Acórdão nº 0177/22.4BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelFONSECA DA PAZ
Data da Resolução24 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO: 1.

MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, inconformado com o acórdão do TCA-SUL que concedeu parcial provimento ao recurso que A…… interpusera da sentença do TAC de Lisboa que julgara improcedente a acção administrativa por este intentada, dele recorreu, para este STA, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões: "1ª Resulta evidente que o Tribunal a quo na sua ponderação e julgamento do caso sub judice não teve em atenção o quadro legal atinente aos critérios e mecanismos de determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional apresentado por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida.

2ª Vejamos então, 3ª O ora recorrido, em 06 de Setembro de 2021, apresentou no Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, pedido de proteção às autoridades portuguesas.

4ª Com base nas declarações, a que se refere o nº 6 do art.º 5º do Regulamento Dublin, foi ouvido em Auto aos 17/09/2021, mediante realização de entrevista e relatório, (cf. Págs. 19 a 27 do PA e entregue em 02/10/2021) e, após consulta do sistema EURODAC, sido confirmado o pedido de proteção internacional apresentado anteriormente em França.

5ª De referir que resulta expresso no auto de declarações que o ora recorrido entrou em França no dia 09 de julho de 2018, onde solicitou proteção internacional, tendo referido em detalhe que “Da Nigéria fui para o Níger e Líbia. Depois da Líbia fui para Itália, de barco, onde cheguei em 2015, pedi proteção e lá permaneci 2 anos. Depois da Itália fui para França, pedi proteção e lá fiquei até vir para Portugal. Vim para Portugal de autocarro e comboio.” 6ª Procedeu-se, pois, à determinação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional, procedimento regido pelo art.º 36º e ss. da Lei nº 27/2008, de 30/06 (Lei de Asilo), tendo, no âmbito do mesmo sido apresentado, aos 14/10/2021, pedido de retoma a cargo às autoridades francesas, de harmonia com o art.º 18º nº 1 al. d) do Regulamento Dublin.

7ª Aos 29/10/2021, as autoridades francesas, expressa e inequivocamente aceitaram o pedido de retoma a cargo do (a) cidadão (ã), ao abrigo do artigo 18 nº 1 d) do Regulamento (UE) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de junho (Regulamento Dublin), cfr. fls. 56 e ss do PA.

8ª Obedecendo aos trâmites legais impostos quer pelo regulamento, quer pela lei de Asilo em vigor, a entidade demandada Recorrente (SEF), em conformidade, proferiu Decisão (vinculada), considerando o pedido inadmissível nos termos dos artigos 19º- A, nº 1 a) e 37º nº 2 da citada lei, determinando a transferência do ora requerido para França, Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo nos termos do citado regulamento.

9ª “Estamos, portanto, perante um ato estritamente vinculado, sendo que a validade dos atos praticados no exercício de poderes vinculados tem de ser feito em função dos pressupostos de facto e de direito fixados por lei, ou seja, pela confrontação da factualidade dada como provada com a consequência jurídica imediatamente derivada da lei” (cf. Acórdão do TCA SUL de 19/10/2012, proc. Nº 08319/11).

10ª Com a devida vénia, afigura-se ao recorrente que o Acórdão, ora objeto de recurso, carece de fundamentação legal, porquanto não logrou fazer a melhor interpretação do regime que regula os critérios de determinação do estado membro responsável, em conformidade com o Regulamento (UE) que o hospeda.

11ª Estatui a al. a) do nº 1 do art.º 19º-A da Lei 27/2008, de 30 de Junho que “O pedido é considerado inadmissível, quando se verifique que está sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previsto no capítulo IV”.

12ª Sob a epígrafe «Procedimento especial de determinação do estado responsável pela análise do pedido de proteção internacional», o capítulo IV estabelece no artigo 36º que “quando haja lugar à determinação do estado responsável pela análise de um pedido de proteção internacional é organizado um procedimento especial regulado no presente capítulo”.

13ª Quer isto dizer que, recebido o pedido de Proteção Internacional e verificado que, nos termos do nº 1 do art.º 37º, “a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional pertence a outro Estado membro” as autoridades portuguesas, em conformidade com o legalmente estabelecido, iniciam um “procedimento especial”, de acordo com o previsto no Regulamento (UE) nº 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho.

