Acórdão nº 228/22.2T8GMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelROS
Data da Resolução30 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães: RELATÓRIO AA veio instaurar recurso da decisão proferida em 22.6.2022 (ref. Citius ...) que julgou inepta a ação no que se reporta aos pedidos formulados em b) a e), da petição inicial, por falta de causa de pedir e contradição entre a causa de pedir e os pedidos.

Formulou as seguintes conclusões: “1º) Salvo melhor opinião e o devido respeito, não andou bem o Mmo. Juiz a quo, ao declarar, sem mais e nomeadamente sem ouvir qualquer prova, inepta no que concerne aos pedidos b) a e) a petição inicial, uma vez que a mesma não possui, salvo o devido respeito, qualquer ineptidão, devendo ter anteriormente formulado um convite ao aperfeiçoamento, o que não foi feito e foi decisivo na decisão da causa, o que configura uma nulidade.

  1. ) O Mmo. Juiz a quo, salvo o devido respeito, de forma inesperada, resolveu proferir sentença/saneador nos autos, sem mais, no que concerne aos pedidos b) a e) da petição inicial. Sem ouvir sequer qualquer tipo de prova e diga-se de novo, salvo o devido respeito, sem fundamento e sem qualquer convite ao aperfeiçoamento.

  2. ) Na sua petição inicial a Recorrente peticionou o seguinte, nas referidas alíneas a) a e).

    1. Se reconhecendo, decidindo e declarando que A. E Réu viveram em situação análoga á dos cônjuges, em regime de união de facto, por um período de 18 anos, com início em Setembro de 2002 e término em Novembro de 2019 na conformidade do alegado nesta petição inicial e com a abrangência da Lei nº 23/2010 de 30/08, e em consequência; b) Mais se reconhecendo, decidindo e declarando que todo o património existente, seja em nome da A., seja em nome do Réu ou sociedades por este constituídas e bens constantes não só do auto de arrolamento mas ainda os que se identificam nos artigos 17º, 34º, 35º, 36º e 37º, desta petição inicial, foi constituído, aumentado, construído e enriquecido com o esforço comum da A, que nele aplicou ou investiu todos os proventos, esforço e trabalho sempre na proporção de nunca menos de metade desse valor; c) Ser o Réu condenado a restituir à Autora 50% nos ditos imóveis, móveis, incluindo quotas societárias, dinheiro, veículos, que se encontrem na sua posse adquiridos durante a “união de facto” e/ou subsidiariamente, quando tal não seja possível uma vez que todos os bens, incluindo as sociedades e as respectivas quotas, os imóveis, os veículos deverão ser avaliados devendo igualmente ser apurados os valores das contas bancárias existentes, pelo que se irá requerer a final a notificação do Banco de Portugal, para o efeito; d) Ser o Réu condenado a ver relegado para liquidação em execução de sentença o apuramento do valor final desse património, sem prejuízo da fixação dos valores mínimos de alguns dos bens que constituem esse património se encontrarem fixados já nestes autos, devendo igualmente ser apurados os valores das contas bancárias existentes, e) Ser o Réu condenado a restituir á Autora a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença do apuramento de todos os bens e contas bancárias, por enriquecimento sem causa, com juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento.

  3. ) In casú o Mmo. Juiz a quo, refere na sua sentença/saneador que “(…) entende-se que se verificam as mesmas deficiências que lhe foram apontadas nas anteriores decisões (pese embora o afastamento do recurso á compropriedade) (…)”, ou seja o Mmo. Juiz a quo, sem sequer consultar os demais processos integralmente, conforme confessa, começa logo por referir que o atual processo apresenta os mesmos problemas dos anteriores, mas reconhece nesta primeira fase que foi afastado o recurso á compropriedade.

  4. ) Logo no inicio até refere e bem que a pretensão da Autora é a de que seja reconhecida como titular do direito ao enriquecimento sem causa correspondente a metade do valor dos bens adquiridos durante esse período temporal, salvo os que já se encontravam de facto em compropriedade nomeadamente os indicados nos artigos 8º, 16º, 24º e 34º (artigo que o Mmo. Juiz a quo omitiu no seu despacho saneador) e 41º todos da petição inicial, porque esses imóveis são de facto de ambos encontrando-se registados e tendo sido adquiridos em compropriedade, uma vez que ambos estiveram presentes e intervieram no ato aquisitivo, bastando para tanto verificar os documentos juntos com a petição inicial.

  5. ) No entanto, salvo o devido respeito, o Mmo. Juiz a quo, limita-se a invocar a existência de contradições, mas nunca sequer convidou a A., a aperfeiçoar a sua petição inicial, nem a esclarecer o que pretendia dizer com tal referencia á compropriedade, apesar de bem alegar que a mesma a afastou nos demais imóveis, o que configura uma nulidade.

  6. ) Os poderes de atuação do juiz previstos nos citados preceitos inscrevem-se claramente no âmbito do dever de gestão processual, consagrado no art. 6º do CPC, o qual, no seu nº 1 dispõe que “cumpre ao juiz, sem prejuízo do impulso processual especialmente imposto por lei às partes dirigir ativamente o processo (…) promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação (…)” 8º) Sobre esta matéria referem PAULO RAMOS DE FARIA / ANA LUÍSA LOUREIRO: “O convite ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada é agora uma incumbência do juiz, isto é, um seu dever. A intenção do legislador é clara: a ação ou a exceção não podem naufragar por insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada.(…) O juízo de manifesta improcedência continua a poder ser formulado; todavia, deve ele assentar numa estrutura narrativa suficiente e precisa apresentada pelo autor. O mesmo se diga dos fundamentos da defesa. Por exemplo, se o réu confirma os factos articulados pelo autor, limitando-se a invocar uma difficultas praestandi – e os factos que a revelam -, a matéria alegada é insuficiente para a obtenção do efeito pretendido, mas não estamos perante uma insuficiência de alegação. (…) O aperfeiçoamento da exposição dos factos articulados não se destina a prestar um serviço público de proteção da parte carenciada de assistência (judiciária), face a eventuais limitações do seu patrocínio forense. Não está aqui em causa garantir a igualdade substancial entre as partes (art. 4º) ou a equidade processual (em sentido estrito). O interesse perseguido pela lei e pelo órgão jurisdicional é aqui o interesse último do processo: a justa composição do litígio (arts. 6º, nº 1, 7º, nº 1, 411º). A exposição factual imperfeita permite uma decisão correta, suportando a parte as consequências da sua incapacidade de narração. Todavia, se a justiça pública existe para que aquele fim seja alcançado, então não se deve bastar com decisões apenas formalmente corretas, quando possa ir mais além. (…) O relato da relação material controvertida apresentado pela parte é suficiente quando é consequente, isto é, quando permite um raciocínio silogístico que leve à conclusão que apresenta - a condenação no pedido ou a procedência da exceção.

  7. ) O Juiz não está aqui na posição de julgador, justificando a sua intervenção na inconcludência do relato apresentado. Não lhe cabe convidar a parte a apresentar um relato de onde resulte a procedência da ação, como que sugerindo a apresentação de uma história melhor ou a invenção de uma.

  8. ) O Juiz está, sim, na posição do leitor - jurista, é certo - que, perante a descrição de um acontecimento, deteta uma lacuna, um salto na crónica. Esta falha narrativa pode ser patente, quando não permite compreender a concreta tessitura da relação material controvertida, mas também pode ser latente, quando a história aparenta estar completa, mas outros fatores levem o leitor jurista a concluir o contrário. A utilização de conceitos de direito ou conclusivos nos articulados, mais do que ser um problema de imprecisão na exposição dos factos, é um fator que permite ao leitor perceber que a história compreende algo mais do que aquilo que foi factualmente narrado. É um dos mais fortes indícios da insuficiência (latente) da articulação dos factos.” 11º) O dever de cooperação que é imposto ao tribunal tem de ser “levado a sério”: ou esse dever é exercido com a finalidade que está subjacente à sua consagração na lei ou então não passa de um dever cujo incumprimento não tem qualquer consequência – o que, naturalmente, não se pode admitir.

  9. ) Segundo o disposto no art. 590.º, n.º 2, al. b), e 3, nCPC, incumbe ao juiz providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, dirigindo o correspondente convite à parte. O juiz não tem, em todo e qualquer caso, de dirigir à parte o convite ao aperfeiçoamento do articulado. O acórdão em análise demonstra-o claramente: se, mesmo que se fosse formulado um convite ao autor para aperfeiçoar a sua petição inicial, a acção haveria de improceder, não pela falta de esclarecimento de um facto constitutivo, mas pela falta de um facto constitutivo integrante da causa de pedir, é claro que não tem sentido dirigir esse convite. Mesmo que houvesse convite e mesmo que o autor tivesse correspondido a esse convite, ainda assim continuavam a faltar, na opinião do STJ, factos essenciais para possibilitar a procedência da causa, pelo que sempre esse convite seria um acto inútil.

  10. ) O que o tribunal não pode é deixar de dirigir o convite ao aperfeiçoamento do articulado e, mais tarde (no despacho saneador ou na sentença final), considerar o pedido da parte improcedente precisamente pela falta do facto que a parte poderia ter alegado se tivesse sido convidada a aperfeiçoar o seu articulado.

  11. ) Admitir o contrário seria desconsiderar por completo o dever de cooperação do tribunal: afinal, mesmo que este dever não tivesse sido cumprido, o tribunal poderia decidir como se tivesse sido dirigido à parte um convite ao aperfeiçoamento do articulado.

  12. ) Resta concluir que, se o tribunal não convidar a parte a aperfeiçoar o seu articulado e, na decisão da causa...

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