Acórdão nº 651/21.0T8OLH.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelM
Data da Resolução27 de Outubro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Sumário: (…) Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo de Competência Genérica de Tavira, AA.

requereu procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais adoptadas em assembleia geral de cooperantes da Cooperativa BB., C.R.L.

, realizada em 07.08.2021.

Alegou que o seu falecido avô era cooperante e titular de três títulos de capital da Requerida, emitidos em 1960. Após o seu falecimento, foi realizada escritura de habilitação, partilha e doação (em 1982), pela qual tais títulos foram adjudicados à sua mãe, que por seu turno os doou ao Requerente. Ademais, requereu à Direcção a sua admissão como membro da Cooperativa, ao que esta não deu resposta, sem qualquer justificação. Entende que tais factos demonstram a sua legitimidade como cooperante.

A Requerida, argumenta, porém, que tais factos não conferem ao Requerente a qualidade de cooperante, que nunca o admitiu nessa qualidade e que assim este não detém a necessária legitimidade para intentar o procedimento.

A decisão recorrida entendeu que, sendo a qualidade de cooperante requisito da legitimidade activa para a suspensão de deliberações sociais tomadas pela assembleia geral de cooperantes, o Requerente não justificou a qualidade de cooperador, motivo pelo qual indeferiu o procedimento.

Interpõe o Requerente recurso e conclui: I. O Mm.º Juiz a quo, apesar da sua exaustiva análise dos requisitos formais para atribuição e reconhecimento da qualidade de cooperador que assiste ao Recorrente, relativamente à Requerida, não apreciou e desconsiderou os documentos consistentes em cartas dirigidas pelo Recorrente à Recorrida, onde formula o pedido de formalização da qualidade de cooperador e junta diversa documentação comprovativa das condições para reconhecimento/atribuição de tal qualidade.

  1. A Cooperativa embora sem negar expressamente a atribuição dessa qualidade, na diversa troca de correspondência que se refere na motivação, junta aos autos, ignorou ostensiva e deliberadamente tal pedido, a que deveria ter respondido, inviabilizando o recurso do Requerente para a assembleia geral, nos termos do disposto no artigo 13.º dos Estatutos e artigo 19.º, n.º 3, do Código Cooperativo.

  2. Este facto, apenas imputável à Cooperativa, não pode ter a virtualidade de coarctar o direito do Recorrente a ser sócio e a exercer os respectivos direitos de sócio e participar na vida da Instituição, como pretende no caso vertente.

  3. Logo, se não lhe foi atribuído o n.º de sócio oportunamente, tal facto só pode ser imputável à Cooperativa aqui Recorrida, não lhe sendo legítimo vir depois dizer falsamente – carta de 16 de Julho de 2021 – que o pedido de formalização da qualidade de sócio não lhe foi dirigido, não foi perfeito ou que lhe foi solicitado outra coisa; devia então ter convidado o Recorrente a clarificar a sua pretensão e a juntar os documentos que no seu entender (da Cooperativa) deveriam naquele caso ser apresentados. Porém, tal pedido de formalização dirigido pelo aqui Recorrente, é inequívoco face ao disposto no artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil, só por má fé se podendo sustentar o contrário.

  4. Ao não o fazer, a Cooperativa agindo com má fé, abusa do direito nos termos do artigo 334.º do Código Civil, actuação ilícita que não pode ser aceite, nem permite consolidar as posições que visa afirmar no seu interesse exclusivo e sem qualquer razão para ignorar os direitos de outrem.

  5. O Recorrente deveria assim ter sido considerado cooperador, e consequentemente com legitimidade para intervir na presente causa, em virtude de haver formulado oportunamente o seu pedido, e apresentado em momento posterior a pertinente documentação, cumprindo os requisitos legais e estatutários, e tal facto deveria ter sido considerado pelo Mm.º Juiz a quo, o que poderia ter sido verificado pelo Tribunal a quo em sede de produção (ainda que sumária) de prova se tal momento tivesse existido.

  6. Aliás, a posição da Cooperativa perante o Recorrente, é uma posição hostil, animada de pura má fé, não interessando à Direcção aceitar a pessoa do Recorrente, por o mesmo vir colocar em causa as diversas ilegalidades que têm vindo a ser praticadas e todo o conjunto de atropelos à Lei e aos mais elementares princípios da correcção, da honestidade, com sério e relevante prejuízo da Instituição, sem que possa ser apresentada qualquer justificação para tanto.

