Acórdão nº 88/20.8T8FCR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelEM
Data da Resolução09 de Novembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relator: Emídio Francisco Santos Adjuntos: Catarina Gonçalves Maria João Areias Processo n.º 88/20.8T8FCR Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra AA, residente na Rua ..., nº 1 em ... – ... – ..., ..., propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e sua esposa CC, residentes no Bairro ... – ... – ... – ..., pedindo a condenação dos réus: a) A reconhecerem o direito de propriedade do sobre o seguinte prédio: casa térrea com cinco divisões, afecta a habitação sita no Bairro ..., na localidade e freguesia ..., com a área de 46m2, inscrita na matriz predial Urbana de ... sob o nº ...65º e descrita na C.R.P ... sob o nº ...05; b) A restituírem a posse do mesmo aos autores com todos os frutos, valor da utilidade, € 400,00/mês, que produziu ou que possa vir a produzir na pendência da presente acção; c) A desocuparem e reporem a situação anterior a ocupação e utilização havidas; d) A absterem-se de qualquer acto lesivo do direito de propriedade dos autores sobre o referido prédio; e) No pagamento de sanção pecuniária compulsória em valor não inferior a 50,00€/diários por cada dia de atraso na entrega/desocupação/reposição do prédio aos autores; f) No pagamento da quantia de 9 600,00€ a título de danos patrimoniais e da quantia de 1.500,00€ a cada um dos autores, a título de danos morais.

Para o efeito, depois de requerer a intervenção provocada do ex-cônjuge, DD, atenta a natureza do bem reivindicado, alegou em síntese: · Que ela e o ex-cônjuge são donos e legítimos possuidores da casa térrea supra descrita; · Que o filho deles, autores, permitiu aos réus a utilização para sua habitação do referido prédio tudo sem conhecimento e consentimento dos autores; · Que os réus não são detentores de qualquer título, autorização ou consentimento que legitime a referida ocupação e utilização e que, advertidos pelos autores, para a sua não utilização e entrega do prédio em causa, há dois anos a esta parte, os réus referiram que tal propriedade lhe pertenceria e que continuariam a usá-la, recusando-se a sair da referida habitação e fazer a sua entrega aos seus legítimos donos e possuidores; · Que ficaram impedidos, com a actuação dos réus, de utilizar a sua propriedade nomeadamente de a habitar e usar usufruindo das utilidades de habitação que a mesma proporciona em valor, equivalente ao de uma renda mensal no valor de €400,00 mensais ou seja 4.800,00 anuais, num valor global, até à presente data de 19.200,00€; · Que também sofreram incómodos, nervosismo, agitação, causador de insónias e má disposição, danos morais que os mesmos computam, em valor não inferior a € 1.500,00 a favor de cada um dos autores.

Citados, os réus contestaram, por excepção e por impugnação, e deduziram reconvenção.

Na sua defesa arguiram a ilegitimidade da autora e sustentaram que eram eles os proprietários do imóvel em causa nos autos por o haverem comprado à autora há mais de 15 anos e por desde então o tem possuído pelo que, se outro título não tivessem, tê-lo-iam adquirido por usucapião.

Em reconvenção pediram condenação dos autores no reconhecimento de que eles réus eram os proprietários do prédio urbano acima descrito [sito no Bairro ..., na freguesia ..., Concelho ..., composto de casa térrea com cinco divisões, descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob a descrição número ...87, daquela freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ...65, com a área total coberta de 46 metros quadrados, a confrontar do norte e poente com EE e do sul e nascente com rua com o valor patrimonial tributável de € 6 810,65] por o terem adquirido pelo valor global de 15 000,00 (quinze mil euros), valor recebido na íntegra pela aqui autora, e por via desse negócio serem os réus reconhecidos como únicos e legítimos possuidores e proprietários do sobredito prédio urbano.

Pediram ainda a condenação da autora como litigante de má fé em multa e indemnização a liquidar em execução de sentença.

A autora respondeu. Impugnou a alegação de que vendeu o prédio aos autores, bem como o recebimento de qualquer preço; alegou que sendo a venda um negócio formal, a falta de escritura pública acarretava a sua nulidade e que, não sendo ela a única titular do direito de propriedade sobre o imóvel, sempre se estaria perante uma venda de bens alheios, nula nos termos dos artigos 892.º e seguintes do Código Civil.

Pediu no final se julgasse improcedente a reconvenção e se condenassem os réus como litigantes de má-fé em multa e indemnização a favor dela, autora.

DD, ex-cônjuge da autora, foi admitido a intervir nos autos como parte principal ao lado da autora. Citado declarou que fazia seus os articulados da demandante.

