Acórdão nº 5015/20.0T8VNF-C.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelPEDRO MAUR
Data da Resolução17 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACÓRDÃO (1)*ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES, * * *1. RELATÓRIO 1.1. Da Decisão Impugnada Por sentença proferida em 02/11/2020, nos autos principais, A. M. – Unipessoal, Lda foi declarada insolvente.

Na data de 18/12/2020, nos autos principais, o Administrador da insolvência juntou o parecer referido no art. 188º/3 do CIRE, propondo que a mesma fosse considerada culposa, afectando a gerente devedora, A. S..

Na sequência do referido parecer, por despacho proferido em 02/02/2021, o Tribunal a quo declarou a abertura do presente incidente de qualificação da insolvência.

O Ministério Público acompanhou o parecer supra citado.

Citada, a Ré A. S. apresentou oposição, pedindo que «seja absolvida do pedido e não abrangida pela qualificação como culposa da insolvência da sociedade A. M., Unipessoal, Lda», e alegou, em síntese, que: «a qualidade de sócia e de representante legal que a Ré efetivamente assumiu apenas na génese da sociedade insolvente com a constituição da mesma, foi a pedido do seu pai que a não podia encabeçar formalmente por se encontrar a braços com várias execuções fiscais; a Ré acedeu ao pedido do pai no pressuposto que a situação seria transitória, uma vez que aquele prometera que assumiria a dupla qualidade de sócio e gerente logo que cessasse o impedimento pessoal, ou que arranjaria um novo sócio para deter as participações da Ré e para assumir a gerência; a Ré era, à data da constituição da sociedade insolvente e até à cessação de atividade, gerente única, a tempo inteiro, da sociedade comercial R. S. & A. M., Lda, que lhe exigia dedicação absoluta e lhe absorveu por completo o tempo de trabalho do seu quotidiano no período temporal de funcionamento da Insolvente; a Ré nunca atuou em nome da devedora insolvente, de cuja vida esteve sempre alheada, nem dela beneficiou em alguma medida, direta ou indiretamente; a Ré nunca auferiu lucros da insolvente, não auferiu retribuições ou prémios, não lhe imputou quaisquer despesas pessoais, de representação, ou gozou de quaisquer regalias pagas por aquela; a Ré jamais exerceu poderes de representação da sociedade, nunca deu ordens a funcionários, não contactou clientes nem fornecedores, não emitiu cheques nem fez pagamentos, não assinou contratos, apôs a sua rúbrica em documentos, recibos, ordens de compra ou de venda, nunca teve acesso a contas bancárias, que nunca movimentou por qualquer meio, nunca enviou mensagens, escreveu cartas, ou efetuou telefonemas intitulando-se gerente daquela sociedade; a Ré não é nem nunca foi tida por gerente, por patroa ou por dona da sociedade insolvente por nenhuma das pessoas que orbitava em redor desta; é falso que a Ré se tenha apropriado de quaisquer saldos bancários; é falso que a Ré tenha transferido elementos do estabelecimento industrial daquela sociedade para “E. M., Lda”, cuja estrutura societária, administração, e pessoal não integra nem nunca integrou».

Foi proferido despacho saneador, no qual se identificou o objecto do litígio e se enunciaram os temas da prova.

Foi proferido despacho saneador, no qual se identificou o objecto do litígio e se enunciaram os temas da prova.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença com o seguinte decisório: “Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decido: a) qualificar como culposa a insolvência da sociedade comercial denominada “A. M. – Unipessoal, Lda.”, nos termos do artigo 186.º n.º 1, n.º 2 alíneas a), d), f) e i) e n.º 3 alínea b) do CIRE; b) determinar a afetação pela referida qualificação da gerente A. M.; c) fixar em 6 (seis) anos o período de inibição de A. M. para administrar património de terceiros, para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa; d) condenar A. M. a indemnizar os credores da sociedade Insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respetivo património”.

*1.2. Do Recurso da Ré Inconformado com a referida decisão, a Ré interpôs recurso de apelação, pedindo que seja «revogada a decisão proferida em primeira instância, por erro de julgamento da matéria de facto, contradição na fundamentação de facto, sem suporte na prova testemunhal produzida; erro na aplicação do direito aos factos quanto ao relevo e extensão da responsabilização da Ré enquanto gerente de direito, e pela admissão de prova nova, documental, que determina resposta contrária em relação aos concretos pontos de facto acima descritos, que determinam decisão diversa da proferida», e formulando as seguintes conclusões no final das respectivas alegações: “1. A sentença em crise deu por provado que a gerência da sociedade insolvente esteve a cargo, desde o início, do pai da Ré, J. M., 2. Considerando simultaneamente não provado que a Ré não tenha exercido poderes de administração da Insolvente.

  1. Do cotejo das duas asserções, ambas vertidas na decisão em crise, emerge patente contradição, não podendo conceber-se que o teor do provado em 3. da fundamentação seja conciliável com a ausência de prova que a Ré A. M. não exerceu funções de administração da sociedade insolvente.