  7. Aliás, só a tentativa desesperada de evitar que os Directores e Presidente da Mesa da Assembleia Geral respondam, perante a Justiça, pelos desmandos cometidos, pelos prejuízos causados à Instituição, tem determinado a cruzada que os mesmos vêm empreendendo por todos os meios (inclusivamente a calúnia e mais as despudoradas falsidades) contra a pessoa do aqui Recorrente, impedindo-o de entrar numa assembleia geral (nem que para isso seja necessário colocar seguranças à porta, o que nunca antes aconteceu), numa tentativa de que o mesmo não possa exercer qualquer direito como sócio daquela instituição.

  8. Na longa correspondência epistolar que tem lugar entre as partes entre 5 de Fevereiro de 2021 (1ª carta de MC) e 16 de Julho do mesmo ano (última carta da Cooperativa), a Cooperativa nunca comunica expressamente ao Recorrente que denegava ou que não reconhecia o direito do mesmo a ser sócio; ao assim proceder, nunca permitiu ao Recorrente exercer o direito de recurso para a assembleia geral, nos termos do artigo 19.º, n.º 3, do Código Cooperativo.

  9. O indeferimento da Providência Cautelar, traduz o perigo do esmagamento definitivo e consequente extinção não só do direito subjectivo do Requerente, a ver reconhecida a sua qualidade de sócio, para a qual reúne os requisitos estatutários, mas também traduz a perda da oportunidade de, através dela se atalhar a uma sequência de práticas irregulares e ilegais no seio da instituição em causa, responsabilizando efectivamente os responsáveis pela gestão danosa da instituição, objectivo esse que seria permitido ser conseguido, através da impugnação ou anulação da deliberação que aprova contas que, não têm qualquer suporte na realidade e que só a total inconsciência e desconhecimento dos membros da assembleia geral, por falta de informação, pode ter permitido a sua aprovação.

  10. Contas essas contabilisticamente insusceptíveis de serem suportadas, por absurda e totalmente desfasadas da realidade, antes traduzindo a prática de crimes. A queda desta Providência, não reconhecendo a legitimidade de um cooperador que pediu a sua regularização, o que a Cooperativa não quis reconhecer, porque achou melhor não o fazer, porque incómodo e perigoso o cooperador, traduz o branqueamento de toda esta actuação escabrosa, consolidando-se a apresentação das contas mais mentirosas de que existe memória e envergonha a memória dos fundadores da Instituição.

  11. A própria Cooperativa não sabe em cada momento quem são os seus sócios e isso pode ser comprovado; o problema já não é só com o cooperador AA.; o critério é o seguinte: se os sócios concordam, são submissos e pusilânimes com as arbitrariedades cometidas pela Direcção, então são sócios; se pelo contrário são insurgentes e recalcitrantes, opositores manifestos à conduta assumida pela Direcção, deixam de o ser, deixando de integrar a respectiva lista de sócios, que varia e flutua à medida das conveniências.

  12. Assim, a Providência Cautelar deve ser admitida, reconhecendo-se matéria que supre a denegada formalização da qualidade de cooperador, conferindo-se a pretendida tutela ao Recorrente.

  13. O Recorrente entende que o Mm.º Juiz, na decisão que proferiu, violou as disposições constantes dos artigos 19.º do Código Cooperativo e 236.º, n.º 1 e 334.º do Código Civil..

Não foi oferecida resposta.

Dispensados os vistos, cumpre-nos decidir.

A matéria de facto apurada na decisão recorrida é a seguinte: 1. Ao CC. pertenceram os títulos de capital n.ºs 1.476, 1.477, e 1.478, cada qual no valor de Esc. 100$00 (cem escudos), emitidos pela Requerida Cooperativa BB., a 1 de Março de 1960, cada qual com a menção “Pertence este título ao Ex.mo Sr. CC.”, subscritos por três directores da Requerida, e dos quais o referido CC. era portador, possuidor e titular.

  1. O referido CC. era cooperante da Requerida Cooperativa BB..

  2. Veio a ser realizada escritura pública de habilitação dos sucessores do referido CC. e...

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