O processo prosseguiu os seus termos e após a realização da audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu: 1. Absolver os réus BB e CC dos pedidos deduzidos contra si pelos autores AA e DD; 2. Julgar improcedente o pedido reconvencional deduzido pelos Réus BB e CC e, em consequência, absolver os autores dos pedidos formulados; 3. Condenar a autora AA no incidente de litigância de má-fé no pagamento de uma multa, fixada em 3 (três) Unidades de Conta; 4. Absolver os réus do pedido de condenação como litigantes de má-fé.

O recurso A autora não se conformou com a decisão e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo se declarasse a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, se revogasse a mesma, declarando-se os autores donos e legítimos possuidores do prédio em causa e restituindo-se o mesmo deduzido e, na contrapartida do preço pago, do proveito tido pelos réus em igual valor.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes: 1. Encontrando-se inscrita no Registo Predial a aquisição a favor dos autores, desde 05-05-1994, deriva de tal facto a presunção do direito de propriedade nos titulares inscritos, os autores, por força das disposições conjugadas dos artigos 1259.º, 1260.º/2, 1268.º e 1294.º do C.C e 7.º do C.R.P e, não tendo tal presunção sido ilidida pelos réus deverá ser declarada o direito de propriedade nas pessoas destes; 2. Sendo a posse sobre o imóvel em causa titulada, 1259.º e 1260.º/2 do C.Civ., atendendo ao seu tempo de duração ( 1994- 2008, 14 anos), os A.A adquiriram também a propriedade por usucapião tendo em conta o disposto no artigo 1294.º do C. Civil, presunções também não ilididas pelos réus, pelo que também tal deveria e deverá ser declarado.

  1. Assim que, quer pelo referido em ambas as anteriores conclusões, a propriedade do imóvel em causa deveria ser declarada a favor dos A.A, nos termos das citadas normas legais e dar-se como provado os factos declarados como não provados em em a) e também a sua aquisição por usucapião nos termos em 1 e 2 das presentes conclusões; 4. Uma aquisição, não titulada, conhecida a non domino pelo comprador, como é a dos autos, será sempre uma aquisição de má-fé, pois é feita com conhecimento da lesão do direito deste e terá um prazo de usucapião, o previsto no art.º 1296.º do Código Civil - 20 anos.

  2. Por outro lado, quer por a alegada venda configurar em relação ao autor DD uma venda a non domino é a mesma nula nos termos do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 892.º, 287.º do Código Civil e tem por efeitos os prescritos nos Artigos 289º e 894.º do C. Civ., nulidade invocada e de conhecimento oficioso, que deveria e deverá ser declarada; 6. Ainda e também, a alegada venda será sempre nula por falta de forma nos termos do disposto nos artigos 875.º, 294.º do C. Civ, com os efeitos já vistos do art.º 289.º Código Civil nulidade também ela invocada e de conhecimento oficioso, que deveria e deverá ser declarada; 7. Como consequência de tal nulidade (289.º do Código Civil) resulta a restituição do recebido, no entanto, e como definido no artigo 894.º/2 C. Civ, ou seja, o preço aqui a restituir deverá ser deduzido no proveito tido pelo comprador em valor igual ao recebido que corresponderá a um valor mínimo não inferior ao de uma renda de 104.16€ /mensais durante doze anos; 8. Não litiga de má-fé quem alegando factos não os consegue provar, nem tal integra o conceito de má-fé consagrado no art.º 542.º C.P.C, pelo que se não justifica a condenação da autora nessa qualidade, devendo tal decisão ser revogada; 9. A Sentença em causa ao não apreciar os factos submetidos com a acção de reivindicação (1311.º Código Civil) ao seu escrutínio, alegados e que lhe competia apreciar oficiosamente, violou o disposto n.º 2, do artigo 608.º, do CPC, sendo causa de nulidade da sentença em causa, nos termos do disposto no artº 615º, nº1, al. d) até porque existe nos autos documento de prova plena, o Registo Predial, não posto em causa que implicava decisão sobre os mesmos, que ao não existir, constitui nulidade da sentença proferida que deverá ser declarada; 10. Até porque o fundamento da presente acção de reivindicação é o reconhecimento da propriedade e a consequente restituição da coisa objecto do mesmo, como definido no artigo 1311.º do Código Civil e a sentença ao não se pronunciar sobre tal pedido, a coisa não é uma coisa sem dono, tem de ter dono, é nula pois violou o nº 2, do artigo 608.º, do CPC, sendo causa de nulidade da sentença em causa, nos termos do disposto no art.º 615º, nº1, al. d); Os réus não responderam ao recurso.

    No despacho liminar o ora relator entendeu que o pedido de reconhecimento do direito de propriedade e o de restituição do prédio eram susceptíveis de serem considerados abusivos à luz do artigo 334.º do Código Civil e da realidade julgada provada.

    Em cumprimento do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, foram as partes notificadas para se pronunciarem sobre a questão.

    Os réus, recorridos, alegaram que existe abuso de direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto...

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