Acórdão nº 02064/21.4BEBRG de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução07 de Dezembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso para o Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte proferido no processo com o n.º 2064/21.4BEBRG 1. RELATÓRIO 1.1 O acima identificado Recorrente, não se conformando com o acórdão proferido em 31 de Março de 2022 nos presentes autos pelo Tribunal Central Administrativo Norte – que negou provimento ao recurso por ele interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que, por intempestividade do pedido, julgou improcedente a reclamação que intentou da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia proferida pelo órgão de execução fiscal no âmbito de processo de execução fiscal que, instaurado contra uma sociedade, reverteu contra ele, na qualidade de responsável subsidiário –, interpôs recurso de revista excepcional, nos termos do art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

1.2 Apresentou alegações, com conclusões do seguinte teor: «A. Por decisão de 31.03.2022, apenas notificada ao Recorrente em 04.04.2022, veio o Tribunal a quo considerar absolutamente improcedente o recurso interposto pelo Recorrente e dar abrigo à posição propugnada, equivocamente diga-se, pelo TAF de Braga em sede de pronúncia em primeira instância.

  1. Ora, não se conformando com teor do decisório, por entender que o mesmo lavra em manifesto erro na interpretação e aplicação do direito pertinente para a boa decisão da causa, C. Mas, também, por crer que a questão em causa se reveste de especiais repercussões sociais e jurídicas no que à sua decisão diz respeito, bem como se apresenta com especial apetência para produzir efeitos reprodutivos e a necessidade da sua apreciação poder vir a repetir-se em grande escala, D. Assim mostrando-se não só como pertinente a convocação de um terceiro grau de jurisdição junto do Supremo Tribunal Administrativo, mas como fundamental inclusivamente para uma melhor e mais coerente aplicação do quadro jurídico em causa e que o caso convoca, E. Ou seja, o caso reveste-se das necessárias características, atendendo ao facto da questão atinente thema decidendum extravasar o mero caso concreto, preenchedoras dos pressupostos de cuja verificação depende a admissão do recurso de revista, cfr. o disposto no art. 285.º do CPPT.

    Da Admissibilidade do Recurso de Revista F. É certo que, conforme resulta tanto da lei, da doutrina, como da jurisprudência, o recurso de revista, ainda que tratando-se de um recurso ordinário, reveste-se de carácter excepcional, não visando a introdução generalizada de uma nova instância de recurso, G. Antes tendo como fim, funcionar “como uma válvula de segurança do sistema”, que apenas deverá ser activada quando se estiver perante uma questão que, quer seja pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, quer seja pela clara necessidade deste recurso para uma melhor aplicação do direito, se mostre como extravasando o mero caso concreto.

  2. Ora, salvo melhor entendimento que não se discerne e atentando-se na questão em causa no presente dissídio, é este o caso nos presentes autos.

    I. Em causa está a interpretação do regime jurídico estatuído para o exercício do direito a pedir, e obter, a suspensão dos autos executivos fiscais com isenção da necessária prestação de garantia.

  3. Em concreto, está em causa saber se os prazos constantes do art. 170.º do CPPT, interpretados em conjunto com o disposto no n.º 4 do art. 52.º da LGT e com o previsto no caso do art. 169.º do CPPT, visam fixar o período dentro do qual a AT se encontra ainda destituída da possibilidade de fazer tramitar os autos executivos, designadamente, de proceder a penhoras, K. Ou se, por outro lado, e conforme parece ser o entendimento do Tribunal recorrido, fixam um prazo para o exercício do próprio direito a peticionar junto da AT essa isenção de prestação, findo o qual, independentemente do requerente preencher os requisitos materiais para a concessão dessa dispensa de prestação de garantia, o direito se encontra caduco.

    L. Ora, cabendo desde logo referir que, ao contrário do Tribunal recorrido, se discorda em absoluto com esta segunda tese, a questão apresenta-se-nos como cabendo em qualquer um dos casos previstos nos art. 285.º do CPPT como merecedores de uma pronúncia de fundo a proferir pelo Supremo Tribunal, M. Desde logo, porque em causa está uma situação de dúvida na interpretação e aplicação do regime jurídico em causa, veja-se que o regime jurídico da isenção de prestação de garantia encontra-se esparsamente previsto, com disposições autónomas e com, aparentemente, distintos pressupostos, na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, e dimana directamente do direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva, na medida em que apresenta-se como garante da conformidade com a obrigação do legislador prever meios processuais efectivos que tutelem as pretensões dos administrados.

