Acórdão nº 00337/11.3BEAVR-S1 de Tribunal Central Administrativo Norte, 11 de Novembro de 2022
Magistrado Responsável | Lu |
Data da Resolução | 11 de Novembro de 2022 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:Ministério Público, em acção administrativa intentada no TAF de Aveiro por Colégio ..., Ldª, id. nos autos, contra «Ministério da Educação - Estado português», interpõe recurso jurisdicional de despacho que indeferiu “a requerida recusa de aplicação ao caso presente do disposto na parte final do n.º 1 do artigo 11.º e no n.º 4 do artigo 25.º do CPTA, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 118/2019, com fundamento na violação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 219.º da CRP” e julgou “improcedente a arguida nulidade, por falta de citação”.
O recorrente remata em conclusões: 1 – A presente ação foi intentada contra o Estado Português, tendo, nos termos do disposto no artigo 25º, nº 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), a citação do Réu Estado Português sido dirigida unicamente para o Centro de Competências Jurídicas do Estado, e o Ministério Público não foi citado, mas apenas notificado da pendência da mesma, designadamente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 85º, nº 1 do CPTA; 2 – A Lei nº 118/2019, de 17 de Setembro, que entrou em vigor no passado dia 16.11.2019, introduziu no CPTA nova norma acima referida, que estabelece que quando seja demandado o Estado já não é citado o Ministério Público, em representação deste, como até agora sempre esteve consagrado, mas sim o Centro de Competências Jurídicas do Estado, designado por JurisAPP, que é um serviço central da administração direta do Estado, integrado na Presidência do Conselho de Ministros; 3 – Sob a sua aparência puramente procedimental e regulamentar "o que bastaria para a considerar deslocada num diploma sobre processo administrativo ", trata-se de uma norma revolucionária, sobretudo quando conjugada com o disposto na parte final do nº 1 do artigo 11º do CPTA, na redação igualmente conferida pela mesma Lei nº 118/2019; 4 – Com efeito, onde na anterior redação desta norma se previa "(…) sem prejuízo da representação do Estado PeloMinistério Público passou, com a referida alteração, a prever-se" (…) sem prejuízo da possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público, o que transformou numa exceção o que era uma regra, pois o possível tanto é o que pode ser como o que pode não ser vez alguma, sendo que não se vislumbra qualquer possibilidade de o Ministério Público ser eliminado, ao menos potencialmente, da representação do Estado no domínio do contencioso administrativo sem que daí resulte uma flagrante ofensa da primeira proposição do nº 1 do artigo 219º da CRP; 5 – Pelo que, esse conjunto normativo esvazia o essencial da função do Ministério Público nos tribunais administrativos, enquanto representante do Estado-Administração, mostrando-se desconforme ao parâmetro normativo consagrado na primeira proposição do nº 1 do artigo 219º da CRP; 6 – A norma do artigo 219º, nº 1 da CRP configura um imperativo constitucional, a observar pelo legislador ordinário, que contém a regra da atribuição de competência ao Ministério Público para representar o Estado; 7 – Em 1 de Janeiro de 2020 entrou em vigor o novo Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei nº 68/2019, de 27 de Agosto "i.e, menos de um mês antes da publicação da Lei nº 118/2019, de 17 de Setembro, que contém as normas cuja inconstitucionalidade se invoca, que continuou a confiar a representação do Estado ao Ministério Público (artigo 4º, nº 1, al. b)) e a prever a existência de "um departamento central de contencioso do Estado e interesses coletivos e difusos da Procuradoria-Geral da República"", o qual passará a intervir também em matéria tributária e não apenas na cível e administrativa (artigo 61º, nº 1 e 2); 8 – A Lei nº 114/2019, de 12 de Setembro, que procedeu à 12ª alteração no ETAF/2002, "i.e., menos de uma semana antes da edição da Lei nº 118/2019, a que pertencem as normas aquiquestionadas", não introduziu qualquer alteração ao disposto no artigo 51º; 9 – A representação do Estado em juízo foi sempre confiada, a nível constitucional e da lei ordinária, ao Ministério Público (com a única exceção da hipótese residual contemplada na parte final do nº 1 do artigo 24º do vigente CPC), estando essa representação, nas áreas cível, administrativa e até tributária, inequivocamente prevista em diplomas recentíssimos e de uma evidente centralidade na conformação dos nossos sistemas jurídico e judiciário; 10 – A norma do nº 1 do artigo 219º da CRP, que confia ao Ministério Público a representação judiciária do Estado-Administração (central), possui natureza auto-exequível, incondicionada, sem necessidade de densificação pela legislação ordinária, configurando-se como uma intencional e estrutural opção constitucional, em consonância com a tradição jurídica do país; 11 – Tanto o legislador constituinte originário como o derivado ponderaram os atributos do Ministério Público como magistratura dotada de "autonomia (artigo 219º, nº 2 da CRP), com a sua atuação sempre vinculada a critérios de legalidade e objetividade" (artigo 3º, nº 2 do EMP) e, em razão desses atributos, confiaram-lhe a tarefa representativa do Estado em juízo, justamente a título de representação e não como advogado, patrono ou mandatário judicial; sendo a representação do Estado nos tribunais por parte do Ministério Público é configurável como um verdadeiro princípio judiciário constitucional, com alcance material; 12 – Porém, em flagrante contradição sistémica e teleológica, a parte final do nº 1 do artigo 11º do CPTA, na redação conferida pelo artigo 6º da Lei nº 118/2019, vem reduzir a representação do Estado por parte do Ministério Público a uma pura eventualidade; 13 – A nova redação limita-se a acrescentar o substantivo "possibilidade esse modo transforma a regra da representação do Estado pelo Ministério Público" em exceção, pois o possível tanto é o que pode ser como o que pode não ser vez alguma, não sendo inócuo que o conjunto de alterações legislativas no âmbito da jurisdição administrativa que ocorreram em 2019, de que faz parte aquele preceito, não tenha introduzido, paralelamente, o referido substantivo no artigo 51º do ETAF.
