Acórdão nº 1558/17.0T8LRA.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelFERANDO BAPTISTA
Data da Resolução30 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível I – RELATÓRIO AA e mulher BB, instauram a presente acção contra o BIC Banco Português SA, pedindo, a título principal, a condenação do réu: a) A pagar-lhes a quantia de €50.000,00, acrescido de juros vencidos à taxa de 4%, desde 07.05.2015 até efectivo e integral pagamento; Se assim não se entender, b) Que se declare nulo qualquer documento subscrito pelo A., bem como qualquer eventual contrato de adesão ou outro que o réu invoque para ter aplicado os €50.000,00 que os AA lhe entregaram, e por ele aplicado em Obrigações Subordinadas 2006; c) Ser declarado ineficaz em relação aos AA a aplicação que o R. tenha feito daquele montante; d) Condenar-se o Réu a restituir aos AA a quantia de €50.000,00, acrescida de juros legais contados desde 07.05.2015 até efectivo e integral pagamento; e) Em qualquer caso, o Réu condenado a pagar a cada um dos AA a quantia de €3.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Alegaram para tanto e em síntese: Os Autores eram clientes do Banco Português de Negócios S.A., na agência de ..., onde movimentavam a maioria das suas poupanças, tendo uma grande confiança nos funcionários da agência, nomeadamente na gerente, Dr.ª CC, a sua gestora de conta; No início de Junho de 2008, aquando de uma deslocação do Autor à agência do Banco BPN de ..., a referida gerente, Dr.ª CC, e a funcionária Dr.ª DD, transmitiram ao autor que tinham uma aplicação muito boa, com uma taxa de juros superior a 3%, em tudo igual a um depósito a prazo, com o capital garantido pelo Banco; Mais lhe transmitiram que o prazo da aplicação era até Maio de 2016, o valor da aplicação era de € 50.000 e que não corria qualquer risco; O Autor, que é uma pessoa humilde, com apenas a 4ª classe e sem conhecimentos que lhe permitissem analisar o tipo de produto que lhe fora proposto, confiou no Banco e através da referida gerente da delegação do Réu em ... e da referida funcionária, em 2 de junho de 2008, autorizou que o Banco procedesse à transferência de dinheiros que aí tinha a prazo para a conta à ordem e, posteriormente, ao débito da quantia de € 50.000 na sua conta, para aplicação naquele novo produto, o que o banco fez; Os Autores nunca viram qualquer especificação ou folheto informativo do referido produto, nem tal lhe foi explicado, vindo a tomar conhecimento, no verão de 2015, tratar-se de aplicações em uma obrigação SLN 2006 que se encontra depositada no Banco aqui Réu; No início de Setembro de 2015, foram surpreendidos com uma carta da Galilei (ex SLN), através da qual lhe dava conhecimento de que aquela empresa se havia submetido a um Processo Especial de Revitalização e a convidar o Autor para participar nas negociações, e que devia reclamar o seu crédito no âmbito daquele processo de revitalização da Galilei; Se tivessem tomado conhecimento que o produto que lhes foi apresentado não era de capital garantido, ou mesmo que apresentava algum risco, os AA jamais teriam autorizado tal aplicação; Nunca lhes foi explicado ou transmitido o que eram obrigações em concreto ou o que era a SLN 2006, que os autores nem sequer conheciam, pelo que nunca tiveram conhecimento real do produto onde foi aplicado o seu dinheiro; O Banco actuou de forma dolosa, omitindo e distorcendo todo o processo informativo daquele produto quanto à liquidez do capital e juros, porém garantiu o seu pagamento; O Banco Réu violou não só os principais deveres de informação, lealdade confiança e boa fé, como actuou de forma manifestamente dolosa e reprovável, enganando os autores no sentido de aplicarem o seu dinheiro num produto que não queriam, o que conseguiu; O Réu contestou, excepcionando a prescrição do direito dos AA, por há muito ter decorrido o prazo prescricional de dois anos do direito contra o intermediário financeiro, o abuso de direito por parte dos AA, na modalidade de venire contra factum proprium, por só agora, depois de anos a usufruírem de juros superiores aos dos depósitos a prazo, virem alegar que desconheciam a natureza do produto que subscreveram, e por impugnação contesta a acusação de ter omitido aos AA informação relevante para a subscrição das obrigações. Conclui pela improcedência da acção.

