Acórdão nº 115/16.3T8VNC-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelALEXANDRA VIANA LOPES
Data da Resolução03 de Novembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

As Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam no seguinte: ACÓRDÃO I.

Relatório: A sociedade P. B.

– Unipessoal, Ld.ª intentou o presente incidente de habilitação de cessionário, nos termos do art.º 351.

º do CPC, por apenso aos autos de insolvência de F. J.

, incidente no qual: 1.

A requerente: 1.1.

Alegou como fundamento, em síntese: que, por escrito de 4 de outubro de 2019, adquiriu ao Banco ...

, S.A., entre o mais, os créditos emergentes, bem como suas garantias e acessórios, reclamados pelo referido cedente nos presentes autos, pelo seu montante total de € 16 000 000,00; que o preço convencionado nesse escrito foi pago; que a cessionária e o cedente comunicaram aquele contrato de cessão ao insolvente, respetivamente, por cartas registadas de 07.10.2019 e 18.10.2019, que foram por aquele recebidas; que o insolvente não manifestou oposição à cessão por qualquer forma.

1.2.

Terminou, pedindo que fosse habilitada como credora para todos os efeitos legais, no lugar do cedente Banco ...

, S.

A. e na qualidade de cessionária dos créditos identificados e peticionados nos presentes autos.

  1. O insolvente opôs-se ao presente incidente de habilitação, por exceção e por impugnação: 2.1.

    Defendeu que não é admissível o incidente de habilitação de cessionário por não estarem verificados os pressupostos da habilitação incidental dos arts.351º a 357º do C. P. Civil (não aplicável à ação executiva, de acordo com a interpretação do art.263º/3 do C. P: Civil), em referência à modificação subjetiva do art.262º/a) do C. P. Civil (que enumera como: 1.º a pendência de uma ação; 2.º a existência de uma coisa ou direito litigioso; 3.º a transmissão da coisa ou direito litigioso na pendência da ação por ato entre vivos; 4.º o conhecimento da transmissão durante a ação), tendo em conta:

    1. Que com o encerramento do processo de insolvência deixou de haver processo pendente (art.233º CIRE).

    2. Que a cessão de créditos não transmite uma coisa ou direito litigioso para o requerente/cessionário num processo de insolvência, uma vez: b1) Que as características do processo de insolvência levam a que numa cessão de créditos de um credor primitivo não se esteja perante a transmissão de uma coisa ou de um direito em litígio: que o processo não é de partes, em que o direito subjetivo de um esteja em conflito com o direito subjetivo de outro e deva decidir-se esse conflito, sendo o devedor e os credores sujeitos em volta dos quais o processo de insolvência se desenvolve; que não se está perante um litígio entendido como conflito de interesses privados- sendo que depois do decretamento da insolvência a intervenção dos credores depende da reclamação de créditos, os credores veem modificada a estrutura dos referidos créditos (pelo princípio par conditio creditorum que impõe a comunhão nas perdas resultante da insuficiência do património do devedor) e limitado o uso dos instrumentos para a sua tutela (no exercício do seu direito de ação executiva- art. 88.º/1 do CIRE; na titularidade de certos direitos reais de garantia dos seus créditos, devido à suscetibilidade de extinção dos privilégios creditórios e garantias reais- art. 97.º do CIRE; no recurso a certos meios de extinção das obrigações, nomeadamente os condicionalismos impostos ao exercício do direito de compensação- art. 99.º do CIRE; no recurso a certas providências de conservação do património do devedor, pelos condicionamentos impostos ao direito de instauração de ações de impugnação pauliana- art. 127.º do CIRE; no gozo de certas posições processuais, por força das regras da inatendibilidade, na graduação de créditos, da preferência resultante da hipoteca judicial ou da prioridade da penhora- art. 140.º/ 3 do CIRE), elevando-se os seus interesses a um nível supra individual e adquirindo uma indiscutível dimensão objetiva.

    b2) Que a exoneração do passivo restante, pela sua razão de ser e pelo seu regime, não constitui um litígio que oponha o devedor e os credores, pois: o seu fim é proporcionar um fresh start ao devedor e não a satisfação dos credores da insolvência; a cessão de rendimentos feita no período de cessão deve ser feita ao fiduciário, o único que pode, no final de cada ano do período de cessão, proceder aos pagamentos (sucessivamente: a) ao pagamento das custas do processo de insolvência ainda em dívida; b) ao reembolso das remunerações e despesas do administrador da insolvência e do próprio fiduciário que tenham sido suportadas pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça; c) à distribuição do remanescente pelos credores da insolvência, nos termos prescritos para o pagamento aos credores no processo de insolvência- art. 241º/1 do CIRE). Assim, entende que, inexistindo uma relação substantiva em litígio, está vedado à requerente substituir processualmente o credor cedente através de um incidente de habilitação, o qual tem como condição sine qua non estar-se em presença de uma transmissão, por atos entre vivos, da coisa ou direito litigioso.