14ª Ou seja, a tramitação do procedimento de determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional obedece a regras de procedimento diferente, que são as estabelecidas pelo Regulamento (UE) nº 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho (Regulamento Dublin).

15ª Assim, e no que toca à questão da existência de eventuais falhas sistémicas nos procedimentos de receção dos pedidos de proteção internacional por parte das autoridades francesas, esteve mal o douto Tribunal na sua apreciação.

16ª Estabelece o art.º 3º nº 2, do Regulamento Dublin o seguinte: “Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo a nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável.” 16ª Estabelece o art.º 17º nº 1 do Regulamento de Dublin, que “Em derrogação do art.º 3º nº 1, cada Estado-Membro pode decidir analisar um pedido de proteção internacional que lhe seja apresentado por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, mesmo que essa análise não seja da sua competência por força dos critérios definidos no presente regulamento.” 17ª E nos termos do art.º 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (DFUE) “Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas desumanos ou degradantes.” 18ª Ora, quer no tocante ao sistema de análise dos pedidos de asilo da França, quer nos elementos constantes nos autos, inexistem quaisquer indícios que permitam concluir pela existência de falhas sistémicas no procedimento de Asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes, que impliquem um risco de tratamento desumano ou degradante, ou que dadas as particulares condições do requerente a transferência implique um risco sério e verosímil de exposição a um tratamento contrário ao art.º 4º da CDFUE, nem risco objetivo (direto ou indireto) de reenvio para o país de origem, para que Portugal não proferisse a decisão de transferência ora impugnada, motivos esses que o requerente não invocou quando efetuou pedido de proteção internacional.

19ª Para melhor corroborar a posição do ora recorrente vejamos a argumentação do TACL no Processo 471/19.1BELSB, a qual desde já subscrevemos: “Em conformidade com a confiança mútua entre os Estados Membros no âmbito do SECA., existe uma forte presunção e no que as condições materiais de acolhimento oferecidas aos requerentes de proteção internacional nos Estados-membros serão adequadas, com respeito pelo Direito da União e pelos direitos fundamentais. Neste sentido, vejam-se as considerações expendidas no Acórdão do Tribunal de Justiça, de 21/12/2011, proferido nos processos apensos nºs C-411/10 e C-493/10.

Entendimento que foi vincado muito recentemente pelo TJUE em acórdão de 19/03/2019, proferido nos apensos C-297/17, C-318/17, C-319/17 e C-438/17, (…) E não poderia ser de outra forma, sob pena de o Sistema Europeu Comum de Asilo se tornar num “Asylum Shopping”, em que o requerente de asilo apresenta pedidos de proteção internacional em mais do que um Estado-Membro ou escolhe o Estado-Membro onde pretende ver o seu pedido apreciado em detrimento de outros, com fundamento nas condições de receção ou de assistência social que cada estado-membro tem para oferecer (optando pelo estado membro que ofereça melhores condições). Não é este, o escopo da concessão de proteção internacional às pessoas que, legitimamente procurem a proteção da União.

Sublinhe-se que, sem prejuízo, como não poderia deixar de ser, da aplicação integral da Convenção de Genebra de 1951, completada pelo Protocolo de Nova Iorque de 31 de Janeiro de 1967, a qual assegura que ninguém será enviado para onde possa ser novamente alvo de perseguições ou de maus-tratos e ofensas o Regulamento (UE) nº 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho de 2013, criou critérios objetivos e qualificativos quanto à determinação do Estado-Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional, assegurando, por conseguinte, a igualdade de tratamento de todos os requerentes e beneficiários de proteção internacional.

No caso dos autos, e atenta a factualidade provada, inexistem sequer indícios da existência de razões sérias para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes de proteção Internacional em Itália, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante, nos termos e na aceção acolhida pelo TJUE e à qual se faz referência supra.

Veja-se que, quando o Requerente foi informado de que a responsabilidade para a decisão do pedido de proteção internacional por si formulado competia à Itália, uma vez que o Autor havia apresentado lá um pedido antes do pedido apresentado em Portugal, este limita-se a dizer que não regressar à Itália, uma vez que lá sentia como se estivesse numa prisão, nada mais tendo alegado, concretizado ou demonstrado, mormente quanto ao...

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