Acórdão nº 1342/22.0T8CSC.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelJORGE LEAL
Data da Resolução24 de Novembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa I.

RELATÓRIO 1. Em 18.4.2022 CA instaurou no Juízo Local Cível de Cascais ação especial de divisão de coisa comum contra JO.

A A. alegou, em síntese, que ela e o R. são comproprietários de uma fração autónoma para habitação situada num edifício localizado em Cascais, que identificou. A quota parte da A. chegou à sua titularidade por herança da mãe da A., que havia adquirido o imóvel na pendência do seu casamento com o R., pai da A., de quem a mãe da A. se havia divorciado, sem que os ex-cônjuges tivessem feito partilhas. A A. pretende pôr termo à indivisão, sendo certo que o prédio não é divisível. O prédio foi adquirido com recurso a um empréstimo bancário cujos encargos foram integralmente suportados pela mãe da ora A. e, depois, pela avó da A. em representação desta, sendo certo que a avó da A. também já faleceu. Tais factos geram na esfera jurídica da A. um direito a ser ressarcida em ½ das aludidas despesas.

A A. terminou pedindo que a ação fosse julgada procedente por provada, sendo decretada a divisão de coisa comum, fixando-se as quotas de cada uma das partes e adjudicando-se o imóvel à A.. Mais requereu que os créditos pagos pela mãe da requerente após o divórcio e, posteriormente, pela avó da A. em sua representação, fossem compensados nas tornas a que houvesse lugar.

  1. Em 20.4.2022 foi proferida a seguinte decisão: “Despacho liminar: A Autora instaurou ação especial de divisão de coisa comum, com vista à divisão de compropriedade sobre fração autónoma, alegando a sua indivisibilidade em substância e peticionando que se proceda à sua adjudicação a uma partes ou venda.

    Mais alegou ainda que a mãe, anterior titular da quota, suportou exclusivamente encargos com a amortização do contrato de mútuo celebrado para aquisição da fração, pretendendo exercer o direito a receber montante dos montantes pagos por aquela, invocando que “as tornas devidas sejam calculadas após a compensação dos créditos que se invocam”.

    Cumpre apreciar e decidir: No caso vertente, temos um pedido correspondente a uma forma de ação especial, a divisão da compropriedade de um imóvel e um pedido correspondente a uma forma de ação comum, com reconhecimento de crédito e subsequente condenação, formas de processo que são diferentes.

    O art. 37.º, n.º 2 do CPC, dispõe que é admissível a cumulação de pedidos quando as formas de processo ainda que diferentes, não sigam uma tramitação manifestamente incompatível e o interesse invocado seja relevante, ou essencial a apreciação conjunta das pretensões para a justa composição do litígio.

    A ação de divisão de coisa comum, comporta uma fase declarativa à qual é aplicável o processo comum, caso não se mostre possível decidir incidentalmente das questões suscitadas pelo pedido de divisão (art. 926.º, n.º 2 CPC), pelo que apesar das distintas formas de processo, a tramitação não é, à partida, manifestamente incompatível.

    Porém, nem todas as questões suscitadas podem ser apreciadas e cumuladas na ação especial de divisão de coisa comum, tendo existido duas correntes jurisprudenciais diversas a esse propósito.

    De uma forma muito sucinta, poderemos dizer que para uma primeira corrente, a ação de divisão de coisa comum seria a ação adequada para fazer cessar a comunhão da propriedade entre os titulares desse direito, como também para fazer cessar todas as outras relação jurídicas existentes entre as partes, nomeadamente, direitos de crédito relacionados com a aquisição ou amortização dos empréstimos bancários, com vista à aquisição da coisa, mas já não créditos pecuniários não relacionados, ou relações jurídicas alheias à natureza real, como por exemplo, o crédito de alimentos ou emergentes do divórcio.

    Para uma segunda corrente, a ação de divisão de coisa comum será adequada para fazer cessar a comunicação da propriedade entre os titulares desse direito, bem como outras relações jurídicas existentes entre as partes, mas apenas no caso em que tais relações tenham interferência na fixação da quota do direito real dos interessados, por interferirem no valor material da coisa, como seja por exemplo, o caso das as benfeitorias, ou estarem ligados ao uso e fruição da coisa, como por exemplo as quotas de condomínio ou os impostos sobre o património.

    Nesta divergência interpretativa, e salvo o devido respeito por melhor e mais fundamentada opinião, somos por aderir à segunda corrente, por duas ordens de razões: A primeira porque apenas no caso de benfeitorias ou despesas necessárias à conservação e fruição da coisa comum, a lei consagra expressamente a possibilidade de os proprietários se ressarcirem posteriormente, por compensação (art. 1411.º do Cód.Civil).

    A segunda porque na definição do valor das quotas parcelares do direito real de propriedade, apenas são intervenientes elementos materiais ligados à própria coisa, sendo que os direitos de crédito, ainda que reconhecidos ou derivados da aquisição do imóvel, não interferem na fixação do valor da quota do direito real, sendo compensáveis posteriormente, mas não na proporção das quotas. Nessa medida, o reconhecimento da existência de um direito de crédito de uma parte sobre a outra, não irá interferir na...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT