Acórdão nº 092/22.1BCLSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução10 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1 – Sport Lisboa e Benfica - Futebol SAD (Benfica SAD), com os sinais dos autos, apresentou no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), contra a Federação Portuguesa de Futebol (FPF), igualmente com os sinais dos autos, recurso do acórdão, proferido em plenário, do Conselho de Disciplina (Secção Profissional) da Federação Portuguesa de Futebol de 13.7.2021, no âmbito de um processo disciplinar.

2 – Por acórdão de 11 de Março de 2022 do TAD, o processo arbitral foi julgado procedente e, consequentemente, revogada a decisão condenatória.

3 – Inconformada, a FPF recorreu daquela decisão para o TCA Sul, que, por acórdão de 2 de Junho de 2022, negou provimento ao recurso.

4 – Novamente inconformada com a decisão, a FPF apresentou recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo, o qual foi admitido por acórdão de 29 de Setembro de 2022.

5 - A Recorrente apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões: «[…] 1. A Recorrida vem interpor recurso de revista para o STA do Acórdão proferido pelo TCA Sul em 2 de Junho de 2022, que manteve o acórdão arbitral proferido pelo Tribunal Arbitral de anular a multa aplicada pelo Conselho de Disciplina no processo disciplinar n.º 52 - 2020/2021, que correu termos na Secção Profissional daquele órgão, por aplicação do artigo 112.º, n.º 1, 3 e 4, do RD da LPFP (doravante RDLPFP).

  1. A questão em apreço diz respeito à responsabilização dos clubes e respectivos dirigentes pelas declarações e/ou publicações consideradas ofensivas da honra e reputação de agentes desportivos e de órgãos da estrutura desportiva e que podem com isso afetar a própria competição, o que, para além de levantar questões jurídicas complexas, tem assinalável importância social, uma vez que, infelizmente, tais declarações têm eco nos episódios de violência em recintos desportivos que têm sido uma constante nos últimos anos em Portugal e o sentimento de impunidade dos clubes dado por decisões como aquela de que agora se recorre nada ajudam para combater este fenómeno.

  2. A Recorrida não pretende fazer deste recurso de revista e do STA uma terceira (ou quarta, se tivermos em consideração a decisão proferida pelo Conselho de Disciplina da Requerida) instância de apreciação deste caso, o que, como se sabe, não é possível.

    (…) 11. Em concreto, em causa nos presentes autos estão declarações produzidas e divulgadas pela Recorrida no seu sítio da internet oficial, cujo teor consubstancia comportamento desrespeitoso e lesivo da honra e consideração dos elementos das equipas de arbitragem visados, colocando em causa o núcleo essencial da função da arbitragem, materializado na isenção e imparcialidade que a deve caracterizar, afetando a credibilidade e o bom funcionamento da competição desportiva.

  3. Entendeu o Tribunal a quo, na linha e recorrendo à fundamentação do Tribunal Arbitral, que as expressões utilizadas pela Recorrida não são disciplinarmente relevantes, porquanto: (i) A integralidade do teor do texto onde se encontra inserida a referida expressão não tem relevância disciplinar; (ii) Verifica-se a existência de factos que suportam a crítica; (iii) A expressão está sustentada e “sufragada em opiniões de especialistas similares à vertida no escrito em análise”; (iv) A expressão sustentada tem “um significado que não implica necessariamente uma ação dolosa”.

  4. O Acórdão recorrido padece de graves erros na aplicação do Direito, com os quais a Recorrente não se pode conformar.

  5. As declarações sub judice tiveram repercussão na comunicação social, designadamente em duas (de três) publicações desportivas nacionais; 15. A afirmação de que a responsabilidade disciplinar é independente e autónoma da responsabilidade penal está, desde logo, presente na Lei e nos Regulamentos Federativos.

  6. Assim, quando analisado o artigo 112.º do RD da LPFP é possível vislumbrar, em abstrato, indícios do ilícito penal correspondente à injúria ou difamação.

  7. Por outro lado, não se pode olvidar que a Recorrida tem deveres concretos que tem de respeitar e que resultam de normas que não pode ignorar.