  4. Pelo que, da interpretação do regime referente à dispensa de prestação de garantia como impondo um prazo preclusivo para a apresentação do pedido de dispensa de prestação de garantia, só poderá resultar uma restrição ao direito à tutela jurisdicional efectiva, no que à garantia da tutela cautelar diz respeito, de tal ordem que implicará, fatalmente, uma inconstitucionalidade material por violação dos arts. 20.º e n.º 4 do art. 268.º da CRP.

  5. Por outro lado, a questão em causa, referente à admissão generalizada de um prazo de caducidade para o exercício do direito a pedir a suspensão da execução fiscal com isenção de prestação de garantia, apresenta-se como produzindo uma repercussão social especialmente alargada, atendendo no enorme volume de dívida fiscal em execução no país, P. E na expectativa do seu crescimento, atendendo ao momento de crise vivido, o que acrescido do vulgar retardamento da administração na execução das diligências de penhora, mostra-se como uma questão com especial repercussão social, com um enorme exponencial de recorrência e repetição, atento o nível de litigiosidade decorrente da dívida acumulada e da enorme pendência de processos executivos nos serviços contenciosos do IGFSS, I.P.

  6. Por outro lado, e não com menor importância, importa referir a situação concreta da superveniência, na pendência do contencioso atinente à Oposição à execução, de um regime de prova mais favorável do que aquele que se encontrava em vigor à data da citação do Recorrente, nos termos da redacção do n.º 4 do art. 52.º da LGT dada pela Lei do Orçamento de Estado de 2017, Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, R. Como mais um factor que concorre para um quadro de repercussão social e jurídica sobre o qual importa obter uma pronúncia de cúpula da própria jurisdição tributária como forma de obter uma apreciação que possa servir a função orientadora na aplicação do direito, S. Na medida em que, do quadro em referência, se mostra claramente necessária a pronúncia do Supremo Tribunal Administrativo para uma melhor interpretação e aplicação do direito, designadamente, no que à sua interpretação sistemática e consentânea com a Constituição diz respeito.

    Da Manifesta Incorrecção do Acórdão Recorrido T. Interessa, por si, apreciar do mérito, no caso do erro, do juízo propugnado pelo Tribunal Central, quando, acolhendo o entendimento do Tribunal de ingresso, que entende estar previsto no art. 170.º do CPPT um prazo de caducidade que comina o seu transcurso com a impossibilidade do executado ver apreciado o pedido de isenção de prestação de garantia, ainda que preencha os demais pressupostos, estes de natureza material, previsto no n.º 4 do art. 52.º da LGT.

  7. Ora, tal aplicação do direito só poderá ser tida como padecendo de ilegalidade manifesta, seja porque desligada da própria letra da lei, seja porque a interpretação de onde decorre ignora a necessária interpretação sistemática e em conformidade com a disciplina constitucional, designadamente, no que ao direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva diz respeito.

    V. Cabe denotar, desde logo, que o legislador sempre que fez constar do art. 170.º do CPPT uma referência a qualquer prazo, fê-lo pela conjugação da 3.ª pessoa do presente do indicativo do verbo “dever” (deve), ou seja, utilizando pois, uma locução destituída de qualquer valor ou natureza cominatória que se possa ter como associada à referência à perda do direito a ver apreciado o pedido de isenção de prestação de garantia, não se retirando qualquer intento preceptivo do legislador que decorra do decurso do prazo em questão, bem pelo contrário.

  8. É precisamente essa inexistência de valor cominatório associado à perda do direito a peticionar a isenção de prestação de garantia, conforme previsto no n.º 4 do art. 52.º da LGT, que se deverá retirar da leitura conjugada e sistemática do disposto nos n.º 1 do art. 170.º do CPPT e do n.º 8 do art. 169.º do CPPT, que referem «Artigo 170.º Dispensa da prestação de garantia1- Quando a garantia possa ser dispensada nos termos previstos na lei, deve o executado requerer a dispensa ao órgão da execução fiscal no prazo de 15 dias a contar da apresentação de meio de reacção previsto no artigo anterior».

    e«Artigo 169.º Suspensão da execução. Garantias1- A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, a impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda, bem como durante os procedimentos de resolução de diferendos no quadro da Convenção de Arbitragem 90/436/CEE, de 23 de Julho, relativa à eliminação da dupla tributação em caso de correcção de lucros entre empresas associadas de diferentes Estados-Membros, ou de convenção para evitar a dupla tributação, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que deve ser informado no processo pelo funcionário competente.

    […] 8- Caso no prazo de 15 dias, a contar da...

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