Acórdão nº 094/22.8BCLSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução10 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO O MUNICÍPIO DE LISBOA, com sede nos Paços do Concelho, Praça do Município, em Lisboa, devidamente identificado nos autos, inconformado com o acórdão do TCA-Sul que lhe indeferiu o pedido de redução de honorários que foram fixados pelo Tribunal Arbitral, constituído para dirimir o litígio entre si e a Associação Centro Cultural e Desportivo ……, em que é contra-interessada a Junta de Freguesia de …….

, dele recorreu para este STA, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões: «

  1. O TCA Sul indeferiu o pedido de redução dos honorários da formação arbitral em causa nos presentes autos com fundamento em duas razões de direito. A primeira traduz-se no entendimento segundo o qual “as disposições da LAV não são aplicáveis aos processos de jurisdição arbitral necessária que correm no TAD”, atento o “disposto no 61º da Lei do TAD.” A segunda firma-se na conclusão de que, “não sendo aplicável a LAV”, os princípios da proporcionalidade, da igualdade, da razoabilidade e do direito de acesso aos tribunais “não serão atendíveis” no caso em apreço.

  2. Concluiu, deste modo, que, não sendo tais princípios atendíveis, nem se mostrando “suficientemente fundamentados, verificando-se que o processo tem o valor de 1.350.136,40 euros, que foi proferido despacho de saneamento pela formação arbitral, que o montante devido ainda que elevado tem suporte legal e que o Município de Lisboa tem grande capacidade financeira”, impunha-se indeferir o pedido de redução de honorários formulado.

  3. Salvo o devido respeito pelos Senhores Juízes Desembargadores subscritores do aresto sob recurso, tal decisão enferma de um duplo erro de julgamento que se impõe seja corrigido por este Venerando STA: fez errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 61.º da LTAD e 17.º, n.º 3, e 59.º, n.º 1, alínea d), da LAV; e uma interpretação restritiva do âmbito de aplicação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade, da razoabilidade e do acesso aos tribunais, em matéria de redução de honorários nos processos de arbitragem necessária tramitados no TAD, a qual viola o disposto nos artigos 18.º, n.ºs 1 e 2, e 13.º da CRP.

    - Do erro de julgamento na interpretação e aplicação do disposto nos artigos 61.º da LTAD e 17.º, nº 3, e 59.º, nº 1, alínea d), da LAV: D) Segundo o disposto no artigo 61º da LTAD, as regras previstas no CPTA são subsidiariamente aplicáveis nos processos de jurisdição arbitral necessária do TAD, e a LAV, nos processos de jurisdição arbitral voluntária.

  4. No entendimento sufragado no Acórdão recorrido, daqui decorre, automaticamente, que as disposições da LAV não são aplicáveis aos processos de jurisdição arbitral necessária que correm no TAD, posto que, a estes, são subsidiariamente aplicáveis as regras do CPTA.

  5. Mas não é assim.

  6. Em primeiro lugar, o CPTA não contém qualquer disposição que preveja quer a possibilidade da redução dos honorários dos árbitros nos processos arbitrais – necessários ou voluntários -, quer a faculdade de as Partes recorrerem aos tribunais estaduais para obtenção dessa redução.

  7. Assim sendo, estando em causa nos autos a redução dos honorários de formação arbitral constituída para processo arbitral necessário, há que aplicar, subsidiariamente, conforme o disposto nos artigo 1.º do CPTA, o preceituado nos artigos 1136.º e 1139.º do CPC, segundos os quais, se o julgamento arbitral for prescrito por lei especial, deve atender-se ao que nela estiver determinado, sendo que, na falta de determinação, deverá observar-se o disposto naqueles artigos 1136.º a 1139.º e, em tudo o que estes não regulem, a LAV.

  8. Não prevendo a LTAD nem a possibilidade da redução dos honorários dos árbitros na jurisdição arbitral necessária, nem a faculdade de as partes poderem recorrer aos tribunais estaduais para consecução dessa redução, ter-se-á que aplicar nesta matéria o disposto na LAV, conforme determinado nos referidos artigos 1136.º e 1139.º do CPC.

  9. Ora, a LAV, nos seus artigos 17.º, n.º 3, e 59.º, n.º 1, alínea d), prevê expressamente que, não estando a matéria dos honorários dos árbitros regulada em convenção de arbitragem – como na situação dos autos, dada a natureza necessária do processo arbitral em presença -, “qualquer das Partes pode requerer ao tribunal estadual competente a redução dos montantes dos honorários ou das despesas e respectivos preparos fixados pelos árbitros, podendo esse tribunal, depois de ouvir sobre a matéria os membros do tribunal arbitral, fixar os montantes que considere adequados”, sendo que, tratando-se de litígios que “estejam compreendidos na esfera da jurisdição dos tribunais administrativos, a competência para decidir sobre [estas] matérias (…) pertence ao Tribunal Central Administrativo em cuja circunscrição se situe o local da arbitragem”.

