Acórdão nº 3311/16.0T8PDL.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelTIBÉRIO NUNES DA SILVA
Data da Resolução10 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I RIVAIS DIRECTOS, CONFECÇÕES E MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO CIVIL, LDA, com os sinais dos autos, intentou acção declarativa comum contra AÇOREANA DE SEGUROS, SA, agora SEGURADORAS UNIDAS, SA, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe: «

  1. A quantia de 280.440,03€ a título de danos de perda e danos referente à mercadoria destruída e danificada pelo incendio a que se reportam os presentes autos.

  2. A quantia de 25.000,00€ a título de danos provocados pelo sinistro nas benfeitorias existentes no estabelecimento comercial da A..

  3. A quantia de 6.000,00€ a título de responsabilidade civil extra-contratual de exploração e assistência ao estabelecimento comercial e função temporária de uso do local arrendado.

d) O que se vier a apurar em liquidação de sentença relativo aos lucros cessantes da A. na exploração do seu estabelecimento comercial desde Janeiro de 2014 até Novembro de 2014.

Tudo acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a data da ocorrência do sinistro até integral e efectivo pagamento.» Alegou, em síntese, ter, no estabelecimento comercial da Autora, denominado “L...”, instalado no rés-do-chão do prédio urbano sito à Rua ..., ..., ..., deflagrado um incêndio, que provocou danos, sendo esse sinistro coberto pelo contrato de seguro, titulado pela apólice nº. ...23, celebrado com a Ré.

A Ré contestou, alegando, em resumo, que o seguro não cobre lucros cessantes ou indirectos nem a privação do uso, o valor do prejuízo quanto à mercadoria deve ser determinado pelo valor de compra excluído o IVA, não estando o sinistro em causa enquadrado nas condições gerais e particulares da apólice.

Refere ainda, entre o mais que aqui se dá por reproduzido, na defesa da improcedência da acção, que o incêndio só pode ter sido provocado por alguém que tenha tido acesso ao estabelecimento em causa a mando e em representação da Autora e, ainda, que, no mínimo, não se pode concluir qual a origem do evento e, portanto, que tenha sido acidental e, consequentemente, seja enquadrável na apólice em causa.

A Autora respondeu relativamente à matéria da excepção, pugnando pela improcedência desta, explicitando que os lucros cessantes foram por si peticionados como indemnização devida pela demora da Ré na conclusão do procedimento e não enquanto incluídos na cobertura da apólice, de acordo com o art. 26º das Condições Gerais da Apólice.

Foi proferido despacho saneador, com fixação, no mesmo acto, do objecto do processo e selecção dos temas de prova.

Realizou-se a audiência de julgamento, sendo proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido.

Desta sentença apelou a Autora, tendo sido proferido acórdão pela Relação de Lisboa, no qual se determinou a ampliação da matéria de facto, anulando-se a decisão proferida.

Após novo julgamento, foi proferida sentença que voltou a julgar a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido.

Recorreu, novamente, a A., tendo sido proferido acórdão que decidiu: «

  1. Alterar a decisão de facto no sentido e medida indicados; b) Revogar a sentença recorrida; c) Condenar a Ré SEGURADORAS UNIDAS, SA, a pagar à Autora RIVAIS DIRECTOS, CONFECÇÕES E MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO CIVIL, LDA, o montante de €305.440,03 (trezentos e cinco mil, quatrocentos e quarenta euros e 3 cêntimos), acrescido de juros à taxa legal indicada desde a citação até integral pagamento; d) Absolver a Ré do demais pedido.» No que se refere a custas, após correcção de lapso, foram elas fixadas pelo seguinte modo (em 15-07-2021): «Custas em ambas as instâncias pela Autora e pela Ré na percentagem do decaimento que são de 2% (dois por cento) e 98% (noventa e oito por cento), respectivamente.» Irresignada, a R. interpôs recurso de revista, concluindo as suas alegações pela seguinte forma: «A) - Alteração da matéria de facto produzida pelo Tribunal da relação de Lisboa.

1. O Supremo Tribunal de Justiça é um tribunal essencialmente para apreciação da matéria de direito, no entanto não deixa de ser um tribunal que decide e reaprecia-se a decisão do tribunal de recurso (da relação) também quanto à matéria de facto e quanto à conformidade dessa decisão de acordo com o direito e de acordo com a sua interpretação que faz das normas vigentes (art.º 682 n.º 1 do C. P. Civil), ou seja sempre que essa reapreciação não estiver dependente ou sujeita ao principio da livre apreciação, como são os exemplos dos depoimentos testemunhais, e puder ser aferida pela contradição existente entre a fundamentação produzida e até entre os factos assentes, globalmente.

2. Sendo um Tribunal que essencialmente decide sobre matéria de direito, também não deixa de poder aferir da legalidade da alteração da matéria de facto no uso dos poderes previstos no art.º 674 n. 3 e 682 ambos do CPC.

3. É esta revisão que se pretende que o STJ faça.

4. Apesar da boa fundamentação das decisões (sentença) proferida pela 1ª instância numa decisão surpresa o douto tribunal da relação altera a matéria de facto, na sua generalidade, arrasa com a matéria assente, introduzindo pelo menos um facto novo, não alegado, e que está em contradição com os factos alegados e confessados pela autora e elimina os pontos 18 a 21 da matéria assente na sentença.

5. Socorrendo-se para o efeito de presunções judicias que desafiam a normalidade dos factos e o raciocínio normal do “bonus pater família“ sem fundamentar ou rebater a argumentação da sentença de 1 ª instância e introduzindo novos conceitos factos que não foram alegados.

6. Ora, o tribunal de recurso não deve substituir-se ao tribunal de julgamento pois embora tenha acesso a todas as (mesmas) provas, não dispõe da vivacidade da imediação sem que para isso tenha evidencias claras que a prova foi mal decidida, tanto mais que aquela resultou de duas audiências de julgamento que acabaram por depor sobre toda a matéria do incendio.

7. Diz-nos o Ac. do STJ, de 31-05-07 a este propósito que «quando a opção do julgador se centra em elementos diretamente interligados com o princípio da imediação, o tribunal de recurso só tem a possibilidade de sindicar a aplicação concreta de tal princípio e de controlar e convicção do julgador da 1a Instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. A atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal por declarações, assenta numa opção do julgador na base da imediação e da oralidade, que o tribunal de recurso só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum.

8. Desde logo e relativamente à matéria alterada pelo aresto objecto do recurso e que concretamente ao descrito em 13 e 17 da matéria que se encontrava assente o tribunal recorrido “a quo” refere o seguinte: “3.3.3. Em consequência, considera-se provado sob os pontos de facto 13 e 17 o seguinte: 13. Todos os dias, AA acendia as velas que se encontravam na prateleira referida em 12., apagando-as quando fechava o estabelecimento comercial.

13.a. No dia 21.12.2013 AA, quando pelas 19h00 encerrou o estabelecimento, extinguiu a chama da vela que se encontrava na prateleira referida em 12., não tendo sido possível apurar se extinguiu totalmente a incandescência do respectivo pavio. (sublinhado nosso) 17. Na zona de início de combustão a iluminação do teto encontrava-se desligada, o ferro de engomar com caldeira acessória não tinha energia dado que a ficha se encontrava fora da tomada e a lamparina de caixa que se encontrava na prateleira sobre a tábua de engomar estava apagada.” 9. Ora, o ponto 13 está claramente em contraditório o ponto 13 a. A vela ou foi ou não foi apagada. Se existe pavio incandescente não foi apagada, nem sequer meio apagada.

10. Acontece que a própria autora alegou que tinha apagado a vela que normalmente e usualmente acendia no estabelecimento, (Art.12 da Petição Inicial.) 11. Apagado só tem um sentido apagar e este facto que foi aceite pela R.

12. Ora a prova por confissão é vinculativa e não pode ser alterado pelo douto tribunal da relação objecto do presente recurso; 13. O douto acórdão violou o disposto no Art.º607 n.º4 do C. P. Civil uma vez que a matéria confessória está sujeita a prova vinculada Art.º607 n.º4) 14. Nem tão pouco pode aquele tribunal aditar outro facto para tirar sentido ao primeiro como fez ao mencionar que a vela ficou incandescente, quando fundamenta nas declarações da autora (AA) que claramente referiu que a vela e o pavio ficaram apagados.

15. A resposta dada pelo Tribunal da Relação sobre factos que não foram alegados e que não integram a causa de pedir é excessivo, pelo que esse facto não poderão ser considerados na decisão, sob pena da violação do disposto no Art.º 264 n.º5 e Art.º 615 n.º1 alínea d).

16. Acontece ainda que tendo o A. confessado que apagou a vela em causa não poderá o douto acórdão vir dar por “não escrito” ou melhor retirar o efeito prático deste facto.

17. O douto acórdão violou o disposto no Art.º607 n.º4 do C. P. Civil uma vez que a matéria confessória está sujeita a prova vinculada Art.º607 n.º4) 18. Senão vejamos, diz o tribunal da relação: “A possibilidade de reacendimento da vela relaciona-se com situações de manutenção da incandescência, apesar da extinção da chama, provocando uma nova eclosão de chama. Entendemos que não resulta categoricamente do depoimento de AA que a extinção da incandescência tenha sido por ela verificada naquele dia e que importa ter em consideração a distinção entre extinção de chama e extinção de incandescência quanto ao acto globalmente indicado como de apagar a vela.

Embora a descrição que fez admita esse sentido. (sublinhado nosso) Por outro lado, a explicação que decorreu em julgamento, permite considerar que a expressão normal “apagar a vela” que constitui a alegação fáctica da Autora na petição, deve ser desdobrada nas duas acções em que se consubstanciam nada impedindo que se considere que a admissão por acordo deve conter essa distinção, permitindo julgar provada uma ou...

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