Acórdão nº 7740/18.6T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA ABREU
Data da Resolução10 de Novembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO 1.

AA e BB, propuseram ação declarativa, com forma comum, contra Banco BIC Português, S.A., pedindo a condenação do Réu no pagamento da quantia de €50.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos desde 9/5/2016 até integral e efetivo pagamento, e perfazendo os vencidos até 28/2/2018 o montante de €3.583,00, bem como no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de €10.000,00, sendo €5.000,00 para cada um dos Autores, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos desde a citação até integral e efetivo pagamento.

Articularam, com utilidade, que: • São titulares de uma conta de depósitos à ordem junto do balcão de ... do BPN, entretanto incorporado por fusão no Réu; • Foram contactados por funcionários do Réu (então ainda BPN), que lhes solicitaram a alteração das condições de um depósito a prazo de €50.000,00 anteriormente constituído, através da subscrição de um documento em branco pelo Autor, e jamais preenchido; • Foram ainda informados que se tratava apenas de uma transferência de conta, para obtenção de melhor taxa de juro quanto a tal quantia, que constituía grande parte das poupanças dos Autores; • Mais lhes foi assegurado que o produto em causa tinha todas as características de um depósito a prazo, sendo o capital investido integralmente garantido, à data do vencimento, sem qualquer limite ou condição; • O produto apresentado denominava-se “OBRIGAÇÕES SLN RENDIMENTO MAIS 2006”, com o pagamento de juros remuneratórios à taxa Euribor a 6 meses, acrescido de 1,75% e com prazo de vencimento de 10 anos; • Os Autores são pessoas humildes e trabalhadoras, com poucos conhecimentos nas áreas da economia e finanças, sendo meros aforradores, com o perfil de investidores conservadores; • Os Autores viram-se compelidos a conformar-se com os conselhos prestados pelos funcionários do Réu que asseguraram tratar-se de um produto garantido e sem qualquer risco, sendo assim forçados a investir o referido montante de €50.000,00; • Em 9/5/2016, data de vencimento das obrigações, estas não foram pagas aos Autores, também não o tendo sido posteriormente; • Os Autores foram então informados que o risco pelo não pagamento recaía inteiramente sobre a sociedade detentora da totalidade do capital social do Réu e emitente das obrigações, o que nunca lhes tinha sido informado; • A sociedade foi declarada insolvente em junho de 2016, não tendo os Autores expectativa de recuperar as poupanças investidas na obrigação emitida pela mesma.

  1. O Réu apresentou contestação onde invocou a sua qualidade de intermediário financeiro na subscrição do produto financeiro emitido pela sociedade detentora da totalidade do seu capital social, mais invocando o cumprimento de todas as suas obrigações como intermediário financeiro na comercialização da obrigação subscrita pelos Autores, e excecionou a prescrição do direito dos Autores, bem como a caducidade do direito à anulação do negócio por erro, por ter decorrido um ano a contar da cessação do vício, a par da sua ilegitimidade passiva quanto à restituição do que houver recebido, em consequência da anulabilidade, por nada ter recebido dos Autores, apenas atuando como intermediário entre os mesmos e a sociedade emitente das obrigações. Conclui pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido.

  2. Os Autores responderam às exceções, alegando que apenas em 9/5/2016 se aperceberam em definitivo que não teriam a possibilidade de obter a quantia de €50.000,00 que haviam depositado na conta aberta no Réu, que o único contrato que estavam convencidos que existia era o da aplicação dessa quantia num depósito a prazo e nada mais, e que estavam convencidos e acreditavam que a quantia em causa continuava a estar à guarda do Réu. Concluem pela improcedência das exceções invocadas.

  3. Em audiência prévia foi proferido despacho saneador tabelar, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

  4. Teve lugar a audiência final, após o que foi proferida sentença na qual o Réu foi condenado a pagar aos Autores a quantia de €50.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento, mais sendo absolvido do restante peticionado.

  5. Inconformado, o Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A. recorreu de apelação, tendo o Tribunal a quo conhecido do interposto recurso, proferindo acórdão mantendo a sentença proferida em 1ª Instância.

