Acórdão nº 0614/07.8BEVIS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelNUNO BASTOS
Data da Resolução23 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

Relatório Z…………, lda.

, com o número de identificação fiscal e de pessoa coletiva ………, com sede em ………, 3870 Torreira, interpôs recurso do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 14 de outubro de 2021, que negou provimento ao recurso da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial de atos de liquidação de imposto sobre o valor acrescentado de períodos de 2002 e dos correspondentes juros compensatórios, melhor identificados no introito da petição inicial, ao abrigo do disposto no artigo 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, invocando oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 15 de março de 2011, tirado no processo n.º 02899/09.

Com a interposição o recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões: «(…) 1. O presente recurso para uniformização de jurisprudência vem do Acórdão, proferido em 14/10/2021, pelo TCAN no âmbito do processo supra identificado, no qual foi decidido negar provimento ao recurso interposto pela ora Recorrente da Sentença, proferida pelo TAF de Aveiro em 30/05/2017.

  1. Por Acórdão proferido pelo STA em 07/04/2022, não foi admitido o recurso de revista interposto pela ora Recorrente do citado Acórdão proferido em 14/10/2021.

  2. No recurso que apresentou daquela Sentença proferida pelo TAF de Aveiro em 30/05/2017, a ora Recorrente, no que aqui interessa, alegou que, contrariamente ao que ali tinha sido decidido, a AT, estando convencida da impossibilidade de “comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável”, não podia ter optado (como efectivamente optou) por efectuar meras “correcções aritméticas” à referida matéria tributável, única e exclusivamente por causa do receio de uma alegada “caducidade do direito de liquidar os tributos”.

  3. No Acórdão objecto do presente recurso, na parte que ora interessa, vieram a ser desatendidas as alegações e conclusões apresentadas pela ora Recorrente, concluindo-se que a AT, quando confrontada com a verificação dos pressupostos de facto descritos na previsão das normas que determinam o recurso à avaliação indirecta da matéria tributável dos sujeitos passivos, pode “abster-se de aplicar métodos indiretos em face da proximidade do prazo de caducidade do direito à liquidação, aplicando apenas correções técnicas”, evitando assim a prática “de um ato inútil, respeitando o princípio da boa administração, consagrado no artigo 5.º do CPA, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea c), da LGT, segundo o qual a sua atuação deve pautar-se por critérios de eficiência e economicidade”, pelo que esse modo de actuação da AT é inteiramente legítimo.

  4. No citado Acórdão foi considerado que a AT, apesar de na acção inspectiva efectuada à Recorrente ter concluído ser “impossível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável”, tinha o poder/dever de, única e exclusivamente com base no alegado receio de se verificar a “caducidade do direito de liquidar os tributos”, proceder à avaliação da matéria tributável da Recorrente através do que qualificou como sendo “correcções meramente aritméticas”, em vez de avaliar essa matéria tributável através de métodos indirectos, como sucederia se não houvesse o alegado risco de “caducidade do direito de liquidar os tributos”.

  5. Quanto a essa matéria, foi proferido, pelo 2º Juízo da Secção de CT do TCAS, no âmbito do processo nº 02899/09, o Acórdão de 15/03/2011 (Acórdão fundamento), em que foi decidido que, afigurando-se inviável o recurso à avaliação directa da matéria tributável, a AT não goza “de qualquer margem de discricionariedade relativamente à opção do método (directo ou indirecto) de avaliação da matéria tributável”, devendo recorrer ao regime de avaliação indirecta, sob pena de, assim não acontecendo, ser coarctada ao contribuinte a possibilidade de reclamar da aplicação desse método e da respectiva quantificação da matéria tributável nos termos do artigo 91º da LGT.

