Acórdão nº 2375/21.9T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução10 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora
  1. RELATÓRIO 1. QUINTA DAS COMEIRAS, SOCIEDADE AGRÍCOLA E TURÍSTICA, LIMITADA demandou AA e PAUMAMI – CONSTRUÇÕES, LDA pedindo o reconhecimento a seu favor de direito de preferência quanto o prédio rústico, que identifica, objecto de contrato de compra e venda celebrado entre os Réus.

    Para tanto, alegou que, apesar de ser proprietária de prédio rústico, com área inferior à unidade de cultura e confinante com o prédio rústico vendido pelo 1.º Réu à 2.ª Ré, também com área inferior à unidade de cultura, os termos desta venda não lhe foram previamente comunicados para efeitos de exercício do direito de preferência a que alude o art. 1380.º, n.º 1 do Cód. Civil, direito esse que a Autora diz deter e efetivamente pretender exercer.

    Regularmente citados, os Réus contestaram e deduziram reconvenção conjuntamente.

    Na contestação, defenderam-se impugnando, de forma motivada, factualidade alegada na petição inicial e sustentando a inaplicabilidade do invocado direito de preferência ao caso concreto.

    Em reconvenção (deduzida apenas a título subsidiário para o caso de a acção ser julgada procedente), pediram a condenação da Autora no pagamento do preço real da venda, no valor de € 50.000,00 (i.e., superior ao preço de € 25.000,00 declarado no contrato de compra e venda).

    A Autora replicou, impugnando a matéria fática da reconvenção.

    Concluiu pela total improcedência do pedido reconvencional.

    Finda a fase dos articulados, foi dispensada a audiência prévia e proferido despacho saneador, que admitiu a reconvenção. Procedeu-se ainda à definição do objeto do litígio e à enunciação dos temas de prova.

    Realizada audiência final, veio, subsequentemente, a ser proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu os Réus AA e PAUMAMI – CONSTRUÇÕES, LDA. da totalidade do pedido.

    1. É desta sentença que desaprazida recorre a Autora, formulando, na sua apelação, as seguintes conclusões: 1. O prédio alienado (prédio ...27) é um prédio rústico composto por olival e cultura arvense em Olival, com a área de 37.200 m2; 2. O prédio confinante (prédio ...47), propriedade da R., é igualmente um prédio rústico que inclui parte urbana como complemento à atividade agrícola constituída por «casa de rés do chão para lagar de azeite, dependências, palheiro e logradouro»; 3. As áreas dos terrenos confinantes são inferiores às da unidade de cultura estabelecidas para o local (área da Lezíria do Tejo); 4. Nos termos do artº 1380º, nº 1, do Código Civil, a A. tem direito de preferência na aquisição do prédio ...27.

    2. O 1º R. não informou previamente a A. sobre a intenção de venda do prédio ...27, nem as demais cláusulas do respetivo contrato; 6. O prédio alienado destina-se, única e exclusivamente, a fins agrícolas, não sendo possível dar- lhe outro destino, a não ser que haja alguma alteração ao PDM, ou que tivesse sido deferido pela Câmara Municipal de Santarém algum pedido de viabilização para utilização do terreno para fins diferentes dos agrícolas; 7. Os R.R. não fizeram prova de que o terreno alienado poderia ter outro fim que não o agrícola, competindo-lhes a eles, mais especificamente à 2ª R., fazer prova de que poderiam legitimamente utilizar tal imóvel para outros fins, nomeadamente para estaleiro de construção civil; 8. Antes pelo contrário: – como se comprova da certidão da Câmara Municipal de Santarém ora junta, para tal imóvel não existe, até agora, qualquer pedido de licenciamento; 9. Ora não basta que o adquirente do prédio rústico confinante tenha intenção de lhe dar um fim diferente que não o de cultura, é também necessário que esse fim seja um fim viável e lícito – o que não é o caso; 10. A considerar-se de outra forma, para contornar as regras do ordenamento do território bem como dos interesses de ordem pública, de cariz social e económico, subjacentes ao instituto do direito de preferência na alienação de prédios rústicos confinantes, bastaria que o adquirente declarasse que pretendia destinar tal prédio a um qualquer fim não agrícola, fosse ele qual fosse, mesmo que inviável ou ilegal, como seja, uma urbanização, uma unidade hoteleira, uma fábrica de material bélico, um aterro sanitário, etc.; 11. Assim o facto provado nº 7. deverá passar a facto não provado; 12. Não basta declarar-se a intenção de no prédio rústico adquirido se pretender construir um estaleiro de apoio à atividade de construção civil, era também necessário provar-se – o que não fez – que essa sua intenção subjetiva era lícita e viável.

    3. A sentença recorrida violou o estipulado no artº 1380º do Código Civil, bem como o artº 1381º, alínea a), do mesmo diploma, na medida em que o terreno alienado tem apenas um fim agrícola e não se destina a algum fim que não seja a cultura.

    4. Deve ainda dar-se como não provado o facto 4., de que, para além do preço constante na escritura de compra e venda, a 2ª R. efetuaria obras em instalações do 1º R, obras essas que ascenderiam a 25.000,00 €.