  2. As asserções, tal como consagradas no texto da decisão, são mutuamente excludentes e incompatíveis: se as funções em causa eram exercidas, desde o início, pelo pai da Ré, sem ressalva, não podiam sê-lo pela Ré.

  3. Afigura-se, neste ponto, que o recurso à lógica inviabiliza a prova de algo (a gerência a cargo do pai, desde o início) e do seu contrário (não se provou que a Ré não tenha exercido a gerência).

  4. A sentença recorrida padece de vício de fundamentação, tornando-a ambígua e contraditória, na medida em que dá como provada, sem ressalvas e desde o início, a gerência da insolvente a cargo de J. M. e como não provado o não exercício da gerência pela Ré aqui recorrente.

  5. A fundamentação contraditória repercute-se na motivação e análise crítica da prova, onde a sentença acaba por hipotizar o exercício pleno e até exclusivo da gerência pela Ré recorrente, em erro de julgamento – error in judicando – e errada apreciação da prova gravada, que não autoriza tal conclusão.

  6. Não pode a fundamentação da sentença dar por provado que era o pai da Ré quem, desde o início, geria a insolvente, para, a final, imputar à Ré uma panóplia de atos indissociáveis da administração e representação real e efetiva da sociedade insolvente, de quem tinha as “rédeas” e conduzia o seu destino.

  7. Estes atos não podem ser atribuídos à Ré sem prova cabal da sua autoria, mas apenas por figurar como gerente designada na certidão de registo comercial da insolvente, 10. Sob pena de tal interpretação consagrar uma responsabilidade civil objetiva, totalmente alheia a considerações de culpa, quando, é sabido, o juízo de reprovabilidade pessoal imputado ao agente, tal qual previsto no artigo 186.º do CIRE assenta em culpa grave ou dolo, e não num qualquer tipo de culpa, 11. E isto sem menoscabo da técnica legislativa de presunções inilidíveis e ilidíveis adotada, que não se discute.

  8. Na verdade, existe um prius que antecede o juízo de censura à conduta do agente, que é a imputação a este de uma conduta ilícita, para além do nexo causal entre esta e situação de insolvência.

  9. A insolvência não pode considerar-se culposa se a conduta atribuível ao responsável se dever a mera negligência ou culpa leve.

  10. Mesmo que se admita que a lei não distingue entre gerência de facto e de direito – o que, diga-se desde já, introduz uma quebra na harmonia do sistema jurídico, 15. Tal não pode significar que possam ser atribuídas ao gerente de direito, só por figurar como órgão estatutário da sociedade insolvente, a título de culpa grave, ou dolo, condutas que o Tribunal recorrido considerou provadas.

  11. É necessário, primeiro, que os factos base da presunção tenham sido efetivamente praticados ou omitidos e saber quem os praticou: quis, quid, quando, ubi, cur, quem da modum e quibus adminiculis? 17. A dicotomia gerente de direito/gerente de facto visa acomodar hipóteses factuais em que a administração vera e própria da sociedade comercial, apesar de formalmente encabeçada pelo gerente inscrito no Registo Comercial, é, na prática, exercida por outrem, dito gerente de facto.

  12. Neste pressuposto, o gerente de direito não pratica os atos de gerência da sociedade insolvente, que são, outrossim exercidos pelo gerente de facto.

  13. Ora, se não pratica atos de administração, o gerente de direito não pode ser presumido autor da sonegação do património da sociedade insolvente, da disposição de bens desta em favor de familiares ou terceiros, por se tratarem estes de “atos comissivos”.

  14. Ao gerente de direito é imputável um dever de vigilância cuja inobservância, em termos gerais, corresponderá ao conceito de “culpa in vigilando”, 21. É-lhe exigível, por figurar, aos olhos do público, como gerente da sociedade, não descure o interesse social e o interesse dos credores.

  15. Porém, da inobservância desse dever de vigilância não decorre, sem salto lógico assinalável, a imputação a título de culpa grave ou dolo de atos que determinam a qualificação da insolvência.

  16. O não exercício de facto da administração da sociedade insolvente, na prática confiada a terceiro, não pode tornar o gerente de direito – de forma automática - coautor dos atos materiais que causam ou agravam a situação de insolvência.

  17. É que os atos em causa não foram praticados pelo gerente de direito, que se alheou da administração efetiva da sociedade, mas pelo gerente de facto.

  18. E assim sucedeu no caso vertente, onde a prova testemunhal produzida foi inequívoca, inquestionável e concludente em apontar a gerência efetiva da Insolvente a J. M., 26. E não à aqui Ré, que só a final, confrontada com o desmoronar da sociedade sequente ao pedido de insolvência, tomou conhecimento da situação vigente.

  19. Assim, mal andou o tribunal a quo quando responsabiliza a Ré pela gerência da...

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