  8. A Recorrida tem, designadamente, o dever de “usar de correção, moderação e respeito relativamente a outros promotores de espetáculos desportivos e organizadores de competições desportivas, associações, clubes), sociedades desportivas, agentes desportivos, adeptos, autoridades públicas, elementos da comunicação social e outros intervenientes no espetáculo desportivo” (artigo 35.º, n.º 1 alínea h) do RD da LPFP); de “zelar por que dirigentes, técnicos, jogadores, pessoal de apoio, ou representantes dos clubes ajam de acordo com os preceitos das alíneas h) e i)” (artigo 35.º, n.º 1 alínea h) do RD da LPFP), e bem assim, o dever de “incentivar o respeito pelos princípios éticos inerentes e implementar procedimentos e medidas destinados a prevenir e reprimir fenómenos de (…) intolerância nas competições” (RPVLPFP); e de manter comportamento de urbanidade e correção entre si, bem como para com os representantes da Liga Portugal e da FPF, os árbitros e árbitros assistentes.” (artigo 51.º, n.º 1 do RC da LPFP); 19. Naturalmente que as sociedades desportivas, clubes e agentes desportivos não estão impedidos de exprimir pública e abertamente o que pensam e sentem. Contudo, os mesmos estão adstritos a deveres de respeito e correção que os próprios aceitaram determinar e acatar mediante aprovação do RD e RC da LPFP.

  9. Quando uma pessoa (singular ou coletiva), qualquer que seja, aceita aderir a determinada associação ou grupo organizado, aceita também as suas regras, deontológicas, disciplinares, sancionatórias, etc..

  10. Com efeito, para que a Recorrida seja condenada pela prática do ilícito disciplinar previsto no artigo 112.º, n.º 1, 3 e 4, do RD da LPFP é essencial indagar se as declarações respetivas violam, pelo menos, um dos bens jurídicos visados pela norma disciplinar: a honra e bom nome dos visados ou a verdade e a integridade da competição, particularmente evidenciados pela imparcialidade e isenção dos desempenhos dos elementos das equipas de arbitragem.

  11. Ao contrário daquilo que parece entender o TCAS, não estamos, obviamente, perante a prática de um ilícito disciplinar que pretende, exclusivamente, proteger a honra e o bom nome dos árbitros visados, nem muito menos perante uma questão que deva ser analisada da perspetiva do direito penal.

  12. Em suma, o Acórdão recorrido erra também ao analisar a questão sub judice sob a perspetiva do direito penal e não da perspetiva do direito disciplinar, pelo que se impõe que o STA proceda a uma correta aplicação do direito ao caso.

  13. Ademais, a questão em apreço é suscetível de ser repetida num número indeterminado de casos futuros, porquanto este tipo de casos são cada vez mais frequentes, o que é facto público e notório.

  14. A contrário do que entendeu o TCAS o conteúdo das declarações produzidas e difundidas pela Recorrida em órgão de comunicação social de sua propriedade, tem relevância disciplinar, porquanto quando a Recorrida afirma que “foi-nos sonegada uma grande penalidade evidente», «[a equipa] foi, novamente, prejudicada pela equipa de arbitragem» ou «torna-se óbvio que a verdade desportiva não tem sido defendida», - sublinhados nossos - está a levantar suspeição sobre a atuação dos referidos elementos de arbitragem, apenas se podendo considerar que tais declarações não configuram uma lesão da honra e reputação das equipas de arbitragem, se se abordar tal questão, como parece fazer o TCAS, tendo por referência as normas penais que sancionam condutas típicas dos crimes de injúria ou difamação.

  15. Ao referir que existem outros erros e que a verdade desportiva é prejudicada, sem apresentar qualquer prova factual de tais afirmações – principalmente da primeira – as afirmações deixam de se mover dentro dos limites do exercício da liberdade de expressão.

  16. Não se verifica a existência de base factual que suporta a crítica, apenas pelo facto de determinados “especialistas” em arbitragem afirmarem que se verificou determinado erro, não bastando tal factualidade para legitimar a crítica ofensiva a determinado agente(s) de arbitragem.

  17. A expressão “sonegar” – pelos sinónimos maioritariamente depreciativos que o próprio TAD traz à liça -, e bem assim, no contexto em que foi usada, na perspetiva de um declaratário normal, não pode deixar de ser entendida no sentido de que o árbitro intencional e dolosamente não quis assinalar a grande penalidade, não se contendo no âmbito dos deveres regulamentares que impendem sobre a Recorrida, devendo tais...

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