Acórdão nº 396/22.3T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução20 de Outubro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO [1] M. L.

intentou, em 30-01-2022, no Tribunal de Monção – Comarca de Viana do Castelo, contra X, Distribuição de Electricidade, SA, uma acção declarativa, sob a forma de processo comum.

Ao cabo de extensa petição inicial, formulou como pedido o seguinte: “Ser a ré condenada a pagar à autora uma justa indemnização pelos danos (patrimoniais e não patrimoniais) e prejuízos causados na esfera da autora como consequência da actuação supra descrita, nomeadamente, mas não exclusivamente, nos termos do artigo 37 do decreto-lei 43335 e a apurar à posteriori, em sede de execução de sentença.”.

Resumindo, alegou, que é proprietária, desde 1992, de certo prédio urbano, onde tem implantada uma casa, o qual é “atravessado por várias linhas de baixa tensão” que se encontram sustentadas num “poste elétrico” erguido nele.

Ignora se “a servidão relativa à linha de baixa tensão se encontra devidamente constituída ou se, pelo contrário foi estabelecido sem qualquer licenciamento”, sendo certo que, ainda assim, por carta de 27-12-2021, manifestou oposição a tal atravessamento e colocação do poste, nos termos e para os efeitos previstos no artº 51º, nº 2, parágrafo 2, do Decreto-Lei 43335, através da mesma requerendo “que a ré fizesse-lhe uma proposta de indemnização pela redução de rendimentos, diminuição de área da propriedade e demais prejuízos” consequentes.

A ré, em 15-01-2022, respondeu que a rede respectiva está licenciada desde 29-01-2008 e recusou indemnizá-la.

Embora ignore isso, pois que nenhum conhecimento lhe foi dado nem qualquer autorização pedida, nem por si foi concedida para aqueles fins, mesmo que se apure ter sido lícita a descrita actuação da ré, sempre ela responde pelos danos causados a esse título ao abrigo do Decreto-Lei 43335, uma vez que se tratará, então, de servidão administrativa constituída por efeito da declaração de utilidade pública que legitima a sua actuação dispensando-a de autorização do dono do prédio.

Certo é que o prédio “foi invadido” e nele foi colocada a linha à revelia da autora. Tal “resulta numa diminuição da utilidade da propriedade” e “desvalorização do seu preço de mercado”, isto “com o benefício de quem o instalou e explora no seu interesse pessoal e com fins económicos”.

Sempre se verifica, assim, “um enriquecimento da ré à custa da autora, que com tal sofre danos e prejuízos” – invocando, a tal propósito, o disposto no artº 473º, do CC.

Trata-se de “um dano in re ipsa inerente do direito de propriedade e à sua fruição” e “a vários prejuízos resultantes da diminuição da fruição, designadamente perante a impossibilidade de a autora, como era seu desejo, instalar uma piscina e respectivos anexos” no sítio onde está o poste, de fazer “o aumento da área da casa acima dessas linhas” e de proceder à “colocação de árvores altas” para aumentar a privacidade e reduzir o barulho para o interior da “casa, jardim e piscina que pretendia instalar”, tudo de modo a tornar o local “mais aprazível, convidativo e com espaço” para os filhos ficarem lá mais vezes. Em face disso, “chorou e tremeu de tristeza e desde aí não dorme tranquilamente, o que afetou inclusivamente o seu bem-estar social”, além da “angústia e injustiça” que sente pela desvalorização do prédio.

Na contestação, a ré alegou, além do mais, que a colocação do apoio e a sobrepassagem dos condutores de baixa tensão respeita a um troço estabelecido em 1992 destinado a abastecer a moradia da autora a partir de um PTD – Posto de Transformação de Distribuição – licenciado em 28-02-1976, e cuja substituição foi também licenciada em 29-01-2008 no âmbito de contrato de concessão da distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, que detém como operadora da rede eléctrica nacional mas em que se incluem também as redes de baixa tensão, como é o caso da do Município de …, e cuja outorga constitui o título constitutivo da servidão administrativa que onera o prédio da autora.

A constituição de servidão administrativa ao abrigo do contrato de concessão confere à ré, na qualidade de concessionária, o direito de implantar o apoio e fazer sobrepassar o respetivo ramal.

A tal concessão não se aplica o referido regime do Decreto-Lei 43335, mas antes o do Decreto-Lei 26852, cujo artº 27º, nº 1, alínea h), dispensa de licenciamento a instalação de redes de baixa tensão.

Considera que está em causa “a pretensão a uma indemnização pelos supostos danos causados pela constituição de uma servidão administrativa”, pois “a causa de pedir é sem dúvida a afetação de um direito real através da constituição de uma servidão administrativa, mas apenas na medida em que tal afetação é, também, constitutiva de um dever de indemnizar”, por isso não se tratando de acção de reivindicação. A autora alega “a ilegalidade da implantação de um apoio e dos respectivos condutores” e que tal foi feito sem o seu conhecimento e autorização, “pondo em causa a existência e conformidade do procedimento que levou à constituição da respectiva servidão administrativa”. Exercendo a ré a atividade de “operador da rede elétrica de serviço público, na qual se inclui a concessão das redes de baixa tensão” mediante contratos com os Municípios, sendo a outorga do contrato de concessão que lhe confere o “título constitutivo da servidão administrativa que onera o prédio da A.” e pondo “em causa a legalidade da constituição da servidão”, a competência material para dirimir o litígio cabe aos tribunais administrativos. De resto, na instalação e exploração da rede exerce poderes públicos enquanto concessionária.

Com base nessa excepção dilatória pede a sua absolvição da instância.

Respondendo à matéria de excepção, espontaneamente e de novo em longo articulado, a autora, além de sustentar que ao caso continua a aplicar-se o artº 37º, do Decreto-Lei 43335, aduziu, quanto à de incompetência material, que “configurou a ação, no sentido em que é a ré a indemnize pelo estabelecimento de linhas elétricas que ocupam a sua propriedade e que resulta na diminuição da área da mesma e da redução da sua utilização e que consubstânca em responsabilidade civil extracontratual por factos lícitos, não estando em causa qualquer facto praticado pela ré no exercício de poderes administrativos e tão pouco a autora pretende a fiscalização da legalidade dos atos jurídicos praticados pela ré no exercício de poderes públicos”, que “na presente ação não se discute nenhuma questão de cariz administrativo-procedimental, de regime de direito público, não obstante a exploração económica-privada da ré tenha como base uma concessão pública, questão (servidão) que seria sempre uma questão incidental, o que teria de ser suscitado ante a jurisdição administrativa”, mas, neste caso, “apenas e puramente se discute uma questão de direito privado e mesmo para qualquer questão incidental de direito público, seria este o tribunal competente [cf. artigo 91 (1) do CPC]”. O contrário – assinala – levaria ao arrastamento do processo contra os princípios do julgamento justo e equitativo.

Ordenada pela Mª Juíza a sua notificação para, mais uma vez, se pronunciar sobre a mesma excepção, de novo a autora respondeu, reiterando que na acção, face ao pedido e à causa de pedir que devem ser tidos em conta como critério de determinação da competência, se discute apenas relação de direito privado, pois “o que está verdadeiramente em causa […] é que a ré seja condenada a reconhecer o seu direito de propriedade […] sobre o prédio urbano em que instalou a servidão e, perante tal reconhecimento, seja condenada a pagar à autora uma justa indemnização pelos danos (patrimoniais e não patrimoniais) e prejuízos causados na esfera da desta como consequência da instalação de linhas de eletricidade e respetivo poste que as sustenta.” Conclusos os autos em 02-05-2022, seguiu-se decisão, com data de 05-07-2022, julgando procedente, por provada, a excepção dilatória da incompetência material do Tribunal e, consequentemente, absolvendo a ré da instância e condenando a autora nas custas.

Baseou-se a Mª Juíza a quo, para o efeito, depois de discorrer teoricamente sobre a matéria, no entendimento de que, no caso, “discutindo-se nestes autos a legalidade da actuação de um concessionário de serviço público” e no de que “o objecto da acção quanto ao pedido em causa insere-se na competência dos Tribunais administrativos”, à luz de um aresto da Relação de Lisboa que indicou e parafraseou, “impõe-se concluir, sem necessidade de maiores considerações que compete à jurisdição administrativa o conhecimento da acção”.

A autora não se conformou e pretendeu, em recurso per saltum, chamar directamente o Supremo Tribunal de Justiça a pronunciar-se no sentido de reverter tal decisão.

Porém, foi-lhe barrada a porta de acesso, uma vez que, no despacho a que alude o artº 641º, nº 1, do CPC, lhe foi observado – e bem – que o valor fixado à causa (e não impugnado) é inferior ao da Relação (2.000,00€), pelo que aquele foi admitido como de apelação, para esta Relação, a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Como alegações/conclusões do recurso apresentou a recorrente as seguintes: “1. Autora, aqui recorrente, não podendo aceitar a sentença proferida e dela tendo o dever de recorrer, desde logo por força do artigo 9 (2) da lei 91/2019 e dever de patrocínio, vem interpor RECURSO DE REVISTA PER SALTUM, sobre a matéria de direito, tal como enuncia no início deste recurso.

  1. A autora interveniente, aqui recorrentes, intentou a presente ação, onde pediu, a final, a condenação, da ré a pagar-lhe uma justa indemnização pelos danos (patrimoniais e não patrimoniais) e prejuízos causados na sua esfera como consequência da atuação descrita na petição inicial, nomeadamente, mas não exclusivamente, nos termos do artigo 37 do decreto-lei 43335 e a apurar à posteriori, em sede de execução de sentença.

  2. Os factos, de fundo, e que para o que aqui importam, suscitados na petição...

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