Acórdão nº 739/22 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução04 de Novembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 739/2022

Processo n.º 600/22

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo - Sul, a recorrente A., S.A, interpôs recurso de constitucionalidade, com fundamento no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC), insurgindo-se contra acórdão daquele Tribunal, proferido em 24 de março de 2022. A Decisão Sumária n.º 492/2022, que conheceu do recurso, não julgou inconstitucionais as normas ínsitas nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do regime jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.° 83°-C/2013, de 31 de dezembro.

2. Desta decisão, a recorrente apresentou reclamação para a conferência, ao abrigo do preceituado no artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, da qual consta que:

«1. Segundo a Decisão Sumária, o Tribunal Constitucional (TC) já apreciou a inconstitucionalidade das normas objecto do presente recurso em vários Acórdãos e Decisões Sumárias, nos quais se decidiu pela não inconstitucionalidade das normas ínsitas nos artigos 2º. 3º, 4º, 11° e 12° do regime jurídico da "Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético" (CESE).

2. A Decisão Sumária reclamada foi, assim, proferida ao abrigo do n.° 1 do artigo 78º-A da Lei do TC: para o Relator dos autos, a questão colocada pela Reclamante é uma "questão simples, designadamente por a mesma já ter sido objecto de decisão anterior do Tribunal

3. A ora Reclamante não ignora a jurisprudência a que o TC alude.

4. Porém, entende que essa jurisprudência - constante do Acórdão n.° 7/2019 e de outros que, citando-o, se debruçaram sobre a CESE de 2014 - está longe de ser representativa do sentido actual da jurisprudência deste Tribunal, designadamente no que respeita ao critério de justificação da CESE.

5. No entendimento da Reclamante, apesar de esta jurisprudência ter ido também no sentido da validade da CESE, a sua argumentação suscita a necessidade de outra interpretação da validade constitucional da CESE, impedindo que a questão dos presentes autos seja dirimida por mera Decisão Sumária e simplesmente por remissão para um aresto que não é a última palavra acerca do tributo contestado.

COM EFEITO:

6. Actualmente, o TC justifica a validade da CESE com as condições de emergência financeira em que a República Portuguesa se encontrava em cada um dos anos apreciados.

7. Em concreto, o TC justifica a CESE com:

• a situação de rescaldo do PAEF, durante o qual Portugal permanecia num contexto de fragilidade das contas públicas; e

• a manutenção do procedimento por défice excessivo, previsto no artigo 126° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

8. Relativamente à CESE dos anos de 2015 e 2016, podemos referir as Decisões Sumárias n.°s 358/2021 e 422/2021 e os Acórdãos n.°s 436/2021, 437/2021, 438/2021, 513/2021 e 532/2021.

1º.

Neste último Acórdão lê-se o seguinte (sublinhados e negritos nossos):

«Recorde-se, de resto, que «os fatores conjunturais que justificaram o juízo de não inconstitucionalidade que consta do Acórdão n.0 7/2019» perduraram após o ano de 2014, tal como este Tribunal viria a reconhecer em diversas circunstâncias (v., v.g., os Acórdãos n.° 430/2016, 41/2017 e 395/21). Esclareceu-se, designadamente, no Acórdão n.° 41/2017 o seguinte (v. o n.° 17):

«Apesar de o PAEF ter findado oficialmente em maio de 2014 - e de a premência do interesse público na consolidação orçamental se ter tornado, nessa medida, menor -,

nem por isso se pode dizer que a conclusão daquele programa tenha dado imediato lugar a um quadro de normalidade financeira, excludente do cabimento de quaisquer medidas excecionais, mesmo que em versão mitigada. Pelo menos na fase de transição em que o ano de 2016 se inclui ainda, é de reconhecer por isso ao legislador nacional uma margem de conformação que, num quadro de normalidade, se encontra, no que respeita à relação da República com as regiões autónomas, sensivelmente diminuída.

Por outro lado, e mais decisivamente ainda, o ano de 2016 continuou a ser um ano orçamentalmente condicionado pela pendência do procedimento por défice excessivo, previsto no artigo 126." do TFUE.

De acordo com o que viria a resultar da Recomendação do Conselho de 12 de julho de 2016 - uma «recomendação específica por país» (country-specific recommendation) emitida ao abrigo do artigo 126.°, n.° 7, do TFUE e prevista no âmbito da vertente corretiva do Pacto de Estabilidade e Crescimento (cff., em particular, o Regulamento (CE) n.° 1467/97 do Conselho, de 7 de julho) -, Portugal não havia cumprido o prazo de 2015 para a correção do défice excessivo, pelo que, existindo o risco de vir a falhar as "disposições do Pacto de Estabilidade e Crescimento", deveria adotar "medidas adicionais em 2016 e 2017", tendo em vista uma "correção sustentável do défice excessivo" de modo a situá-lo em 2,2 % do PIB em 2016, conforme previsão do Governo no seu Programa de Estabilidade de 2016. Na sequência da referida Recomendação, a Decisão do Conselho de 8 de agosto de 2016, (Council Decision (EU) of giving notice to Portugal to take measures for the deficit reduction judged necessary to remedy the situation of excessive deficit) acabou por impor ao Estado português a obrigação de pôr termo ao défice excessivo até final de 2016, reduzindo- o para 2,5% do PIB.»