14 – Do confronto da fórmula usada no CPTA (parte final do nº 1 do artigo 11º "sem prejuízo da possibilidade de representação do Estado pelo Ministério Público) com a acolhida no CPC (artigo 24º, nº 1: "O Estado é representado pelo Ministério Público, sem prejuízo dos casos em que a lei especialmente permita o patrocínio por mandatário judicial próprio…), resulta segura a conclusão de que, no âmbito do primeiro diploma, a representação do Estado por parte do Ministério Público tem caráter eventual e subsidiário, ao passo que no segundo constitui a regra, só passível de afastamento por lei concreta; 15 – A nova redação do artigo 11º, nº 1, in fine, do CPTA torna meramente eventual e subsidiária a intervenção do Ministério Público como representante do Estado no processo administrativo, pelo que, mesmo numa apreciação isolada, dificilmente a norma se compatibilizaria com o princípio judiciário constitucional da representação do Estado nos tribunais através do Ministério Público, imposta pelo primeiro segmento do nº 1 do artigo 219º da CRP; 16 – A desarmonia dessa norma com a Lex Fundamentalis torna-se ainda mais clara quando se proceda à sua interpretação conjugadamente com a do nº 4 do artigo 25º, também aditado pela referida Lei nº 118/20, que estabelece que quando seja demandado o Estado a citação é dirigida unicamente ao Centro de Competências Jurídicas do Estado; 17 – No que se reporta ao Estado, a norma destrói a mais elementar lógica de constituição da instância processual administrativa, visto que, por um lado, o réu Estado-Administração é "unicamente citado numa entidade que não possui poderes legais para a sua representação em juízo e, por outro, não é citado através do órgão que possui tais poderes, por força de disposição constitucional (e também legal); 18 – Por outro lado, nos termos do artigo 223º, nº 1 do CPC, subsidiariamente aplicável ao contencioso administrativo, a citação das pessoas coletivas " como é o caso indiscutível do Estado - Administração" realiza-se na pessoa dos seus legais representantes; 19 – O único representante do Estado em juízo, pelo menos enquanto o Estado não manifestar a vontade de pretender ser patrocinado de outro modo (pressuposta, por necessidade de raciocínio, a validade dessa declaração), o seu "representante natural é o Ministério Público, em quem deve ser realizada a citação; 20 – O mecanismo implementado pelo nº 4 do artigo 25º, conjugado com a parte final do nº 1 do artigo 11º do CPTA, ambos na redação da Lei nº 118/2019, conduz em linha reta, de forma necessária, a uma presença subsidiária e minimalista do Ministério Público como representante do Estado no processo administrativo; 21 – Acresce que a norma do nº 4 do art.º 25º CPTA, na redação da Lei nº 118/2019, vem atribuir ao Centro de Competências Jurídicas do Estado a competência para coordenar os termos da (…) intervenção em juízo do "serviços a quem aquele entenda" transmitir a citação, que, no caso dos autos (tal como noutros), não a transmitiu ao Ministério Público, estando sob sua decisão escolher quem vai representar o Estado; 22 – Só um construtivismo artificial e pré-ordenado pode sustentar a legitimidade constitucional da opção do legislador ordinário, creditando-a na faculdade de a Assembleia da República definir a competência do Ministério Público (cfr. artigo 165º, nº 1, al.
p) da CRP), pois é verdade elementar que a lei formal também deve obediência ao princípio da constitucionalidade; 23 – Apesar da sua falta de clareza e desarmonia com a arquitetura do sistema processual, resulta do preceito que o dito Centro pode, se e quando lhe aprouver, confiar a representação judiciária do Estado ao Ministério Público "tratado como mero" serviço e coordenar" os termos da respetiva intervenção em juízo; 24 – Ou...
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