Acórdão nº 394/17.9T8VVD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelRAQUEL BAPTISTA TAVARES
Data da Resolução10 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório T. J.

, viúva, reformada, com domicílio no Lugar …, n.º 19, freguesia de …, Terras de Bouro, por si e em representação da Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu marido A. D. veio intentar a presente Ação de Processo Comum contra J. M.

e mulher T. P.

, casados entre si no regime de comunhão geral de adquiridos, ambos com domicílio no Lugar …, n.º .., freguesia de …, Terras de Bouro, pedindo a condenação dos Réus: a) A reconhecerem que o prédio identificado no artigo 2º da petição inicial faz parte da Herança indivisa, aberta por óbito de A. D., falecido em -/11/2014; b) A reconhecerem que esse mesmo prédio não está onerado com qualquer ônus ou servidão a favor do prédio dos réus; c) A removerem o coletor/ reservatório de água e respetivas tubagens, referidos nos artigos 11º 12º, 13º, 14º e 15º da petição inicial que implantaram no prédio da herança representada supramencionado; d) A removerem o tubo para descarga de águas referido nos artigos 16º, 17º e 18º da petição inicial; e) A não estorvarem, seja por que modo for, direito de propriedade e a posse da herança sobre o prédio rústico em questão nos autos; f) A pagarem uma indemnização à autora, a título de danos não patrimoniais, em quantia nunca inferior a €1.500,00.

A Autora requereu a intervenção principal provocada, do lado ativo, para garantir a legitimidade dos representantes da herança aberta por óbito de A. D., ou da própria herança representada pela Autora, em conformidade com o disposto no artigo 2091º do Código Civil de: F. M.

, com domicílio em …, Canada e S. R.

, e mulher S. F.

, casados sob o regime da comunhão de adquiridos, ambos com domicílio no Lugar do …., n.º …, União das freguesias de … e …, Terras de Bouro.

Citados os Réus vieram contestar, defendendo-se por impugnação e alegando que o reservatório foi construído antes do falecimento do marido da Autora e só no prédio dos Réus e que o valado para onde escorre a água pertence exclusivamente aos Réus.

Invocam ainda que o prédio da herança está onerado com uma servidão de escoamento.

Pugnam pela improcedência da ação, e respetiva absolvição do pedido.

Foi proferido despacho saneador, que fixou o valor da causa, dispensando-se o despacho de enunciação de objeto do litígio e fixação dos temas da prova.

Foi admitida a intervenção principal de F. M., S. R. e mulher S. F. os quais, regularmente citados, nada vieram declarar ou requerer.

Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “De acordo com o exposto, e de harmonia com os preceitos legais supra citados, julga-se a ação parcialmente procedente, e consequentemente, decide-se:--- i. Condenar os Réus a reconhecer que os Autores são donos e legítimos proprietários do prédio melhor identificado no ponto 3) da factualidade provada;--- ii. Condenar os Réus a reconhecerem que o referido prédio rústico não se encontra onerado com qualquer ônus ou servidão a favor do prédio dos réus;--- iii. Condenar os Réus a não estorvarem, seja por que modo for, o direito de propriedade e a posse dos autores sobre o referido prédio rústico;--- iv. Condenar os Réus a removerem tubo subterrâneo melhor descrito no ponto 10) dos factos provados na parte em que atravessa o referido prédio rústico propriedade dos autores;--- v. Absolver os Réus do demais peticionado;--- Custas da acção a cargo de Autores e Réus, fixando-se a proporção em 75% para os primeiros e 25% para os segundos”.

Inconformada, veio a Autora T. J. interpor recurso da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “1. – A decisão da matéria de facto acha-se incorretamente proferida quanto a vários dos seus Pontos, do que resultou uma errada aplicação do direito, com a sentença proferida a absolver os réus de alguns dos pedidos formulados pela ora recorrente, a saber: a) – Condenar-se os réus a removerem o tubo para descarga de águas referido nos artigos 16º, 17º e 18º; da petição inicial; b) – Condenar-se os réus a removerem o coletor/reservatório de água e respetivas tubagens, referidos nos artigos 11º 12º, 13º, 14º e 15º da petição inicial, que abusivamente implantaram no prédio da herança representada por Autora e demais herdeiros; c) – Condenar-se os réus removerem a caixa de cimento e respetivas tubagens que abusivamente implantaram no prédio da herança.

Da absolvição do pedido referido em a): 2. – Resulta da prova pericial e inspeção judicial que existe um valado entre o prédio rústico da herança e o prédio rústico dos réus e que este último se encontra em cota superior relativamente ao primeiro.

  1. – No cimo do mesmo valado ou talude, existe um outro tubo de plástico para descarga direta de águas sobre o prédio referido (Ponto 11) dos factos provados), 4. – Conforme vertido na douta sentença recorrida “havendo um desnível entre o prédio dos autores e o prédio dos réus (encontrando-se este último a uma cota superior), temos, pois, que o prédio dos autores não está onerado por qualquer servidão de águas, mas está obrigado a receber as águas que naturalmente decorrem dos prédios superiores, nos termos do mencionado art. 1351º do CC. Trata-se por isso, de uma restrição ao direito de propriedade dos autores e não de uma servidão”.

