Acórdão nº 748/22 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução04 de Novembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 748/2022

Processo n.º 408/20

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1 . Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Norte, em que é recorrente A. e recorrida a Autoridade Tributária – AT, foi pelo primeiro interposto recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC), da decisão proferida por aquele tribunal, em 10 de outubro de 2019, pretendendo ver apreciada a dimensão normativa ínsita no artigo 48.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária, interpretado no sentido de que a contagem do prazo de cinco anos para citação do responsável subsidiário só se inicia a partir do termo do ano em que se verificou a liquidação e também só termina no fim do quinto ano após aquela data.

Trata-se, no processo a quo, de reclamação judicial, proposta pelo ora recorrente, visando a impugnação do ato do órgão de execução fiscal que indeferiu o pedido de conhecimento de prescrição da dívida exequenda, referente ao IRC do ano de 2007, no valor de 3.126.696,35 euros.

2 . Subidos os autos, as partes foram notificadas para apresentar as suas alegações. Atendendo a tal despacho, o recorrente sustentou, conclusivamente, que (fls. 332-343, verso):

«A. O órgão recorrido aplicou a norma constante do n.° 3 do artigo 48.° da LGT - cuja inconstitucionalidade material havia sido oportunamente suscitada durante o processo judicial -, segundo a qual a não produção de efeitos quanto ao devedor subsidiário (revertido) das causas de interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal só ocorre se a citação do responsável subsidiário for efectuada após o quinto ano posterior ao ano da liquidação.

A. Tendo sido citado para o processo de execução fiscal a 12 de Fevereiro de 2016, mesmo quando a liquidação da dívida exequenda havia sido emitida a 9 de Fevereiro de 2011 (mais de decorridos cinco anos a partir da data da liquidação), não vislumbrou o Tribunal a quo «duas situações semelhantes respeitantes a devedores subsidiários, mas em que as datas da liquidação do imposto e da citação diferem alguns dias, ou seja a situação factual difira entre ambos, possa originar uma situação capaz de justificar uma protecção constitucional à luz do princípio da igualdade que se traduzisse num tratamento igualitário»; sendo que «a utilização do critério dos anos civis para o início da contagem do prazo de prescrição (em alternativa ao critério do momento em que as dívidas fiscais se tornem exequíveis, segundo os diferentes prazos previstas nos diversos regimes jurídicos dos impostos), como meio de simplificação procedimental e aumento da segurança jurídica, afigura-se um critério juridicamente válido, compaginável com o princípio do Estado de Direito e que não merece censura», logo essa solução não seria desproporcional (Acórdão recorrido).

B. Nesta sede e momento, encontra-se estabilizado no processo que o conteúdo do n.° 3 do artigo 48.° da LGT estabelece que na contagem do prazo em apreço relevam os cinco anos (civis) posteriores ao ano (civil) em que os serviços competentes emitiram a liquidação. Considera, então, o Recorrente que esta norma é inconstitucional por ser contrária aos axiomas constitucionais da igualdade tributária e da proporcionalidade - ao promover arbitrariamente um tratamento desigual de situações iguais (rectius, por discriminar responsáveis solidários em situações mais que comparáveis) - motivo pelo qual interpôs recurso deste Acórdão para o Tribunal Constitucional.

C. A prescrição tributária é o instituto jurídico pelo qual se extingue o direito do credor tributário de poder exigir o cumprimento de determinada obrigação tributária ao devedor originário ou a um outro responsável tributário, sendo que esta obrigação apenas se constitui com a ocorrência do facto tributário, razão pela qual o início do prazo prescricional se reporta a este evento, sendo irrelevante o momento em que se efectiva a liquidação do tributo, salvo para os efeitos previstos no n.° 3 do artigo 48.° da LGT.

D. Daí que no n.° 3 do artigo 48.° da LGT se tenha instituído a figura da «solidariedade do prazo» entre devedores originários, solidários e subsidiários, mas com a seguinte limitação relativamente aos responsáveis subsidiários: «[a] interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5.° ano posterior ao da liquidação». Quer dizer, o legislador veio restringir a eficácia do efeito interruptivo quanto ao devedor principal se o revertido vier a ser citado para além daquele prazo de cinco anos legalmente previsto, com vista a garantir a certeza e a segurança jurídicas dos responsáveis subsidiários.