/// Instruídos os autos e realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente por não provada e absolveu o Réu dos pedidos.

* Inconformados, os AA apelaram, vindo a Relação de Coimbra, em acórdão, a “julgar procedente o recurso, revogar a sentença recorrida, e na procedência parcial da acção, condenar o Réu a pagar aos Autores a quantia de €50.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.”.

** Por sua vez inconformado, vem o Réu, BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., interpor recurso de revista, apresentando as respectivas alegações que remata com as seguintes CONCLUSÕES 1) A decisão recorrida, aliás, no seguimento da PI apresentada nos autos, funda-se na responsabilidade do Banco-R. enquanto intermediário financeiro, concretamente por violação dos deveres de informação ao cliente, na venda de instrumentos financeiros, concretamente de Obrigações SLN 2006.

2) O douto acórdão recorrido funda-se essencialmente num pressuposto, enganoso, ou enganado – e seria efectivamente relevante acaso fosse verdadeiro! -, a saber: que as Obrigações SLN 2006 era um produto de risco e que os AA. apenas contratariam um produto sem risco (como se existisse um tal especimen)! 3) Este pressupostos é falso, e não corresponde minimamente a qualquer facto provado, ou às características técnicas do instrumento financeiro em causa! 4) Diga-se mais que toda a lógica interna da douta decisão recorrida decorre desta afirmação.

Ora, 5) Não sendo um instrumento sujeito a negociação em mercado regulamentado, não estaria sujeito à volatilidade dos mercados ou a diferenças de cotação resultantes do valor das diferentes ordens para aquisição e venda dos títulos. Não sofreriam, pois, as Obrigações o chamado Risco de Capital! 6) Não entrevemos, nós, nem a decisão recorrida, à data, qualquer tipo de risco de liquidez, porquanto a procura superava em muito a oferta destes produtos – note-se que esta era a segunda emissão da SLN (depois da emissão de 2004) e à data já haveria outras duas emissões do próprio Banco, e em todas elas a procura superou, por muito a oferta – o que se manteve sempre mesmo depois do período de subscrição no chamado mercado de balcão! Esta simples circunstância tornava o risco de liquidez, à data, também inexistente! 7) Restaria, pois, o chamado risco de remuneração e de crédito – ou seja, o risco de incumprimento das obrigações de pagamento de juros e de reembolso no vencimento da Obrigação, fosse pela insolvência da entidade emitente ou por outra razão distinta - Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO! 8) Este risco existe em todo e qualquer contrato, sendo que qualquer tipo de vinculação jurídica tem como destino necessário uma de duas possibilidades: ou CUMPRIMENTO ou INCUMPRIMENTO! Ou seja, a possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos! 9) E este não é objecto de qualquer tipo de obrigatoriedade de advertência ou informação especial! 10) Sublinhe-se que não estamos aqui a discutir uma qualquer característica própria do instrumento financeiro, ou sequer uma qualquer insondável e complexa figura jurídica ou financeira – trata-se tão só de saber que sempre que contrato com alguém posso não ver cumprida a prestação de que sou credor! Por outro lado, 11) Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2014, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes! o juízo de avaliação do risco, da sua existência e relevância, tem ele próprio de ser um juízo de prognose póstuma! A verificação do evento em 2015 não pode conduzir por si só à sua previsibilidade ou probabilidade, ou sequer possibilidade efectiva, em 2006! Ora, 12) A SLN – entidade emitente - era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este. E o risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN. Sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia ao risco de solvabilidade do próprio Banco! 13) E não se invoque à discussão o Fundo de Garantia de Depósitos (FGD)como critério de atribuição de segurança aos ditos depósitos a prazo. É que se, por um lado, aquele FGD apenas cobria 25.000,00€ por conta até Dezembro de 2008, e, portanto, nunca cobriria o valor de 50.000,00€, correspondente a uma Obrigação, é verdade também, por outro lado, que nenhum cliente, e os AA. certamente, efectuava os seus depósitos fiado na garantia do FGD! 14) Tudo o que foi informado aos AA. era, à data, verdadeiro, actual, e até explicado aos AA.! Acresce que, 15) Aos factos será aplicável a redacção do CdVM anterior ao DL 357-A/2007, ainda que mesmo à luz da redacção actual, o Banco tem para si ter cumprido 16) O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

17) Quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o actual art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.

18) Ora, tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de...

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