Acórdão nº 129/21.1T8VPC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelROS
Data da Resolução17 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães: RELATÓRIO O Ministério Público intentou a presente ação especial de acompanhamento de maior pedindo que seja decretado o acompanhamento de J. L.

melhor identificado nos autos.

Alegou, em síntese, que, em consequência da patologia de que padece, o beneficiário não consegue realizar sozinho nenhuma das atividades básicas da vida diária, carecendo de apoio de terceiro para tudo, não estando em condições de se governar a si próprio ou aos seus bens.

Indicou para o exercício do cargo de acompanhante J. P., filho do beneficiário.

*Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 895.º do CPC.

Na impossibilidade de citação pessoal do requerido, foi nomeado e citado defensor oficioso para, em representação do beneficiário, querendo, contestar, nos termos do artigo 21º, n.º 1 do CPC.

*Foi apresentada contestação na qual o beneficiário se opôs à nomeação do seu filho J. P. como acompanhante, tendo-se igualmente oposto a que qualquer dos seus outros filhos desempenhasse tal cargo, manifestando vontade no sentido de ser nomeado como acompanhante o seu irmão A. J..

*Foi junto aos autos o relatório de perícia médico-legal.

*Procedeu-se à audição pessoal e direta do beneficiário.

*Em 26 de maio de 2022, procedeu-se à audição de: - J. P., filho do beneficiário; - A. J., irmão do beneficiário; - N. R., psicóloga no Lar onde o beneficiário reside e que aí exerceu anteriormente as funções de diretora técnica; - M. V., auxiliar no Lar onde o beneficiário reside; Em 28 de junho de 2022, procedeu-se à audição de: - A. C., filho do beneficiário; - R. A., filho do beneficiário; - M. P., filho do beneficiário; - S. R., auxiliar no Lar onde o beneficiário reside; - S. C., auxiliar no Lar onde o beneficiário reside.

*O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser decretado o acompanhamento do beneficiário, aplicando-se ao mesmo a medida de representação geral e designando-se para acompanhante o seu filho J. P..

Mais promoveu que seja determinada a constituição do conselho de família, o qual deverá ser composto pelo irmão do beneficiário- A. J.- e pelo filho do beneficiário- A. C..

*Foi determinada a notificação do beneficiário para se pronunciar sobre este parecer na sequência do que o mesmo apresentou requerimento no qual, por um lado, se opôs à nomeação de J. P. como seu acompanhante, por considerar que o mesmo não reúne as condições para o exercício de tal função, e, por outro lado, considerou que as funções de acompanhante deverão ser desempenhadas pelo seu irmão A. J., porquanto não só é a pessoa por si escolhida como é aquela que reúne as melhores condições para o exercício do cargo com respeito pela dignidade do acompanhado e zelo pelo seu bem-estar.

*Foi proferida sentença que julgou a ação procedente, por provada, e, na parte que aqui releva: a) determinou a aplicação ao beneficiário J. L., da medida de acompanhamento de representação geral, consignando que tal medida se tornou necessária desde 1 de janeiro de 2021; b) nomeou J. P., filho do beneficiário, para exercer o cargo de acompanhante e determinou que o mesmo visite o acompanhado com uma periodicidade mensal, de acordo com as regras instituídas na Instituição onde se encontra acolhido; c) nomeou como vogais do Conselho de Família: A. J. e A. C., respetivamente irmão e filho do beneficiário.

  1. determinou que o beneficiário carece de ser representado pelo acompanhante, com autorização do Ministério Público, para alterar ou fixar domicílio e residência (cfr. art.º 147.º, n.º 2 do C.Civil); f) determinou que o beneficiário carece de ser representado pelo acompanhante, com autorização do Ministério Público, para tomar decisões sobre a sua saúde mental (cfr. art.ºs 5.º, n.º 3, e 13º da Lei n.º 36/98, de 24/07 - Lei da Saúde Mental).

  2. Fixou à causa o valor de € 30 000,01.

    *O requerido não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, quanto à designação de acompanhante, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: “I - Da designação de acompanhante pelo beneficiário: A - O recorrente apresentou contestação à petição de acompanhamento de maior, peticionando a nomeação como acompanhante do Sr. A. J., irmão do beneficiário.

    B – Esta escolha é clara, tendo sido renovada na diligência de audição do beneficiário (Vide declarações do beneficiário, prestadas em juízo na data de 26/05/2022, gravadas em suporte digital, com início às 10:31h, e término às 10:47h, com enfoque no excerto entre o minuto 14:33 e 15:20.

    C - O artigo 143.º do Código Civil estabelece que “O acompanhante, maior e no pleno exercício dos seus direitos, é escolhido pelo acompanhado ou pelo seu representante legal, sendo designado judicialmente.”(sublinhado nosso) D - Ouvido pelo tribunal, na diligência de 26/05/2022, o Sr. A. J. manifestou total disponibilidade e vontade de exercer as funções de acompanhante do irmão.

