Acórdão nº 058/10.4BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelJOAQUIM CONDESSO
Data da Resolução23 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO X RELATÓRIO X"LIPOR - SERVIÇO INTERMUNICIPALIZADO DE GESTÃO DE RESÍDUOS DO GRANDE PORTO, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso para uniformização de jurisprudência, ao abrigo do artº.284, do C.P.P.T., dirigido ao Pleno da Secção de Contencioso Tributário do S.T.A., visando o acórdão proferido pelo S.T.A.-2ª.Secção, no pretérito dia 12/01/2022 (cfr.fls.386 a 396 do processo físico), o qual concedeu provimento à apelação deduzida pela entidade ora recorrida, mais revogando a sentença apelada, oriunda do T.A.F. do Porto, que julgou procedente a impugnação intentada pelo ora apelante, tendo revogado o acto tributário objecto do processo, uma autoliquidação de I.R.C., relativa ao ano de 2006 e no valor a pagar de € 68.552,92.

O recorrente invoca oposição entre o acórdão recorrido, proferido pelo S.T.A.-2ª.Secção neste processo, e o aresto da Secção de Contencioso Tributário, igualmente deste Tribunal e Secção, proferido no proc.419/12.4BEPRT, datado de 15/07/2020 e já transitado em julgado (cfr.cópia junta a fls.472 a 482 do processo físico).

XPara sustentar a oposição entre o acórdão recorrido e o aresto fundamento, o recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.442 a 459-verso do processo físico), formulando as seguintes Conclusões: 1-O Acórdão recorrido encontra-se em oposição com o Acórdão proferido por este Venerando Tribunal nos autos do Processo n.º 419/12.4BEPRT (Acórdão Fundamento).

2-O Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento têm subjacente a mesma factualidade: os factos em causa em ambos os arestos respeitam à atividade desenvolvida pela Recorrente, mudando somente o exercício a que essa atividade respeita.

3-Acresce que os referidos Acórdãos tratam a mesma questão fundamental de direito – a interpretação da norma constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC e do conceito de atividade comercial que a mesma encerra – apreciando-a por referência a uma factualidade substancialmente idêntica.

4-Sendo certo, por um lado, que esta norma não sofreu qualquer alteração entre os exercícios por referência aos quais foi interpretada nos Acórdãos em análise (a saber, 2006 e 2011) e, por outro, que não existe jurisprudência consolidada do STA sobre a questão em apreço.

5-Finalmente, nos dois arestos ora em confronto, perfilha-se solução manifesta e expressamente oposta a propósito da interpretação da referida norma: no Acórdão Recorrido, o Tribunal entende que é irrelevante, para efeitos da aferição do caráter comercial de uma atividade, o destino a dar aos proveitos resultantes da mesma e a não distribuição de lucros; no Acórdão Fundamento, o Tribunal afirma expressamente o contrário – ou seja, que este fator é relevante.

6-Em suma, considerando o que ficou exposto, afigura-se notório que existe uma manifesta oposição entre o Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento, razão pela qual deve o presente recurso ser considerado admissível, 7-Sendo, ademais, manifesto que a interpretação do preceito em causa vertida no Processo n.º 419/12.4BEPRT é aquela que se mostra correta, e conforme ao espírito da lei.

8-Com efeito, desde logo, não poderá deixar de concluir-se que a finalidade de distribuição de lucros é um elemento caracterizador do conceito de atividade comercial, não podendo ser dele dissociada.

9-Por outro lado, importa ter em conta que na interpretação das leis, o intérprete não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (cfr. artigo 9.º do Código Civil).

10-Assim, o preceito em causa não poderá deixar de ser interpretado de acordo com a lógica sistemática do Código do IRC, o qual, em vários preceitos – como os artigos 10.º e 11.º do Código do IRC – que consagram isenções e que partilham a sua ratio, confere relevância ao destino dos resultados da atividade exercida.

11-Ora, da análise dos referidos preceitos conclui-se que o legislador pretendeu isentar de imposto entidades que levassem a cabo determinadas atividades – que o legislador entendeu que seriam de incentivar, atenta a sua vocação para satisfazer interesses públicos – contanto que os resultados desta atividade fossem (essencialmente) afetos à prossecução dessas atividades e não à acumulação de capital ou à distribuição de lucros.

12-Pela negativa: o legislador só pretendeu tributar os proveitos auferidos por estas entidades – dedicadas à prossecução de interesses públicos – relativamente aos seus proveitos que não fossem afetos à prossecução de interesses públicos.

13-Esta é também manifestamente a lógica subjacente à alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º: a ratio legis que subjaz à norma aponta no sentido de que as associações de municípios deverão usufruir da isenção de IRC, na medida em que exerçam exclusivamente atividades subordinadas à prossecução do interesse público.

14-Assim, também no quadro da aplicação deste preceito não poderá deixar de se ter em conta o destino dos proveitos auferidos, assim como a (in)existência de qualquer interesse direto ou indireto dos membros dos órgãos estatutários nos resultados da exploração das atividades em causa – a análise destas circunstâncias é imposta não só pela noção de atividade comercial, como pela ratio do preceito em apreço.

15-Impõe-se concluir que a análise jurídica efetuada pelo Tribunal no processo n.º 419/12.4BEPRT é a que se mostra conforme ao espírito da lei, devendo, por conseguinte, o entendimento neste preconizado prevalecer na resolução do litígio em causa nos presentes autos.

XFoi exarado despacho pelo Exº. Conselheiro Relator a admitir o recurso e a ordenar a notificação da entidade recorrida de todo o conteúdo das alegações produzidas pelo recorrente e para produzir contra-alegações (cfr.despacho exarado a fls.484 do processo físico).

XNão foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.

XO Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.490 e seg. do processo físico) no qual conclui pelo não conhecimento do mérito do presente recurso, dado não se encontrarem reunidos os pressupostos previstos na lei para o efeito.

XColhidos os vistos de todos os Exºs. Conselheiros Adjuntos, vêm os autos à conferência do Pleno da Secção para deliberação.

X FUNDAMENTAÇÃO X DE FACTO XDo acórdão recorrido, estruturado no âmbito dos presentes autos, consta provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.394 a 395-verso do processo físico): 1-A impugnante foi constituída pelos Municípios de Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa do Varzim, Vila do Conde e Valongo, através de escritura pública, a 12 de Novembro de 1982 como associação de municípios, tendo sido publicado o seu estatuto no Diário da República a 10 de Dezembro de 1982, tendo aquele sido alterado a 26 de Março de 2001 (DR III série no 284 de 10.12.1982 e no 130 de 5.6.2001).

2-É o seguinte o objecto da impugnante (cfr. art. 2º, dos estatutos referidos em 1.): 1 - A associação tem por objecto imediato a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados, e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infra-estruturas necessárias para o efeito.

2 - A associação pode ver ampliado aquele seu objecto imediato a vir a prosseguir quaisquer fins compreendidos nas atribuições dos municípios associados, com excepção daqueles que, pela sua natureza ou por disposição legal, devam ser exercidos directamente por eles.

3 - Pode ainda, a associação, por si ou associada a terceiros, dedicar-se:

  1. Ao tratamento de outros resíduos sólidos; b) Ao tratamento de resíduos industriais ou hospitalares; c) À exploração de actividades de natureza energética conexas com o seu objecto.

    4 - A associação desenvolverá a sua actividade na área dos municípios associados, por sua conta e risco, através de serviços próprios, como serviço...

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