Acórdão nº 0664/19.1BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelANA PAULA PORTELA
Data da Resolução24 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Relatório 1.

O MUNICÍPIO DE CASCAIS e A EMPRESA B............, S.A. vêm, em separado, interpor recurso jurisdicional de revista para este STA, nos termos do art. 150º CPTA, do acórdão do TCAS, de 05.05.2022 que negou provimento aos recursos que haviam interposto da sentença, proferida em 19.03.2021, pelo TAC de Lisboa – no âmbito da ação de contencioso pré-contratual relativa ao Concurso Público de Transporte Rodoviário Regular de Passageiros no Concelho de Cascais, intentada por A…………, LDA. contra o Município e contrainteressada a Empresa B............

, ora Recorrentes, que julgou a ação procedente e, em consequência, anulou «o ato de adjudicação praticado no âmbito do Concurso Público de Prestação do Serviço Público de Transporte Rodoviário Regular de Passageiros no concelho de Cascais…[bem como anulou] o contrato celebrado entre a Entidade Demandada e a Contrainteressada … [condenando] a Entidade Demandada a praticar novo ato de adjudicação, mediante o qual adjudique a proposta apresentada pela Autora ao Concurso Público de Prestação do Serviço Público de Transporte Rodoviário Regular de Passageiros no concelho de Cascais … [condenando ainda] a Entidade Demandada e a Contrainteressada em custas processuais.».

  1. Foi proferido no TCAS o Despacho de 27.06.2022, que sustentou o acórdão recorrido, julgando improcedente a reclamação deduzida pelo Município de Cascais, com fundamento na inexistência da suscitada nulidade por total falta de fundamentação do acórdão recorrido e admitiu os recursos sub judice.

  2. O MUNICÍPIO DE CASCAIS conclui as suas alegações da seguinte forma: “ (...) K) O presente recurso de revista tem como objeto (i) o erro de julgamento quanto à aplicação dos princípios da contratação pública na decisão de admissão de uma proposta quando o caderno de encargos suscite dúvidas, pretendendo-se que esse Supremo Tribunal esclareça o que deve a entidade adjudicante fazer perante incertezas interpretativas do caderno de encargos e uma proposta que acolhe uma interpretação admissível e razoável do mesmo à luz do conjunto dos elementos disponíveis, desde logo porque «razoável à luz do elemento literal».

    L) E tem ainda como objeto (ii) o erro de julgamento na aplicação dos critérios do artigo 283.º, n.º 4, do CCP, em especial a questão da relevância do vício e do julgamento desta questão com base em presunções (bem como, quanto a esta matéria, nulidade por falta de fundamentação, à cautela já arguida junto do Tribunal a quo, conforme se verá), e a questão das consequências do prévio levantamento do efeito suspensivo na decisão sobre o afastamento do efeito anulatório.(...) IV.3. Do recurso IV.3.a. Do contributo dos princípios da contratação pública para uma correta interpretação das cláusulas dos cadernos de encargos X) O princípio da boa-fé, na vertente de tutela da confiança e os princípios da igualdade e da concorrência, e o princípio do favor do procedimento determinam o dever de admissão de todas as propostas que se conformem com uma interpretação admissível e razoável do caderno de encargos, sempre que este suscite dúvida e permita várias interpretações.

    Y) A exigência vertida na cláusula 4.2 do caderno de encargos e acima citada é suscetível de criar dúvidas ao intérprete.

    Z) Essas dúvidas surgem, desde logo, como se disse acima: (i) por um lado, da circunstância de o requisito 2+1 sugerir a existência de um corredor que, no léxico comum, é identificado como uma zona de passagem (ou seja, que admite uma interpretação em que a última fila não tem de ter corredor, precisamente porque este não leva a lado nenhum); e, (ii) por outro, e no que diz respeito ao lugar para cadeira de rodas, como se demonstrou, da circunstância de existir um quadro legal (como se viu) que legitima um entendimento segundo o qual os lugares para cadeira de rodas não têm de estar exclusivamente reservados para o efeito.

    AA) Em face das dúvidas suscitadas impõem os princípios da contratação pública - que são, na verdade, princípios gerais de direito administrativo - que se admita qualquer proposta que tenha uma interpretação admissível e razoável do caderno de encargos, pelo que andou bem a entidade adjudicante quando admitiu a proposta da Empresa B............, S.A.

    BB) Também um cânone interpretativo in dubio pro libertate milita no sentido proposto.

    CC) Uma interpretação normativa, como aquela a que procedeu o Tribunal a quo, do artigo 10º, n.º 2, alínea b) e do artigo 146.º, n.º 2, alínea o), do CCP segundo a qual, em caso de dúvida quanto à conformidade de uma proposta com o caderno de encargos, deve a proposta ser excluída é inconstitucional, por violação dos princípios fundamentais da atuação administrativa, vertidos no artigo 266.º, n.ºs 1 e 2 Constituição da República Portuguesa.

    DD) Deve, por isso, o Acórdão do Tribunal a quo ser revogado, por erro de julgamento, e substituído por outro, que decida pela validade do ato de adjudicação praticado no procedimento n.º 893/DCOP/2018 - Concurso Público de Prestação de Serviço Público de Transporte Rodoviário Regular de Passageiros no Concelho de Cascais.

    IV.3.b. Da nulidade na aplicação do artigo 283.º, n.º 4 EE) O Tribunal a quo não afasta o efeito anulatório do contrato, com base no artigo 283.º, n.º 4, por (i) entender que o vício gerador da invalidade é fundado em ofensa grave; e (ii) se impor particular cautela no levantamento na aplicação do artigo 283.º, n.º 4, do CCP nos casos em que tenha ocorrido levantamento do efeito suspensivo.

    FF) Tendo entendido manter a Sentença que anulara o ato de adjudicação à Empresa B............, S.A. por considerar haver uma violação do caderno de encargos, ao fazer a ponderação prevista no n.º 4 do artigo 283.º do Código dos Contratos (“CCP”), sobre o eventual afastamento do efeito anulatório, o Acórdão recorrido entende estarmos «perante uma ilegalidade que não é de somenos importância, tanto mais que afeta o conteúdo material da proposta e que tem um impacto financeiro significativo no contrato celebrado» (destaque nosso), sendo essa consideração decisiva para não afastar o efeito anulatório.

    GG) Essa decisão padece de falta de fundamentação de facto, o que determina a nulidade do Acórdão nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC.

    HH) Nem sequer houve contraditório relativamente a esta questão, que se acabou por revelar central na decisão de não afastamento do efeito anulatório, uma vez que tal facto apena foi alegado nas contra-alegações de recurso.

    II) Sempre se dirá por isso que qualquer interpretação dos artigos 283.º, n.º 4, do CCP e do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC no sentido de que, para efeitos do juízo a fazer, o Tribunal pode atender a factos não sujeitos ao contraditório sempre será inconstitucional, por violação das exigências constitucionais de acesso à justiça e de respeito pela tutela jurisdicional efetiva, constante do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, o que desde já se alega.

    JJ) O «impacto financeiro» não constitui um facto público e notório, uma vez que a configuração do autocarro e o número de lugares sentados, fixos ou rebatíveis, nada permitem concluir a um não perito quanto ao seu custo.

    KK) Não estando assim perante um facto que dispense prova, e não podendo o «impacto financeiro» ser presumido apenas porque a A…………, Lda. o alegou, se o Tribunal entendia que se tratava de um facto novo relevante, não tinha outra opção que não fosse, nos termos previstos no artigo 662.º, n.º 1, alínea c), do CPC, anular a sentença recorrida, fazer baixar o processo para ampliar a matéria de facto e, para que nesse sede, o mesmo fosse sujeito a prova (sendo que, nos termos do n.º 3, da mesma disposição «se for determinada a ampliação da matéria de facto, a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições»), LL) Quando a lei comina com a nulidade a não especificação dos «fundamentos de facto e de direito», temos de ter em conta o exigido nos n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º. Os fundamentos de facto, são precisamente compostos pelos factos objeto de decisão de provado ou não provado e a respetiva motivação, mediante análise crítica da prova.

    MM) No Acórdão recorrido, relativamente ao tema que nos ocupa, simplesmente não há fundamentação de facto, há uma conclusão, uma decisão, que prescinde totalmente da enunciação de factos provados, o que resulta na respetiva nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, que expressa e imediatamente se argui.

    NN) Deve, em consequência, o Acórdão recorrido ser anulado e substituído por outro, que determine descida dos autos para produção de prova quanto à alegação do facto: «a ilegalidade da proposta da Empresa B............, S.A. permite- lhe uma poupança de cerca de 20% por minibus, o que tem um impacto muito sensível na proposta de preço a apresentar pelo operador».

    IV.3.C. Do erro de julgamento quanto à aplicação do artigo 283.º, n.º 4.

    OO) Além da nulidade do Acórdão recorrido por falta de fundamentação de facto - e para que se remete é evidente que a tese sufragada pelo Tribunal a quo relativamente à gravidade da ofensa geradora do vício sempre será de rejeitar, porque fundada num pressuposto que não se pode ter por verificado: o de que o alegado vício da proposta da Empresa B............, S.A., ora Contrainteressada, teve impacto no preço proposto.

    PP) Deve o Supremo Tribunal Administrativo reconhecer que há um erro de julgamento grave, que o Tribunal de recurso não pode presumir factos alegados por uma das partes sem contraditório e sem produzir prova, dando-se aqui por reproduzido o que se alegou a propósito da nulidade desta decisão.

    QQ) Aliás, repete-se: qualquer interpretação dos artigos 283.º, n.º 4, do CCP e do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC no sentido de que, para efeitos do juízo a fazer, o Tribunal pode atender a factos não sujeitos ao contraditório sempre será...

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