  6. Novamente irresignado, o Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A. insurgiu-se contra o aludido acórdão, interpondo revista excecional, aduzindo as seguintes conclusões: “1. A sentença recorrida conclui erradamente que o Banco-R. não cumpriu os seus deveres de informação aos AA. a propósito da venda de Obrigações SLN 2006, por este instrumento financeiro não ser isento de risco – não ser tão seguro quanto um Depósito a Prazo -, e bem assim quanto à identidade da entidade emitente! 2. O dever de informação previsto no CdVM e que impende sobre o intermediário financeiro, apesar de legalmente previsto em diploma distinto, não diverge do previsto no art.º 77º do RGICSF, constituindo ambos instrumentos de protecção do cliente/investidor nas relações contratuais que se estabeleçam pela entidade bancária ou pelo intermediário financeiro, consoante os casos, sendo certo que o regime de intermediário financeiro assume uma natureza especial em face do regime geral da actividade bancária, quando o Banco é age como intermediário.

  7. Por outro lado, dos factos provados não resulta que o R. não houvesse informado quem era a entidade emitente, sendo que na falta de um tal facto, e porque o ónus recaía sobre os AA., não se pode retirar que efectivamente não tivesse sido dada essa informação, o que restou, pois, por provar.

    Dito isto, 4. O único risco que percebemos existir, e que a decisão recorrida parece pressupor, na emissão obrigacionista em causa é o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso por não ser um instrumento sujeito a negociação em mercado regulamentado, não estaria sujeito à volatilidade dos mercados ou a diferenças de cotação resultantes do valor das diferentes ordens para aquisição e venda dos títulos, e por não ser previsível qualquer risco de liquidez porquanto a procura superava em muito a oferta destes produtos – note-se que esta era a segunda emissão da SLN (depois da emissão de 2006) e à data já haveria outras duas emissões do próprio Banco, e em todas elas a procura superou, por muito a oferta – o que se manteve sempre mesmo depois do período de subscrição no chamado mercado de balcão! 5. Resta, pois, o chamado risco de remuneração e de crédito correspondente à possibilidade de incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO! 6. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos! 7. E este não é objecto de qualquer tipo de obrigatoriedade de advertência ou informação especial. Impor a advertência de um tal risco geral importaria necessariamente o reconhecimento de uma capitis diminutio dos clientes, uma quase inimputabilidade ou incapacidade, impondo ao intermediário financeiro a obrigação de informação de uma evidência.

    Por outro lado, 8. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes! Ou seja, o juízo de avaliação do risco, da sua existência e relevância, tem ele próprio de ser um juízo de prognose póstuma! 9. A verificação do evento em 2016 não pode conduzir por si só à sua previsibilidade ou probabilidade, ou sequer possibilidade efectiva, em 2006! Pelo contrário, 10. Em 2006, a SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., como era dona de várias outras dezenas de empresas nas mais diversificadas áreas de negócio! 11. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN, e sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia ao risco de solvabilidade do próprio Banco – risco de reembolso de um Depósito a Prazo! 12. Em suma, a segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN, e com isso equivaleria a um “produto BPN”.

  8. E não se invoque à discussão o Fundo de Garantia de Depósitos (FGD)como critério de atribuição de segurança aos ditos depósitos a prazo.

  9. É que se por um lado, à data, aquele FGD apenas cobria 25.000,00€ por conta, 15. Por outro, nenhum cliente, e os AA. certamente, efectuava os seus depósitos, fiado na garantia do FGD.

  10. Ou seja, a segurança que os AA., e todos os clientes, associavam a um DP resumia-se à confiança exactamente na solvabilidade do Banco, e nada mais! 17. Era este mesmo pressuposto que assegurava o bom reembolso das Obrigações – razão por que dizer que o produto não tinha risco naturalmente não pode senão ser entendido como a atribuição de um risco mínimo, equivalente ao de um DP.

  11. A afirmação de que a aplicação era isenta de risco, se levada literalmente, apenas poderia prevalecer no já referido caso de se resumir o declaratário não a uma pessoa financeiramente inapta, mas juridicamente incapaz! É que essa afirmação implicaria que alguém acreditasse – como se fosse possível! – que seria possível estabelecer uma qualquer relação jurídica sem risco.

  12. O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente! Tanto assim que os pressupostos de nacionalização do Banco, no Dec. Lei 62-A/2008 d e11 de Novembro são exactamente os previstos para insolvência do Banco - a SLN insolveu, é certo... mas o Banco também! E antes, muito...

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