  2. – Efetivamente, resulta da prova produzida que os prédios rústicos em causa são confinantes entre si e que o prédio dos réus se situa num plano ou cota superior relativamente ao da herança e que, por força do estatuído no artigo 1351.º do Cód. Civil, o este último prédio está sujeito a receber as águas pluviais que naturalmente derivam do prédio dos réus, não estando em causa qualquer servidão de escoamento.

  3. – Todavia, na fundamentação de direito, o Meritíssimo Juiz «a quo» conclui não resultar da matéria fáctica apurada “que tais obras levadas a cabo pelos réus tenham agravado o escoamento, nem que estas tenham alterado o estado natural das coisas no que já que eles continuam a receber, nas mesmas condições, as mesmas águas que receberiam se não tivessem sido efetuadas as obras. Assim, dos elementos dos autos teremos de concluir que as obras efetuadas pelos réus são permitidas e se circunscrevem no âmbito das restrições ao direito de propriedade, não implicando a constituição de qualquer servidão”.

  4. – Salvo melhor opinião em contrário, o facto de os réus terem colocado um tubo a sobrevoar o valado que existe entre ambos os prédios rústicos, constituiu por si só um desvio ou uma alteração artificial ao curso normal das águas que, de outra forma, sempre escorreriam livremente, distribuindo-se de forma natural, sem obra do homem, pelas terras do mencionado valado, situação em que a sua progressão para o prédio da autora seria apenas determinada pela inclinação e demais caraterísticas do terreno.

  5. – Tal não sucede com a colocação do tubo em causa que, de forma artificial, altera o curso normal ou natural das águas, dando-lhe direção diferente daquela que seria determinada pela mera ação da gravidade, o que até vai confirmado nos esclarecimentos prestados pelo Senhor Perito em aditamento ao relatório pericial realizado nos autos, quando refere “que a descarga frequentemente ocorre de forma projetada e não de forma rasante ao muro existente”.

  6. – De mais a mais, o tubo faz com que as águas sejam convergidas para um único local, ao invés de se espalharem, e até sumir, pelas terras do valado.

  7. – Na douta sentença de que recorre, foram os réus condenados “a reconhecerem que o referido prédio rústico não se encontra onerado com qualquer ônus ou servidão a favor do prédio dos réus”.

  8. – Aqui chegados, não existindo qualquer servidão, aos réus não lhes é lícito fazer escoar as águas da forma que o fazem, através do tubo que colocaram no valado, violando o disposto no 1563.º do Código Civil.

  9. – Na verdade, o princípio plasmado no artigo 1351º, n.º 1 do Código Civil é o de que as águas devem seguir o seu curso natural, sem que os donos dos prédios de onde as mesmas brotam, possam impor a outrem a alteração artificial do seu fluxo, através da efetivação de obras.

  10. – Assim, salvo o devido respeito, nesta concreta questão ou pedido, ao decidir, como decidiu, a douta sentença recorrida fez uma errada interpretação e aplicação do artigo 1351.º do Código Civil, impondo-se decisão diversa à proferida pelo Tribunal «a quo», condenando os réus a retirarem o tubo o removerem o tubo para descarga de águas referido nos artigos 16º, 17º e 18º da petição inicial.

    Da absolvição dos pedidos referido em b) e c): 14. – A questão aqui a dirimir era a de saber em que terrenos se encontram implantados o reservatório de água e a caixa de cimento, mencionados, respetivamente, nos pontos 7) e 13) do elenco dos factos provados.

  11. – Relativamente a esta questão, o Tribunal recorrido não analisou e ponderou convenientemente, a prova por inspeção judicial, documental e pericial nos autos produzida; 16. – A sentença recorrida considerou como não provado que o reservatório e a caixa de cimento se encontrem implantados dentro dos limites do prédio da herança (alíneas B) e D) da factualidade dada por não provada).

  12. – Ora, a recorrente discorda do julgamento desta concreta matéria de facto, por considerar que o Tribunal «a quo» deveria, ao invés, ter dado como provada essa factualidade.

  13. – Efetivamente, entende a recorrente que a prova produzida nos autos revela que as construções realizadas pelos réus foram edificadas dentro dos limites do prédio da herança do marido.

    e o prédio rústico dos réus e que este último se encontra em cota superior relativamente ao primeiro.

  14. – A recorrente alegou que ambas as construções (reservatório e caixa de cimento) se encontram dentro dos limites do prédio da herança cuja estrema se estende, no local em questão, até à linha inferior do valado de suporte do prédio rústico dos réus.

  15. – Contudo, entendeu o tribunal recorrido que a autora “não fez prova de que os equipamentos acima...

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