E. A letra da lei parece favorecer fiscalmente os responsáveis subsidiários, supostamente para proteger estes últimos de prazos prescricionais ad eternum, em virtude de causas interruptivas quanto ao devedor originário. Não se contesta que o interesse que o nosso legislador tenha pretendido acautelar seja o da tutela da legítima confiança dos responsáveis subsidiários, para lá do prazo de cinco anos; mas então, a essa luz, não pode a finalidade diferenciadora entre os vários responsáveis tributários, isolar e agravar fiscalmente uns devedores subsidiários, em detrimento de outros.

F. O suposto interesse que justificaria a entorse à igualdade e à proporcionalidade (na perspectiva da AT, de arrecadação de receita tributária; e na óptica do Tribunal a quo, de «simplificação procedimental e aumento de segurança jurídica») é acautelado pela utilização do cômputo de anos civis de forma desnecessária, desadequada e excessiva, marginalizando alguns responsáveis subsidiários que são merecedores de igual protecção fiscal.

H. Cingindo-nos ao ponto nevrálgico destes autos, cumpre saber se o n.° 3 do artigo 48.° da LGT é materialmente inconstitucional à luz dos princípios constitucionais fiscais da igualdade e da proporcionalidade quando estipula que aqueles cinco anos apenas teriam decorrido a partir do ano de 2017, isto porque a citação do Recorrente «ocorreu no 5.° ano posterior ao ano liquidação e não após o 5.° ano posterior ao da liquidação».

I. A jurisprudência constitucional relevante sobre os princípios da igualdade e da proporcionalidade desenvolveu a denominada fórmula da «proibição do arbítrio» como um constitui um critério de controlabilidade judicial do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.° da CRP que não põe em causa a liberdade de conformação do legislador ou a discricionariedade legislativa, operando essencialmente pela negativa, e, como tal, censurando os casos de flagrante e intolerável desigualdade. O Tribunal Constitucional foi igualmente recortando o conceito de «igualdade proporcional» com vista a dar resposta à necessidade, imposta por razões de natureza dogmática, de adaptar o princípio da proporcionalidade à estrutura característica do princípio da igualdade.

J. Os dois conceitos são de vital importância no caso dos presentes autos, pois patenteiam de forma particularmente impressiva a violação da igualdade que está em causa: por um lado, fica evidente do que vem dito atrás que a discriminação negativa dos responsáveis subsidiários em função das datas das liquidações de imposto é desprovida de qualquer fundamento racional e materialmente atendível (é uma completamente arbitrária); por outro lado, é notório que as eventuais razões para a desigualdade de tratamento não são, de modo algum, minimamente proporcionais à sua dimensão (por «alguns dias», o prazo prescricional da dívida exequenda dilata).

K. É igualmente indispensável um exame ao nível do princípio da proporcionalidade, ainda que intrinsecamente relacionado com a igualdade, com guarida constitucional no n.° 2 do artigo 18.°, nos n.os 4 e 8 do artigo 19.°, no n.° 2 do artigo 28.°, no n.° 4 do artigo 65.°, no n.° 5 do artigo 189.°, no n.° 2 do artigo 266.°, no artigo 270.°, no n.° 2 do artigo 272.° e no n.° 4 do artigo 282.°, todos da CRP, nas suas três vertentes de adequação (a medida adoptada para prossecução do interesse público deve ser apropriada a esse interesse) necessidade (de entre os diversos meios possíveis para a concretização do interesse público, deve ser escolhido aquele que signifique o menor sacrifício para os particulares); e proporcionalidade em sentido estrito (o meio escolhido não deve acarretar custos para os particulares que sejam superiores às vantagens que resultam para o interesse público); que deverá presidir à nossa análise ao modus de contagem do ano civil, empregue pelo Tribunal a quo.

L. Na óptica positiva da igualdade tributária, que se consubstancia numa necessária personalização do escrutínio de igualdade, o n.° 3 do artigo 48.° da LGT do órgão recorrido mostra-se flagrantemente inconstitucional desde logo à luz do denominado «teste do merecimento». Desde logo porque o pagamento do imposto lato sensu é uma obrigação não só moral, mas um dever de justiça porque quem os paga, paga de acordo com a sua capacidade contributiva, no respeito por princípios constitucionais tão caros como o princípio da igualdade material. E se um contribuinte paga imposto, e outro não, em virtude de uma actuação da AT (data em que emite a liquidação de imposto), que depende inteiramente dela, a situação factual em que esses contribuintes se inserem é idêntica, e o primeiro estará a ser onerado, sem qualquer motivo aparente, a não ser enriquecer o erário público.

M. E tal desigualdade de tratamento é ainda mais impressiva quando estão envolvidos responsáveis subsidiários no...

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