    5. Para prova de tal facto 4., a meritíssima Juiz baseou-se no documento junto a fls. 47 e 48, bem como do depoimento das testemunhas BB, CC, DD e EE; 16. Ora, quanto ao documento de fls. 47 e 48, trata-se de um papel manuscrito, sem qualquer comprovativo da data em que foi escrito e assinado, nem se as assinaturas correspondem às do 1º R. bem como às de quem representa a 2ª R., visto que esta é uma pessoa coletiva, e as assinaturas não foram reconhecidas por quem quer que seja, nem, muito menos, foi autenticado tal documento particular.

    6. Ainda que tal documento tivesse sido elaborado e assinado pelos R.R. antes da celebração da escritura pública de compra e venda, ao considerar-se que o mesmo implica uma obrigação de pagamento do preço da venda do imóvel, em conformidade com o preceituado no artº 879º, alínea c) do Código Civil, o mesmo teria de ser efetuado por meio de escritura pública ou por documento particular autenticado – o que não foi o caso, pelo que não é válido conforme estipula o artº 875º do Código Civil.

    7. Também o comprovativo do preço da compra e venda através dos depoimentos das testemunhas não é o meio próprio para comprovar o preço do imóvel alienado.

    8. Para além do mais, a testemunha BB, a instâncias quer do mandatário dos R.R., quer da meritíssima, quer do mandatário da A., sempre referiu que só teve conhecimento dos factos depois, e através do que lhe contou o Sr. BB, sócio-gerente da R. Paumami, pelo que tal depoimento nada prova.

    9. De igual forma a testemunha CC, que tem uma relação de subordinação jurídica relativamente ao 1º R., é trabalhador deste com as funções de encarregado, refere que o terreno vendido pelo seu patrão não tem condições nem é rentável para ser amanhado, tem muitas pedras e, em resposta ao que o mandatário dos R.R. lhe perguntou, se o preço fora metade em dinheiro, metade em trabalho, respondeu “aí não sei. Depois não sei o que eles acordaram”.

    10. Portanto, também este depoimento não é de molde a fazer prova do preço do imóvel alienado.

    11. Quanto ao depoimento da testemunha EE, irmão do 1º R., muito embora tenha referido que o irmão tinha vendido o imóvel por 50.000,00 €, e que foi pago parte em dinheiro e grande parte em trabalhos, a instâncias da meritíssima Juiz não conseguiu concretizar quais os trabalhos já executados e outros a executar pela 2ª R. como complemento do preço constante na escritura, nem referiu um valor concreto, ou tão pouco estimado, de cada uma desses trabalhos.

    12. Pelo que, também tal testemunho não pode ser valorizado como provando o preço pago pela 2ª R. ao 1º R.

    13. Acresce que a testemunha admitiu saber os preços que correm na zona pela venda de terrenos, tendo referido que os preços variam entre os 7.000,00 € e os 15.000,00 € por hectare, dependendo da perspetiva “se dá para construir ou se não dá” 25. Ora, sendo o terreno vendido um prédio rústico de 37.200,00 € sem grande viabilidade económica para a agricultura, pois que constituído por pedras, e não sendo um terreno para construção, pelo raciocínio desta testemunha, o seu valor rondaria os 26.040,00 €, muito longe, portanto, dos 50.000,00 € que pretendia fazer crer ao Tribunal ter sido o preço da compra e venda.

    14. Quanto ao depoimento da testemunha DD, serralheiro civil que presta há mais de dez anos trabalhos para a 2ª R., refere que efetivamente efetuou trabalhos que lhe foram encomendados pelo Sr. BB, sócio da Paumami, em terrenos que eram do 1º R.; 27. Mais referiu que tais trabalhos foram faturados à Paumami, não constando, no entanto, nos autos quaisquer dessas faturas ou orçamentos discriminados com os trabalhos efetuados ou a efetuar pela 2ª R em prol do 1º R.

    15. A instâncias do mandatário dos R.R. afirmou que fez por duas vezes serviços nessas condições – a pedido do Sr. BB, nos terrenos do Sr. AA – sendo que um dos trabalhos foi à volta de sete ou oito mil euros e o outro, no valor de oito ou nove mil euros.

    16. Portanto, tais trabalhos teriam ascendido a cerca de dezasseis mil euros, muito distante dos 25.000,00 € que os R.R. afirmam ter sido o valor de tais trabalhos como parte do preço pago pela compra e venda do imóvel em causa.

    17. Os R.R. não lograram provar que o preço constante na escritura de compra e venda não foi o preço real do imóvel transacionado, nem que, a existirem outras contrapartidas válidas e eficazes como preço, o seu valor ascenderia a outros 25.000,00 €.

    18. Pelo que deverá ser dado como não provado o facto 4.

    19. Ao decidir de outra forma, a sentença recorrida, para além, como se disse, ter violado os artºs 1380º e 1381º, alínea a), violou ainda o estipulado nos artºs 342º, 879º, alínea c) e 865º, todos do...

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