9. Quanto a 2017, podemos citar o Acórdão 736/2021, à semelhança do que faz a Decisão reclamada (igualmente com sublinhados e negritos nossos):

«Concretamente no que respeita a 2017 importa notar que, aquando da aprovação da Lei n.° 42/2016, de 28 de dezembro, Portugal ainda se encontrava sob o procedimento de défice excessivo. Ademais, em 12/07/2016, o Conselho Europeu decidiu, nos termos do artigo 126.°, n.° 8, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), que Portugal não tinha tomado medidas eficazes em resposta à sua Recomendação de 21/06/2013 e, em 08/08/2016, adotou uma decisão em que notificava Portugal para que tomasse as medidas consideradas necessárias para corrigir a situação de défice excessivo, fixando um novo prazo para a correção até 2016, nos termos do artigo 126.°, n.° 9, do TFUE, fixando a data-limite de 15/10/2016 para que fossem tomadas medidas eficazes - cfr. considerando (4) da Decisão (UE) 2017/1225 do Conselho, de 16/06/2017, que revoga a Decisão 2010/288/UE sobre a existência de um défice excessivo em Portugal.

Neste conspecto, para que a Comissão Europeia pudesse ter concluído, como concluiu, em 16/11/2016, que "[...] Portugal tinha tomado medidas eficazes, em cumprimento da Decisão do Conselho de 8 de agosto de 2016, ao abrigo do artigo 126.°, n.° 9, do Tratado" [cfr. considerando (5) da Decisão (UE) 2017/1225] teve de atender às opções tomadas sobre o exercício orçamental (ao tempo, futuro) de 2017. Dito de outro modo, o esforço para pôr termo ao procedimento por défice excessivo prolongou-se por 2017, desisnadamente através das medidas orçamentais destinadas a visorar durante esse ano, entre as quais a manutenção da CESE.

O procedimento por défice excessivo só veio a cessar em 16/06/2017. por força da referida Decisão (UE) 2017/1225, ficando o Estado português adstrito "[...] à vertente preventiva do Pacto de Estabilidade e Crescimento e [devendo] concretizar o seu objetivo orçamental de médio prazo a um ritmo adequado, respeitando nomeadamente o valor de referência para as despesas, e cumprir o critério da dívida nos termos do artigo 2.°, n.° 1-A, do Regulamento (CE)n.° 1467/9T.

Assim, e em síntese, tendo em conta as obrigações internacionais a que Portugal ainda se encontrava vinculado em 2017 - quadro temporal relevante para apreciação do complexo normativo sub judice -, deve considerar-se transponível para esse período o juízo de viabilidade constitucional da CESE afirmado na jurisprudência citada, designadamente no que respeita à aceitação do seu caráter extraordinário.»

10. Antes de mais, analisada esta jurisprudência, o que importa sublinhar é que hoje o TC dá apenas uma justificação para a CESE - e essa justificação é a necessidade de consolidação orçamental.

11. Esta circunstância transporta significados importantes para o caso vertente:

EM PRIMEIRO LUGAR:

12. Desde logo, implica necessariamente que a CESE deve ser considerada naqueles anos (pelo menos) como um verdadeiro imposto (isto é, um tributo cobrado para os fins gerais dos impostos) e apreciada nessa qualidade, de acordo com os princípios e todas as considerações que a Reclamante expende nos autos e que melhor poderá desenvolver nas suas alegações, quando para tal notificada em caso de deferimento da presente Reclamação.

13. As razões perlas quais o TC tratou a CESE como uma contribuição financeira, no Acórdão n.° 7/2019, foram assim ultrapassadas pelo próprio Tribunal.

EM SEGUNDO LUGAR:

14. Seja como for, independentemente do exposto, o que o Tribunal faz é reconhecer que a CESE em nada contribui para o objectivo principal da medida, aquele que não só esteve na mente do legislador como constituiu a justificação da atribuição do carácter extraordinário e da natureza dogmática de contribuição financeira - a sustentabilidade do sector energético, através fundamentalmente da redução da dívida tarifária do SEN.

15. De facto, convém lembrar que, segundo o n.° 2 do artigo 1º do regime da CESE, "a contribuição tem por objectivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético"....

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