    b3) Que apenas é admissível a habilitação em ações declarativas, sendo o processo de insolvência um processo executivo especial (de execução universal e concursal).

    b4) Que a cessão de créditos não é um negócio em si mas o efeito de um dado negócio jurídico causal, sendo necessário a existência e a exigibilidade do crédito (art.578º do C. Civil), o que não acontece neste caso- em que, com a exoneração do passivo restante, o valor do crédito é praticamente nulo, tal como a sua exigibilidade; ao tempo da cessão, quer o Banco ... quer a requerente sabiam que o crédito cedido não tem expressão material, nem pode ser exigido judicialmente com sucesso, levando a que o negócio-base da cessão (a compra e venda do crédito) seja nulo por simulação absoluta (art. 240º do C. Civil), o que lhe pode opor (arts.585º do C. Civil, 286º do C. Civil, 356º/1-a) do C. P. Civil).

    b5) Que a cessão de crédito (decorrente de antiga atividade do Banco …) é feita em fraude à lei, e, nesta medida, é nula (art.280º do C. Civil, arts. 1º/1-a) e 4º/1-a) do RGICSF), uma vez que as cessões (DL n.º 42/2019, de 28 de março) são apenas admitidas quando a cessionária seja uma instituição de crédito ou sociedade financeira sujeita à supervisão e ao controlo do Banco de Portugal ou ainda quando a cessionária seja uma sociedade de titularização de créditos, sujeita à supervisão e ao controlo da CMVM, o que não acontece com a “cessionária” requerente, sendo que, a coberto de um negócio aparentemente legal, se transfere a gestão e recuperação de crédito para uma entidade (a requerente) exterior ao sistema financeiro, que não está autorizada a praticar operações de crédito e escapa à supervisão e controlo do Banco de Portugal.

    b6) Que a requerente (com capital de € 5 000, 00, com volume de negócios de € 30 000, 00, com objeto social de serviços administrativos, sem capacidade económica para pagar € 75 000, 00 ao cedente), age a mando e em representação dos interesses do … e do Banco … (que visam alcançar o controlo da X).

    2.2.

    Alegou e defendeu: que o negócio-base da cessão (a compra e venda do crédito), é nulo por simulação absoluta, na medida em que nem o cedente Banco ... quis vender o crédito, nem a cessionária habilitanda o quis comprar, assim como nem a requerente pagou qualquer quantia nem o Banco ... a recebeu, tudo se resumindo a um expediente fraudulento gizado para tornar mais difícil a posição do devedor insolvente no procedimento de exoneração do passivo restante; que há uma nulidade da cessão de créditos emergente da violação de regra legal imperativa relativa ao exercício de atividade financeira.

    2.3.

    Pediu ainda, a condenação da requerente, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 542.º e seguintes do C. P. Civil.

  2. A requerente apresentou resposta à exceção de I-2 supra, na qual defendeu: que a exposição assenta numa falácia, evidenciada pela existência das normas dos arts. 235º, 233º/7 e 245º/1 do CIRE, pelas quais se verifica que o encerramento do processo de insolvência na sequência da admissão liminar da exoneração do passivo restante visa apenas dar início ao período de cessão de rendimento disponível, tendo em vista satisfazer, no seu decurso, o que for de satisfazer aos credores da insolvência e determinando a final a extinção dos créditos reclamados (arts.239º/3 e 241º/1-d) do CIRE), e conferindo aos credores o direito a, entretanto, exercerem os seus direitos adjetivos relativos ao cumprimento dos requisitos e pressupostos legais da exoneração, quer através do pedido de cessação antecipada do procedimento de exoneração, quer mediante a revogação da exoneração (arts.243º/1 e 246º/1 do CIRE), estando, assim, verificados os requisitos do art.356º do C. P. Civil; que, face aos factos que alega, nomeadamente em relação a ações pendentes, o insolvente tem património significativo, capaz de responder pelos créditos da insolvência; que, tendo tido conhecimento destes factos, considerou poder adquirir uma parte ou a totalidade dos créditos reclamados nos processos de insolvência, para, depois de promovidas as respetivas habilitações, requerer a cessação da antecipada da exoneração do passivo restante, para depois, na medida do possível e mediante o recurso aos mecanismos judiciais adequados, promover a recuperação dos respetivos créditos ou parte deles, não havendo qualquer expediente fraudulento na negociação que estabeleceu com o Banco ... para a aquisição dos créditos; que não existe qualquer nulidade da cessão por violação de regra legal imperativa relativa ao exercício de atividade financeira, pois a cessação não implica qualquer atividade financeira, nem existe qualquer norma jurídica que proíba ou restrinja a compra de créditos que tiveram origem em negócios ou operações bancárias, depois de findos os seus termos; que não foi alegado qualquer facto que permitisse concluir que a transmissão de crédito entre cedente e cessionário teve por concreto e específico fim...

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