Acórdão nº 2574/22.6T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelRUI MACHADO E MOURA
Data da Resolução24 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

P. 2574/22.6T8STB.E1 Acordam no Tribunal da Relação de Évora: (…) instaurou o presente processo especial para acordo de pagamentos, sendo que, como devedora, veio juntar aos autos o respectivo acordo de pagamento, o qual foi publicado no dia 29/8/2022, o que foi feito ao abrigo do disposto no artigo 222.º-F, n.º 2, do CIRE.

Conforme resulta de tal Plano (cfr. fls. 129 e seguintes – quadro resumo da votação), a proposta de acordo de pagamento da devedora obteve as percentagens de aprovação cumulativas de 73,94% e 72,86%, correspondentes às maiorias previstas na alínea b) do n.º 3 do artigo 222.º-F do CIRE.

Antes da publicação do referido Plano vieram os credores (…) e (…) pedir a sua não homologação ao abrigo do disposto no artigo 216.º, n.º 1, do CIRE.

Decorrido o prazo de votação, de 10 dias após a publicação do Plano, vieram os credores acima identificados pedir a sua não homologação (requerimento esse julgado intempestivo).

Em 7/9/2022, veio o Administrador Judicial Provisório juntar aos autos o resultado da votação, de acordo com o disposto no artigo 222.º-F, n.º 4, do CIRE.

De seguida, pelo Mmo. Juiz a quo foi proferida decisão, a qual sufragou o entendimento que o Plano junto aos autos não é aceitável, violando o princípio da igualdade entre credores, ocorrendo, por via disso, uma violação não negligenciável de norma aplicável ao conteúdo do Plano que impede a sua homologação, a saber do artigo 194.º do CIRE, pelo que, nos termos do artigo 215.º do CIRE, aplicável ex vi do artigo 222.º-F, n.º 5, do mesmo diploma, recusou a homologação do acordo de pagamento apresentado pela devedora e aprovado pela maioria dos seus credores.

Inconformada com tal decisão dela apelou a devedora, tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões: 1. A sentença, da qual ora se recorre, consubstancia erro sobre os factos, bem como uma errada interpretação e aplicação da Lei.

⎯ DO ERRO SOBRE OS FACTOS: 2. Contrariamente ao que foi considerado pelo Tribunal a quo, nenhum requerimento de não homologação do acordo de pagamento foi apresentado nos autos antes da respetiva publicação.

  1. Os requerimentos dos credores (…) e (…), de não homologação do acordo, foram apresentados em 7/9/2022 ou seja, depois da respetiva publicação e inclusivamente depois do respetivo prazo de votação.

  2. Os credores (…) e (…) optaram por aguardar pela junção aos autos do resultado da votação (o que ocorreu mediante requerimento do senhor Administrador de 07/09/2022, às 15h29) para decidirem requerer, então, a não homologação do acordo (o que fizeram mediante requerimentos de 07/09/2022, às 15h44 e às 16h00).

  3. Acontece que o legislador estabeleceu uma fase temporalmente delimitada para qualquer interessado poder solicitar a não homologação do acordo, a saber dentro do prazo de 10 dias da respetiva votação (cfr. artigo 222.º-F, n.º 2, do CIRE e, no mesmo sentido, cfr. ensinamento de Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda acima transcrito e cfr. excerto do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/10/2015, acima transcrito).

  4. Tendo os credores (…) e (…) requerido a não homologação do acordo depois de decorrido o respetivo prazo de votação, não pode senão concluir-se pela respetiva intempestividade.

  5. Portanto, nenhum requerimento de não homologação do acordo foi validamente apresentado ao abrigo do disposto nos artigo 222.º-F, n.º 2 e 216.º, n.º 1, do CIRE, nem admitido pelo Tribunal a quo, incluindo por parte dos credores (…) e (…).

  6. Não se ignora que conste dos autos um requerimento junto ainda no decurso da fase de negociações, nos termos do qual os referidos credores demonstravam ter apresentado uma contraproposta à Recorrente como condição de virem a votar favoravelmente o acordo final (cfr. requerimento dos credores … e … de 11/08/2022, constante dos autos), 9. Acontece que, tal requerimento nunca poderia equivaler a um requerimento de não homologação, para efeitos do disposto no artigo 216.º, n.º 1, do CIRE, de um acordo que, no caso, ainda se encontrava em negociações e, portanto, longe de estar fechado, sob pena de também tal requerimento se mostrar totalmente intempestivo e ainda desprovido de objeto.