    E - Da prova coligida nos autos, nomeadamente a testemunhal, resulta que o Sr. A. J., tem revelado sempre interesse e preocupação pelo bem-estar do recorrente, e não existe qualquer motivo para o considerar inadequado ou inidóneo para o exercício da função de acompanhante.

    F - O novo regime jurídico do maior acompanhado, aprovado pela Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto é norteado pelos princípios da “primazia da autonomia da pessoa, cuja vontade deve ser respeitada e aproveitada até ao limite do possível” e da “subsidiariedade de quaisquer limitações judiciais à sua capacidade, só admissíveis quando o problema não possa ser ultrapassado com recurso aos deveres de proteção e de acompanhamento comuns”, e por um “modelo de acompanhamento e não de substituição, em que a pessoa incapaz é simplesmente apoiada, e não substituída, na formação e exteriorização da sua vontade” (Vide Proposta de Lei n.º 110/XIII).

    G - Assim, havendo uma escolha directa do acompanhante pelo beneficiário, essa escolha tem que ser respeitada pelo tribunal, só podendo ser descartada quando o acompanhante escolhido pelo beneficiário não possa exercer tais funções, ou se revele desajustado para o cargo.

    H - Pelo que, existindo idoneidade da pessoa escolhida pelo beneficiário para exercer as funções de acompanhante (em requerimento próprio, testamento vital, procuração ou em sede de audição judicial), essa escolha é vinculativa, devendo ser designada judicialmente.

    I - A sentença proferida pelo Mmo. Tribunal a quo não respeitou a vontade do beneficiário, violando o artigo 143º do Código Civil. Sendo contrária à lei, deve ser revogada a designação para acompanhante do recorrente do seu filho J. P., devendo tal designação recair sobre a pessoa indicada pelo beneficiário, isto é, o seu irmão A. J..

    II - Da desadequação do acompanhante designado pelo Mmo. Tribunal a quo: J – Por sua vez, o acompanhante designado revelou ser pessoa desajustada para exercer o cargo, pois que tem más relações com o beneficiário, tendo sido notório em face das declarações prestadas pelo próprio que não tem o bem-estar do recorrente em consideração.

    K - A Digníssima Procuradora-Adjunta do Ministério Público chegou a esta conclusão na diligência de audição do beneficiário, tendo promovido o seguinte: “Do teor de todos os depoimentos prestados na presente diligência, o Ministério Público não se encontra em condições de acompanhar a pessoa que vem indicada na petição inicial para exercer as funções de Acompanhante.

    Desde logo, resultou desta diligência que a pessoa indicada como Acompanhante, o filho do Beneficiário, Sr. J. P., impedirá o Beneficiário de ter contactos com o seu irmão, A. J., sem se ter, no nosso entendimento, indicado qualquer razão válida para que tais contactos sejam impedidos. Ora, do nosso entendimento, para que esses ou quaisquer outros contactos sejam impedidos, deverão existir razões ponderosas, que não foram, no nosso entendimento, mais uma vez, indicadas nesta diligência, pelo que não nos sentimos seguros na tomada de posição de que tal pessoa seja indicada para zelar pelos interesses do Beneficiário (…)”.

    L - Inquiridas, as auxiliares e responsáveis da instituição em que o beneficiário se encontra acolhido, pelas mesmas foi explanado que o recorrente não costuma ter visitas ou telefonemas. Não obstante, revelaram que, logo no início do acolhimento, o recorrente foi proibido de receber visitas e chamadas telefónicas do seu irmão A. J., por parte do filho J. P., tendo este tentado impedir também a visita da signatária. Pelas mesmas foi revelado que o filho do recorrente não adiantou os motivos de tal proibição.

    M - Porém, resulta da prova testemunhal produzida que o afecto e cumplicidade que liga o recorrente ao seu irmão A. J. é enorme, e que é neste que o recorrente confia. Resultando também que esta proibição de contactos, provoca no recorrente grande tristeza, confusão e revolta.

    N - O acompanhante designado pelo tribunal, não se mostrou sensível a tal situação, dizendo apenas “Do meu tio, do meu tio cortei, sim. Estou e eu respondo.” O - Quanto ao exercício da função de acompanhante, e do motivo pelo qual fez chegar o pedido de acompanhamento junto do Ministério Público, o Sr. J. P. deixou bem claro em sede de declarações, dizendo: “As contas dele. É por causa disso que eu estou aqui. (…) O meu pai, quando estava aqui na recuperação, a Dra. da Segurança Social disse-me que ele não podia estar mais sozinho, e isto e aquilo. A única solução como ele não se dá muito bem com os filhos…(…) Levei lá um Dr. Notário, para ele assinar, para ele me dar autorização para eu movimentar aquilo que era dele. Rejeitou!” (…) Se o meu pai quiser estar comigo, ele tem que me assinar um poder, para eu ver aquilo que ele tem.” P - O filho do recorrente, A. C., que reside no Canadá, também prestou declarações via Cisco Webex, num depoimento emocionado, e em que foi perceptível o carinho pelo pai, e a preocupação pela situação em que o pai se encontra. Questionado sobre qual a pessoa que melhor pode desempenhar as funções de...

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