Acórdão nº 6979/19.1T8VNG.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelFERREIRA LOPES
Data da Resolução10 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Victoria – Seguros, S.A., intentou contra o Condomínio Edifício Cavada Velha acção declarativa com processo comum pedindo a sua condenação a pagar-lhe, por via da responsabilidade civil por factos ilícitos ou, subsidiariamente, do enriquecimento sem causa, a quantia de € 126.000,00, acrescida de juros de mora vencidos, à taxa legal, no valor de € 19.284,03, e vincendos, bem como nas custas do processo.

Alegou para tanto, e em síntese, que despendeu a quantia peticionada no âmbito de procedimento cautelar que o Réu instaurou com fundamentação falsa, e que caducou por a acção principal correspondente ter sido julgada improcedente.

Contestou o R., defendendo não estarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos e excepcionando o caso julgado, por o Supremo Tribunal de Justiça já se ter pronunciado, de modo desfavorável, sobre pretensão que a A. formula neste litígio.

Respondeu a A. pronunciando-se pela improcedência da excepção.

Foi proferida decisão que, julgando procedente a excepção de caso julgado, absolveu o R. da instância.

Inconformada, apelou a Autora com sucesso pois que a Relação do Porto revogou a decisão recorrida, determinando o prosseguimento dos autos.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, condenou o R. a pagar à A. a quantia de € 126.000,00, acrescida de juros de mora vencidos à data da propositura da acção, no montante de € 19.284,03, assim como dos que se tiveram entretanto vencido na sua pendência e vierem e vencer, à taxa legal, até integral pagamento.

Inconformado, o Réu apelou.

O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 04.04.2022, julgou a apelação procedente, revogou a sentença e absolveu o Recorrente do pedido principal; e julgando procedente a excepção de caso julgado, absolveu o apelante da instância do pedido subsidiário (enriquecimento sem causa).

/// Inconformado com tal decisão, a Autora interpôs recurso de revista, concluindo como segue as respectivas alegações: 1. A decisão de facto obriga a concluir pela verificação de todos os pressupostos de que depende a responsabilidade do requerente da providência: ausência de justificação da providência ou sua caducidade por facto imputável ao requerente, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o ilícito e o dano.

2. O acórdão recorrido concluiu pela verificação dos referidos pressupostos, com excepção do nexo de causalidade (sendo errada a decisão quanto a este último requisito).

3. A questão do preenchimento do primeiro pressuposto do art. 374º/1 do CPC (a ausência de justificação da providência ou a sua caducidade por facto imputável ao requerente) estava ultrapassada mesmo antes do acórdão recorrido, pois tanto o acórdão do STJ de 07.03.2019 (Revista nº 5744/15.0...), como o acórdão da Relação do Porto de 23.02.2021 que revogara o saneador-sentença absolutório de 06.07.2020, tinham já concluído pela possibilidade de a A. responsabilizar a R. à luz da referida disposição legal.

4. A factualidade provada - entre outros, os FP 36 i., 45, 46, 35, 36, 6, 7, 8, 9, 11, 12, 14, 15, 16, 18, 20, 22, 19, 47, 44, 23, 33 e, especialmente, 48 - é esmagadora quanto à ilicitude da conduta do R. e à sua culpa.

5. Essa factualidade revela que o R., quando requereu a providência cautelar, estava consciente da antiguidade das patologias do edifício seguro (desde 2009, pelo menos), da causa dessas patologias (implantação das fundações em terrenos compressíveis, determinante do assentamento desses terrenos e dos consequentes danos do edifício seguro, nomeadamente fissuras) e que em 7.1.2014 não ocorrera qualquer sinistro do qual tivessem resultado esses danos; dito de outro modo, naquela altura, o R. já sabia da inexistência do seu alegado direito sobre a A..

6. Não bastando isso, o R., no requerimento inicial da providência, distorceu a realidade, alegando factos inverídicos (nomeadamente ficcionando um sinistro em 7.1.2014 e dando a entender que os danos do edifício foram detectados nessa data – FP 18, 20 e 22) e omitindo factos relevantes (nomeadamente os FP 6 a 9, relacionados com a vistoria de 2013 e a ordem camarária de realização de obras, bem como os assentamentos e os danos já existentes, pelo menos, desde 2009, incluindo o estudo geotécnico realizado nesse ano – FP 19 e 47 –, já para não falar em factos mais antigos, como aqueles a que se reportava a documentação elaborada e enviada pelo R. ao construtor do edifício seguro, relacionada com deficiências detectadas na construção).

7. Acresce que, naquele requerimento inicial, o R. atribuiu as patologias do edifício seguro a duas causas hipotéticas - deficiente compactação do terreno e afectação das fundações do edifício por uma linha de água a Norte deste-, quando já sabia que só a primeira era real (tanto que descartou asegunda na acção principal – FP 33), sendo que nenhuma das duas estava contratualmente garantida (ambas representavam exclusões específicas da cobertura de “Aluimentos de Terras”, a primeira prevista na cl. 2.5.3, Secção I, c) 1. das CGA – FP 5 – e a segunda prevista na cl. 2.5.3., Secção I, c) 2., 2ª parte, das CGA – FP 48 do Processo 5744/15.0...).

