gestão processual do juiz, tal como é omissa no processo cautelar cível.

XXI.

Assim, os tribunais cíveis superiores não têm hesitado em aplicar ao processo cautelar as disposições aplicáveis ao despacho pré-saneador, previstas no artigo 590º, nºs 3 e 4, do CPC, e que correspondem integralmente ao disposto no artigo 87º, nºs 2 e 3, do CPTA.

XXII.

Veja-se, neste sentido e a título de exemplo, em aplicação do artigo 590º, nº 4, do CPC, em processo cautelar: “o convite ao suprimento das insuficiências ou imprecisões, este convite, sendo incumbência do juiz, traduz um seu dever funcional, estando assim afastada quanto a ele qualquer discricionariedade do tribunal, ou seja, qualquer ponderação do seu exercício ou não exercício segundo critérios de oportunidade ou de conveniência”.

XXIII.

Consequentemente, “o relevo ou influência da omissão do despacho de convite ao aperfeiçoamento, só se materializa na sentença, na medida em que só nesta se considera decisiva para a decisão de improcedência a omissão ou incompletude de determinada factualidade, está em causa, não uma nulidade processual de per si, mas uma nulidade da decisão resultante da omissão daquele despacho (e por isso suscetível de sustentar a interposição de recurso), na medida em que nela foi dada relevância à deficiência do articulado e se julgou improcedente o pedido nele formulado precisamente com fundamento naquela deficiência”.

XXIV.

Desse modo, resulta clara a ratio essendi dessa imposição legal, qual seja a de que “nenhuma ação pode...

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