  7. Logo, a consideração de requerimentos de não homologação que não existiram (alegadamente apresentados antes da publicação do acordo) ou intempestivos é, pois, especificamente um dos concretos pontos de facto que a Recorrente considera incorretamente julgados (cfr. artigo 640.º, n.º 1, alínea a), do CPC ex vi do artigo 17.º, n.º 1, do CIRE).

  8. O anúncio publicado em 26/08/2022 sobre a junção do acordo de pagamento aos autos (enquanto ponto de partida do decurso do prazo de votação de 10 dias), o requerimento do senhor Administrador Judicial Provisório de 07/09/2022 com o resultado da votação, bem como os requerimentos intempestivos dos referidos credores (…) e (…) de 07/09/2022 (em cujo formulário consta as respetivas datas de apresentação) em conjugação com a análise integrada dos autos (de onde resulta a ausência de qualquer outro requerimento de não homologação do acordo) impunham uma decisão, sobre o referido ponto de facto impugnado, diversa da recorrida (cfr. artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do CPC ex vi do artigo 17.º, n.º 1, do CIRE).

  9. A alteração da matéria de facto, ora requerida, assume decisiva relevância ao conduzir a uma decisão diversa, uma vez que levaria necessariamente à impossibilidade de o Tribunal a quo de recusar a homologação do acordo de pagamento com base na solicitação dos referidos credores (cfr. artigo 216.º, n.º 1, a contrario, do CIRE e artigo 640.º, n.º 1, alínea c), do CPC ex vi do artigo 17.º, n.º 1, do CIRE).

    ⎯ DA ERRADA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA LEI: 13. O Tribunal a quo errou ao julgar, ao abrigo do disposto no artigo 215.º do CIRE, verificada uma violação não negligenciável de norma aplicável ao conteúdo do acordo, no caso, relativa à igualdade entre credores.

  10. A interpretação e aplicação das normas aplicáveis ao PEAP deve estar em linha com o espírito do CIRE, que passa em primeiro lugar pela recuperação dos devedores em detrimento da sua insolvência, sendo certo que qualquer acordo de pagamento (quer pela natureza, quer pelas finalidades do próprio PEAP), não pode deixar de implicar uma ablação dos direitos dos credores (mediante, por exemplo, a redefinição de prazos de pagamento ou o perdão de parte da dívida), o que, por si só, não significa a ocorrência de violação de alguma norma aplicável ao conteúdo do acordo.

    ▪ Da NÃO violação do princípio da igualdade entre credores comuns: 15. Contrariamente ao julgado pelo Tribunal a quo, o tratamento dos credores comuns não consubstanciou nenhuma violação do princípio da igualdade entre credores, na medida em que o tratamento diferenciado dos créditos comuns do credor Banco (…), S.A. e do credor Banco, S.A. se encontra justificado por razões objetivas (cfr. artigo 194.º, n.º 1, do CIRE).

  11. Ainda que uma das razões mais claras para a diferenciação de credores consista na diferente classificação de créditos, há igualmente outras razões objetivas capazes de justificar a diferenciação de credores, inclusive da mesma categoria, tal como o grau hierárquico e/ou a ponderação de interesses entre interesses individuais e coletivos (cfr. ensinamento de Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda acima transcrito e cfr. excertos dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25/03/2014 e do Tribunal da Relação de Guimarães de 18/06/2016, acima transcritos).

  12. Importante é que as diferenciações entre credores inseridos na mesma classe não resultem de arbitrariedade, mas antes de circunstâncias claras e objetivas justificadoras de um tratamento diferenciado.

  13. No caso dos autos, todos os credores comuns foram tratados de forma igual (perdão de 50% de capital e juros e pagamento em 100 prestações mensais consecutivas).

  14. Sendo que a única exceção feita foi em relação aos referidos credores hipotecários (Banco …, S.A. e do Banco, S.A..), cujos créditos, efetivamente, receberam um tratamento diferenciado em relação aos demais credores, uma vez que os bancos em questão foram os que também concederam os créditos hipotecários / garantidos para a aquisição de habitação própria e permanente do agregado familiar (cfr. anexo IV, alíneas a) e b) do requerimento inicial da Recorrente de 19/04/2022, constante dos autos).

  15. Tanto o credor Banco (…), S.A. como o credor Banco, S.A. assumem, no conjunto dos credores, um lugar com significativo relevo social e público, tendo, nomeadamente, em conta o interesse público subjacente à...

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