  10. Foi, por isso, no estrito exercício dessa faculdade e ao abrigo das disposições legais identificadas, que o Recorrente peticionou no Tribunal a quo a redução dos honorários fixados pela formação arbitral, no processo de arbitragem necessária em causa.

  11. Em segundo lugar, e sem transigir no entendimento acabado de expor, importa realçar que, mesmo admitindo que, por força do disposto no artigo 61.º da LTAD, aos processos arbitrais necessários que correm no TAD é subsidiariamente aplicável apenas o CPTA – conforme parece decorrer do entendimento subjacente à decisão recorrida -, ainda assim, tal não implicaria forçosamente a inaplicabilidade da LAV a tal espécie de processos arbitrais.

  12. É que, conforme resulta das disposições do Título VIII do CPTA, que disciplinam a constituição e o funcionamento dos tribunais arbitrais em matéria administrativa (artigos 180.º a 187.º), é também a LAV que aí se estabelece como a lei subsidiariamente aplicável aos processos arbitrais previstos e regulados nesse Título.

  13. Assim o prevê, nomeadamente, o artigo 181º, nº 1, do mesmo Código, quando dispõe que os tribunais arbitrais constituídos para o julgamento dos litígios em matéria administrativa funcionam “nos termos da lei sobre arbitragem voluntária, com as devidas adaptações.” O) Admitindo que a matéria da fixação das custas do processo arbitral, em que se incluem os honorários dos árbitros (cfr. artigo 76.º, n.ºs 1 e 3, da LTAD), se compreende no âmbito do funcionamento do tribunal arbitral, também à luz do estipulado em tal normativo (artigo 181.º, n.º 1, do CPTA), aplicável ex vi do disposto no artigo 61.º da LTAD, haverá que considerar, subsidiariamente, em matéria de redução de honorários, as regras contidas na LAV.

  14. Consequentemente, não contendo a LTAD, no Título II, que dedica à disciplina do processo arbitral, qualquer disposição que regule a matéria da redução dos honorários da formação arbitral ou que preveja a possibilidade dessa redução mediante recurso aos tribunais estaduais, há também que fazer operar nesta matéria as regras estabelecidas na LAV, aplicando, subsidiariamente, nos termos do disposto nos artigos 181º, n.º 1, do CPTA (ex vi do artigo 61.º da LTAD), o preceituado nos artigos 17.º, n.º 3, e 59.º, n.ºs 1, alínea d), e nº 2 daquele diploma, nos quais, como referido, se prevê que, estando em causa processo arbitral em matéria administrativa, qualquer das partes pode requerer ao TCA em cuja circunscrição se situe o local da arbitragem a redução dos honorários ou das despesas e respectivos preparos fixados pelos árbitros.

  15. Não admitir como juridicamente válido tal entendimento, e, portanto, como subsidiariamente aplicável no caso a LAV, implicará concluir que na jurisdição arbitral necessária do TAD não assiste às partes o direito a recorrerem aos tribunais estaduais com vista a verem apreciada a conformidade do montante dos honorários da formação arbitral com as normas e princípios constitucionais que devem enformar a sua fixação - o que, no presente caso, não só constituiria uma contradição insanável – dado que, a assim se entender, tal deveria ter impedido o Tribunal a quo de conhecer do pedido de redução de honorários formulado pelo Recorrente, por lhe estar vedado o recurso a esse meio processual -; como consubstanciaria uma evidente violação do direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva, de cujo âmbito de protecção os municípios não estão excluídos, tenham ou não grande capacidade financeira (cfr. artigos 20.º e 13.º da CRP).

  16. Considera, portanto, o Recorrente que no Acórdão recorrido se fez errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 61.º da LTAD e 17.º, n.º 3, e 59.º, n.º 1, alínea d), da LAV, o qual deve ser revogado e substituído por outro que, melhor interpretando e aplicando o Direito atendível no caso, julgue procedente o pedido do Recorrente, reduzindo, em consequência, o montante dos honorários fixado pela formação arbitral em causa.

    - Do erro de julgamento por interpretação restritiva do âmbito de aplicação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade, da razoabilidade e do acesso aos tribunais e violação dos artigos 18.º, n.ºs 1 e 2, e 13.º da CRP: S) Mas não só por errada interpretação e aplicação do disposto nos referidos normativos o Acórdão recorrido deverá ser revogado.

  17. Conforme resulta do pedido de redução dos honorários objecto de indeferimento pelo mesmo, tal pretensão teve também por fundamento a imperatividade da consideração no caso dos princípios da proporcionalidade, da igualdade, da razoabilidade e do acesso aos tribunais.

  18. Tal como exposto pelo Recorrente na sua petição, a observância de tais princípios estruturantes do nosso sistema jurídico-constitucional, em matéria de fixação de honorários na jurisdição arbitral necessária, assume especial relevância no presente caso.

  19. Por um lado, porque, conforme vem sendo assinalado na jurisprudência do Tribunal Constitucional (TC) e deste STA, os honorários e as despesas do processo arbitral devem ser fixados atendendo à complexidade das questões decididas, ao valor da causa e ao tempo despendido com...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT