Acórdão nº 0867/17.3BEBRG de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Novembro de 2022
Magistrado Responsável | SUZANA TAVARES DA SILVA |
Data da Resolução | 10 de Novembro de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1 – A............ Lda.
, com os sinais dos autos, propôs no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (TAF de Braga), acção administrativa, contra o INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I.P. (IFAP), igualmente com os sinais dos autos, na qual formulou o seguinte pedido: “[…] Termos em que requer-se a V. Exa: a) Seja a presente ação administrativa de impugnação julgada totalmente procedente, por provada, e, em consequência, declarado anulado o ato proferido pelo IFAP de resolução/rescisão unilateral do contrato de financiamento ao abrigo do Programa de Desenvolvimento Rural 2014-2020 e consequente devolução das verbas já recebidas.
b) Em consequência da referida anulação, seja a ré condenada a entregar à autora a quantia de € 286.900,30, correspondente à 3.ª e última prestação do financiamento atribuído, vencida em 30/03/2015, acrescida dos juros à taxa legal calculados desde a data do vencimento da obrigação e até efetivo e integral pagamento da quantia devida.
c) Seja a ré condenada no pagamento das custas processuais e em custas de parte.
[…]».
2 – Por sentença de 07.04.2020, foi a acção julgada procedente, anulado o acto de rescisão e condenado o Réu a proceder ao pagamento relativo à última tranche de apoio no âmbito do projecto da Autora, com consequente pagamento do valor compensado, acrescido de juros desde a data em que tais quantias deveriam ter sido entregues à Autora.
3 – Inconformado, o IFAP recorreu daquela decisão para o TCA Norte, que, por acórdão de 02.07.2021, julgou a acção parcialmente procedente, confirmando a decisão recorrida quanto à anulação do acto impugnado, ainda que com outra fundamentação, e revogando-a na parte em que havia condenado o R., julgando ainda improcedente o referido pedido de condenação.
4 – Inconformados com aquela decisão, Autora e Réu interpuseram recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo, que, por acórdão de 25 de Novembro de 2021, as admitiu.
5 – A Recorrente A............ Lda.
apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões: «[…] 1. O presente recurso tem por objeto o segmento decisório que julgou improcedente o pedido de condenação formulado na ação e revogou a decisão quanto a ele proferida pela Unidade Orgânica 1 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.
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Na parte em que confirmou a sentença da 1ª Instância, anulando o ato administrativo impugnado com fundamento em violação do direito de audiência prévia, erro nos pressupostos de facto e erro nos pressupostos de direito, o Acórdão recorrido merece a concordância da Autora, devendo a controvérsia ter-se nessa parte como irreversivelmente decidida e, portanto, beneficiar do efeito e da estabilidade de caso julgado.
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É fundamento do recurso a violação da lei substantiva, na modalidade de erro na interpretação e aplicação do direito no que concerne aos efeitos da anulação de ato administrativo ilegal (art. 161.º, n.º 2, al.
i), do CPA, e art. 173.º do CPTA), à admissibilidade de cumulação do pedido de anulação ou declaração de nulidade ou inexistência de um ato administrativo com o pedido de condenação da Administração ao restabelecimento da situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado (art. 4.º, n.º 2, al.
a), do CPTA), designadamente em sede de ampliação do pedido (art. 63.º do CPTA), e aos efeitos do caso julgado formal (art. 620.º, n.º 1, e 625.º do CPC, ex vi art. 1.º do CPTA).
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Por despacho proferido em 18/05/2018, que não foi objeto de recurso, o tribunal de 1.ª Instância deferiu os pedidos de ampliação formulados pela Autora.
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Em conformidade, a ação passou a ter por objeto: a) a impugnação do ato administrativo que determinou a resolução unilateral do contrato de financiamento n.º 02035789/0 e o cancelamento da operação, com a devolução integral da quantia de € 135.269,61 recebida a título de apoio; b) a impugnação do ato administrativo que, em execução do ato administrativo referido em a), determinou a compensação de créditos relativos ao RPB; c) a condenação do IFAP no restabelecimento da situação que existiria se o ato de resolução unilateral do contrato de financiamento e devolução das verbas recebidas não tivesse sido praticado, designadamente a sua condenação no pagamento à Autora das quantias indevidamente retidas a título de compensação, e a sua condenação ao pagamento da terceira e última tranche do apoio.
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Em 07/04/2020, foi proferida sentença da 1.ª Instância que julgou a ação totalmente procedente, nos limites do objeto que lhe havia sido determinado.
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Não se conformando com a decisão, o IFAP interpôs recurso de apelação que culminou com o Acórdão do TCAN de que se recorre em revista excecional.
(…) 16. Flui do ponto 24.º do probatório, que o ato administrativo anulado pelas instâncias determinou a resolução unilateral do Contrato de financiamento n.º 02035789/0 e cancelamento da operação, com a devolução integral da importância recebida a título de apoio, pelo valor de € 135.269,61, notificando desde logo a Autora de que, não sendo efetuada no prazo de 30 dias a reposição voluntária de tal quantia, «será o montante em dívida compensado nos termos legais, com créditos que venham a ser-lhe atribuídos, seguindo-se na falta ou insuficiência destes, a instauração do processo de execução fiscal, com vista à cobrança coerciva do valor em dívida, no qual serão pedidos, além do capital, os juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento».
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E decorre do ponto 25.º, que os valores que a Autora tinha direito a receber a título de RPB - Regime de Pagamento Base foram alvo de compensação com as quantias relativas às 1.ª e 2.ª tranche do apoio (€ 135.269,61), que o IFAP já havia pago, mas entendia deverem ser-lhe devolvidas, em consequência da resolução unilateral do contrato de financiamento.
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Ora, a anulação do ato administrativo que determinou a resolução unilateral do contrato de financiamento teve como fundamento não apenas a violação do direito à audiência prévia («é desde logo evidente (…) que o Réu ora Recorrido, na relação jurídica administrativa que teve/tem com a Autora, omitiu completamente a fase da audiência prévia», p. 54), mas também erro nos pressupostos de facto da decisão ao considerar que a Autora não era detentora das licenças de exploração da atividade pecuária e de utilização das instalações («ao ter prosseguido o entendimento de que a Autora não era detentora daquelas licenças, o Réu incorre em erro, que maculou irremediavelmente a sua decisão final. É que a Autora é titular do “Título de exploração n.º 6791/N/2011, emitido em 26 de maio de 2011 pela DRAP do Norte (…) e o Réu [nem a DRAP do Norte] não provou, e muito menos invocou/alegou que a mesma já não fosse titular desses documentos habilitacionais, designadamente porque ocorreu o termo da sua validade», p. 58), e violação da lei por violação dos pressupostos de direito ao considerar ter havido incumprimento contratual legitimador da resolução unilateral do contrato («não vem de todo documentado nos autos que a Autora não tenha mantido esse compromisso [manter a atividade e as condições legais para o exercício da mesma, durante o prazo de cinco anos a contar da data da celebração do contrato, ou até ao termo da operação, se tal termo ultrapassar os cinco anos]», p. 64, «sendo patente nos autos que a Autora realizou as obras a que se propôs e, de outro modo, que não “desencaminhou” o montante do financiamento que lhe foi prestado pelo Réu», p. 72).
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A anulação judicial do ato administrativo constitui a Administração no dever de dar execução à anulação do ato anteriormente praticado, nos termos do artigo 173.º do CPTA.
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Em face do teor desta norma, tem sido pacificamente aceite na doutrina e na jurisprudência que a sentença anulatória de um ato administrativo, a par do efeito constitutivo (que consiste na invalidação do ato impugnado) e do efeito conformativo (que exclui a possibilidade de a Administração reproduzir o ato com os mesmos vícios individualizados e condenados pelo juiz administrativo), produz também um outro efeito, o da reconstituição da situação hipotética atual (também chamado efeito repristinatório, efeito reconstitutivo ou reconstrutivo da sentença), podendo os interessados recorrer ao tribunal, em sede de execução de julgados, para obter a especificação do conteúdo dos atos e operações a adotar pela Administração e o prazo para a sua prática (efeitos ultraconstitutivos da sentença de anulação).
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Não restam dúvidas, portanto, de que anulado judicialmente um ato administrativo, essa anulação constitui a Administração «no dever de dar corpo à modificação operada pela sentença, praticando os atos jurídicos e realizando as operações materiais necessários para colocar a situação, tanto no plano do Direito, como no plano dos factos, em conformidade com a modificação introduzida» (MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Anulação de atos administrativos e relações jurídicas emergentes, Coimbra: Livraria Almedina, 2002, p. 39 ss.).
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Se a Administração não cumprir o seu dever de reconstituição da situação hipotética e praticar atos jurídicos que contrariem o sentido e o alcance da decisão anulatória transitada em julgado, o particular vencedor na ação de anulação poderá, em execução de sentença, obter a declaração de nulidade dos referidos atos consequentes, assim como a especificação, pelo tribunal, das operações materiais que devam ser realizadas em cumprimento do veredicto anulatório.
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Se os atos jurídicos e as operações desconformes forem praticados antes do trânsito em julgado da sentença anulatória – por hipótese, na pendência da ação de impugnação do ato administrativo mais tarde declarado ilegal e anulado – caberá ao tribunal que profere a decisão anulatória, no âmbito dos seus poderes de cognição, apreciar a validade de tais atos, declarando-os nulos (invalidade consequente ou derivada) e impondo à Administração o dever...
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