  6. Assim, enquanto que no Acórdão objecto do presente recurso se decidiu que a AT, mesmo quando conclua que, num caso concreto (como o dos autos), se verificam os pressupostos de facto descritos na previsão das normas que determinam o recurso à avaliação indirecta da matéria tributável dos sujeitos passivos, pode “abster-se de aplicar métodos indiretos em face da proximidade do prazo de caducidade do direito à liquidação, aplicando apenas correções técnicas”, evitando assim a prática “de um ato inútil, respeitando o princípio da boa administração, consagrado no artigo 5.º do CPA, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea c), da LGT, segundo o qual a sua atuação deve pautar-se por critérios de eficiência e economicidade”, 8. No citado Acórdão fundamento foi decidido que, afigurando-se inviável o recurso à avaliação directa da matéria tributável, a AT não goza “de qualquer margem de discricionariedade relativamente à opção do método (directo ou indirecto) de avaliação da matéria tributável”, devendo recorrer ao regime de avaliação indirecta, sob pena de, assim não acontecendo, ser coarctada ao contribuinte a possibilidade de reclamar da aplicação desse método e da respectiva quantificação da matéria tributável nos termos do artigo 91º da LGT.

  7. Ao decidir da forma acima mencionada, o Acórdão objecto do presente recurso enferma de erro crasso na aplicação do direito, por violação do princípio da legalidade constitucional e legalmente consagrado (cfr. arts. 266º-2 da CRP, 55º da LGT e 3º do CPA, aplicável ex vi da norma do art. 2º/c da LGT, e 8º-2 da LGT), carecendo de todo e qualquer fundamento a postergação desse princípio da legalidade em prol do que, nesse mesmo Acórdão, se alega ser dever de a AT pautar a sua actuação “por critérios de eficiência e economicidade”, sendo certo que esses critérios também são violados quando a AT não actua em conformidade com aquele princípio da legalidade.

  8. Actuando a AT no âmbito e no uso de poderes estritamente vinculados pelo princípio da legalidade (cfr. art. 266º-2 da CRP, 55º da LGT e 3º do CPA), não dispunha de qualquer discricionariedade ou de qualquer margem de livre apreciação para, depois de ter concluído ser “impossível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável” da Recorrente no exercício de 2002 (tal como relativamente aos exercícios de 2003 e 2004), determinar o recurso à avaliação directa da matéria tributável, e muito menos de quaisquer poderes arbitrários no uso dos quais pudesse fazer tal opção.

  9. A única decisão que, perante a lei, se afigurava válida, era a de a AT proceder à determinação da matéria tributável da ora Recorrente através do recurso a métodos indirectos; ou, se, como refere, considerava que, recorrendo a esses métodos indirectos, já não conseguiria efectuar as liquidações impugnadas antes de ter caducado o direito à liquidação, abster-se de fazer essas mesmas liquidações, em cumprimento dos critérios de eficiência e economicidade que devem reger a sua actividade.

  10. Fazendo uso de uma inadmissível arbitrariedade quanto à opção dos métodos a aplicar para determinação da matéria tributável da Recorrente, e única e exclusivamente por causa do receio de uma alegada “caducidade do direito de liquidar os tributos”, a AT decidiu proceder à avaliação da matéria tributável da ora Recorrente através do que qualificou como “correcções meramente aritméticas”, com o que violou o princípio da legalidade constitucionalmente e legalmente consagrado, designadamente, nos arts. 266º-2 da CRP, 55º da LGT e 3º do CPA, este último aplicável ex vi da norma do art. 2º/c da LGT.

  11. Tal actuação consubstanciou uma intolerável diminuição das garantias procedimentais da ora Recorrente, desde logo, a de poder pedir a revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos, bem como a de, no procedimento previsto nos arts. 91º e ss. da LGT, o perito por ela nomeado poder debater com o perito da administração tributária, com ou sem a participação de perito independente, as respectivas correcções quantitativas, que eram as únicas que a mesma AT poderia legalmente ter efectuado, se, em cumprimento do princípio da legalidade a que está vinculada toda a sua...

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