Acórdão nº 01626/04.9BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelARAGÃO SEIA
Data da Resolução09 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A……….. S.A., Recorrente nos autos à margem identificados, tendo sido notificada do douto Acórdão proferido em 26 de maio de 2022, o qual negou provimento ao recurso por si interposto, vem, por não se conformar com o mesmo, e ao abrigo do disposto no artigo 285.º do CPPT, dele interpor RECURSO DE REVISTA para Supremo Tribunal Administrativo, a subir nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (cf. artigo 286º n.º 2 do CPPT).

Alegou, tendo concluído: I. Recorre-se da decisão do TCA Sul que rejeitou a impugnação da decisão sobre a matéria de facto efetuada pela Recorrente nas alegações de recurso de 1 de Junho de 2010, por ter entendido que a Recorrente, ao solicitar o aditamento ao segmento fáctico de diversos factos, incumpriu o ónus exarado no artigo 640.º do CPC (ou no artigo 685.º-B do CPC 1961 em vigor à data de apresentação das alegações) de indicar os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão distinta e de evidenciar a relevância para o julgamento da causa dos factos cujo aditamento requereu.

  1. A rejeição da impugnação da decisão sobre a matéria de facto por alegado incumprimento do ónus de impugnação é uma decisão criada ex novo pelo tribunal recorrido sem paralelo com qualquer decisão proferida na primeira instância, pelo que a admissibilidade do presente recurso não está sujeita à verificação dos pressupostos exarados no artigo 285.º do CPPT.

  2. De qualquer forma, as questões objeto do presente recurso inserem-se na problemática da garantia processual do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto e, concretamente, na definição do ónus imposto ao recorrente quando impugna a decisão quanto à matéria de facto.

  3. Visa-se determinar se o ónus imposto ao Recorrente de identificação dos concretos meios probatórios se considera satisfeito se (i) no que concerne a admissão de factos por acordo entre as Partes, o Recorrente identifica no corpo das alegações e respetivas conclusões, o artigo da petição inicial em que o facto foi invocado e o artigo da contestação em que o facto foi admitido (ii) no que concerne a prova documental, o Recorrente identifica no corpo das alegações e respetivas conclusões as fls. concretas dos autos (ou do processo administrativo tributário apenso ao mesmos) em que estão os documentos que, no seu entendimento, demonstram a existência dos factos e explica as razões pelas quais entende que tais factos resultam provados de tais documentos.

  4. Mais se visa determinar se nas situações em que a impugnação abrange a ampliação da matéria de facto, o ónus de identificação da relevância dos mesmos para a decisão da causa se considera cumprido se a Recorrente identifica no corpo das alegações e respetivas conclusões as questões decidendas por si invocadas em primeira instância e no recurso para cuja demonstração considera essenciais os factos cujo aditamento vem solicitar.

  5. Tratam-se também de questões suscetíveis de se repetir em inúmeros casos futuros, concretamente, em qualquer caso em que o recorrente impugna a decisão quanto à matéria de facto.

  6. A intervenção do Supremo Tribunal Administrativo mostra-se ainda necessária para uma melhor aplicação do direito na medida em que o Tribunal Central Administrativo Sul emitiu decisão que contraria jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça (jurisprudência referida infra nas conclusões XIII, XIV, XVI, XVII, XIX).

  7. No presente recurso também se suscita a questão de determinar se nas situações em que a impugnação abrange a solicitação de ampliação da matéria de facto, o recorrente está efetivamente sujeito ao cumprimento do ónus previsto no referido artigo 640.º do CPC 2013 (ou no artigo 685.º-B do CPC 1961), IX. Ou se neste caso, estamos perante invocação da insuficiência da matéria de facto, vício que decorre da alegação de necessidade de ampliação da matéria de facto e que é de conhecimento oficioso pelo tribunal de recurso (artigo 662.º, n.º 2, alínea c), parte final, do CPC 2013, e que, como tal, não está sujeito àquele ónus.

  8. Tal questão referida em VIII e IX é também é decisiva para a delimitação do direito de recurso (porquanto condiciona os elementos que o Recorrente deve incluir nas suas alegações e respetivas conclusões, sob pena de não conhecimento da questão que pretende ver apreciada) e é suscetível de se repetir em todas as situações em que a recorrente solicita a ampliação da matéria de facto selecionada pelo tribunal de primeira instância.

  9. A análise de tal questão pelo STA mostra-se ainda necessária para uma melhor aplicação do direito na medida em que a decisão do TCA Sul é contraditória com a decisão emitida pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 22/03/2018, proferido no processo 290/12.6TCFUN.L1.S1 XII. Estão, por conseguinte, preenchidos os pressupostos de admissibilidade da revista previstos no artigo 285º n.º 1 do CPTA, devendo o presente recurso ser admitido.

    Fundamentos do recurso XIII. Estando em causa uma garantia essencial do direito ao recurso, a interpretação e definição dos ónus impostos ao Recorrente quando efetua a impugnação da decisão da matéria de facto há-de ser conforme aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, não podendo ser impostas exigências demasiado restritivas que, na prática esvaziem de objeto aquela faculdade (Acórdão do STJ de 18-01-2022, processo 243/18.0T8PFR.P1.S1) XIV. Entendimento esse que também resulta do princípio da prevalência das decisões de mérito sobre as formais (Acórdão do STJ de 10-12-2020 processo 274/17.8T8AVR.P1.S1) XV. Decisivo é que a concretização da impugnação seja bastante para que o recorrido possa exercer o seu direito ao contraditório e para que o tribunal de segunda instância possa (re)examinar a questão.

  10. Visando o recorrente uma reapreciação da decisão quanto a determinados pontos da matéria de facto, o que é determinante é que indique nas conclusões quais os pontos que considera erroneamente julgados e qual o sentido que – no seu entendimento – deve ser dado a tais factos, sendo que os demais ónus assumem uma natureza complementar ou acessória em relação àquele, admitindo-se que possam constar não das conclusões mas do corpo das alegações (Acórdãos do STJ de 09-06-2021 processo 10300/18.8T8SNT.L1.S1, de 08-01-2019 – processo 1601/16.0T8STS-A-P1.S2 e de 04-06-2020 - Revista n.º 1519/18.2T8FAR.E1.S1) XVII. No que concerne à identificação dos meios de prova (alínea b) do n.º1 do artigo 685.º-B do CPC 1961 e alínea b) do n.º1 do artigo 640.º do CPC 2013), na prova documental é apenas necessário que o Recorrente indique os documentos que entende sustentarem a sua posição, não sendo exigível que identifique as folhas do processo onde os...

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