8. A factualidade provada mostra que a ilicitude da conduta do R. adveio da violação, em primeiro lugar, do dever de não dedução de pretensões (ou requerer providências) infundadas e, em segundo lugar, do dever de verdade (isto é, de não alegar factos inverídicos e de não omitir factos relevantes), sendo que essa violação foi culposa, como resulta, inequivocamente, do FP 48, entre outros.

9. A aferição do requisito do nexo de causalidade deverá ter por referência essa actuação do Réu.

10. O erro de julgamento apontado pelo tribunal a quo ao tribunal que decretou a providência não apaga a conduta do R., nem a sua responsabilidade, por ter, primeiro, requerido uma providência cautelar que sabia ser infundada (com o inerente risco de procedência) e, depois, alterado e ocultado a realidade.

11. O R. requereu a providência ciente de que não era titular de qualquer direito sobre a A., com o que violou o dever de não dedução de pretensões infundadas, em consequência do que a providência acabaria por ser decretada e a A. condenada no seu cumprimento.

12. Mesmo desprovido de fundamento, qualquer requerimento de providência cautelar tem em vista, naturalmente, o seu decretamento e, tendo este lugar, não pode (aquele requerimento) deixar de ser considerado sua causa adequada, independentemente de o tribunal decidir melhor ou pior (o risco de procedência é inerente à submissão a juízo de uma qualquer pretensão).

13. A providência nunca seria decretada e a A. nunca teria de pagar as quantias mencionadas no nº 53 dos factos provados se o R. não a tivesse requerido, em violação do dever de não dedução de pretensões infundadas (assim, a existência de um nexo de causalidade directo entre o pedido de procedimento cautelar e a sua procedência é indisfarçável).

14. Mesmo que para o decretamento da providência tivesse contribuído um erro de julgamento, este originaria uma situação de concausalidade e não afastaria a responsabilidade do R. para com a A., nos termos do art. 497º/1 do CC.

15. Ainda que se concluísse pela existência de uma única causa directa – o referido erro de julgamento-, o que apenas se admite por mero dever de cautela e de patrocínio, sempre haveria um nexo de causalidade indirecto (não excluído pelo art. 563º do CC) entre a violação do dever de abstenção dededução de pretensões infundadas eo decretamento daprovidência, pois, nesta hipótese, o erro de julgamento teria sido proporcionado pelo pedido de providência infundado, sem o qual não haveria erro de julgamento algum.

16. Além de ter requerido uma providência que, à partida, sabia ser infundada, o R., para obter o seu decretamento, distorceu a realidade, alegando factos inverídicos e omitindo factos relevantes, sendo que esta sua conduta contribuiu ou influenciou o decretamento da providência.

17. Primeiro, o R. ficcionou um sinistro com inegável sucesso, pois o tribunal convenceu-se que, em Janeiro de 2014, ocorrera um aluimento de terras, traduzido no afundamento do terreno na zona das fundações e consequente deformação do terreno junto da base do pilar (provado está que esse sinistro danoso inexistiu - FP 48 -, sendo que a sua alegação pelo R. nos autos de providência cautelar induziu o tribunal em erro e influenciou a sua decisão sobre essa questão, quanto mais não seja porque o inexistente sinistro nunca poderia ter sido julgado provado se não tivesse sido alegado pelo R.).

18. Em segundo lugar, o R., pelaforma(dúbia) como alegou no requerimento deprovidênciacautelar, contribuiu para que, finda a produção de prova (sumária) naqueles autos, subsistissem dúvidas no espírito do julgador quanto à causa das patologias do edifício seguro.

19. Embora conhecesse essa causa (assentamento das fundações devido à sua implantação em terrenos compressíveis)o R., no requerimento inicial daprovidência, em lugardea alegar claramente, apresentou-a como uma de duas causas hipotéticas, assim lançando, injustificadamente, confusão e dúvidas, no espírito de meritíssimo juiz que julgou a providência, sobre a verdadeira causa dos problemas do edifício seguro, as quais não foram dissipadas pela prova sumária produzida naqueles autos, como transparece da fundamentação da decisão da providência.

20. Constituindo as alegadas causas hipotéticas exclusões específicas da cobertura do risco de “Aluimentos de Terras”, nos termos da cláusula 2.5.3. (nº 1 e nº 2, 2ª parte, da al. c) da Secção I) das CGA, e não tendo a prova sumária produzida permitido apurar a causa real das referidas patologias (apenas tendo ficado indiciada a mera possibilidade de essas patologias serem atribuíveis a uma das causas alegadas pelo A. ou à sua combinação - FP 20 dos autos de providência cautelar), o tribunal, face à persistência da dúvida, concluiu pela ausência de prova de quaisquer...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT