Acórdão nº 16107/21.8YIPRT-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA AM
Data da Resolução20 de Outubro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACÓRDÃO Foi proferida nos autos (no Despacho Saneador) a seguinte decisão: “Da prescrição: Em sede de oposição, a ré defendeu-se por excepção, alegando que o direito da Autora a exigir o pagamento se mostra extinto por prescrição, com excepção do que respeita ao valor da factura n.º .......8, relativa a serviços prestados de 1 a 30.09.2020, e da factura n.º .......9, relativa a serviços prestados de 1 a 31.10.2020, nos valores de 2.860,00 Eur. e de 5.045,12 Eur., respectivamente, por terem decorrido mais de seis meses desde a prestação dos serviços até à sua citação.

No articulado de resposta à oposição de 14.04.2021 veio a autora responder à excepção invocada pela ré, alegando, em suma: - tendo em conta o disposto no art. 17.º- E, n.º 7, do CIRE, e porque a ré iniciou PER, onde foi nomeado AJ a 30.07.2020 e homologado o plano a 6/01/2021, o prazo de prescrição esteve suspenso entre 30.07.2020 e 6.01.2021; - durante o ano de 2020, a ré reconheceu perante a Distribuidor de Energia ... a existência do direito/do crédito desta, o que se provará em sede de audiência de discussão e julgamento, pelo deve considerar-se interrompido o prazo de prescrição; - considerando o Regulamento n.º 255-A/2020, de 18.03.2020, que estabeleceu medidas extraordinárias no sector energético por força da emergência epidemiológica Covid-19, o prazo de prescrição da Lei n.º 23/96, passou, de seis para nove meses; - por aplicação dos n.ºs 3 e 4 do art. 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03.2020, entre 12/3/2020 e 3/6/2020, com a entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29.05, os prazos de prescrição e caducidade foram alargados em 82 dias; - por fim, por aplicação do art. 6º-B, n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 4-B/2021, de 1.02, ficaram suspensos os prazos de prescrição e caducidade entre 22/1/2021 e 6/4/2021, com a entrada em vigor da Lei n.º 13-B/2021, de 5.04, pelo que os prazos de prescrição e caducidade foram alargados em mais 74 dias; - o prazo de prescrição a considerar é de 9 meses, e o mesmo esteve suspenso, pelo menos: a) de 12/3/2020 a 3/6/2020, num total de 82 dias (Lei n.º 1-A/2020); b) de 30/7/2020 a 6/1/2021, num total de 160 dias (PER); c) de 22/1/2021 a 6/4/2021, num total de 74 dias (Lei n.º 4-B/2021); - como a acção deu entrada a juízo a 19/2/2021, ainda que se tenha em consideração que a ré foi citada a 3/3/2021, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 323.º do Código Civil, tem-se a prescrição por interrompida decorridos 5 dias da entrada da acção, ou seja, a 24/2/2021; - pelo que, não se verifica a prescrição do direito ao recebimento do preço, pelo menos, da factura ……….9, referente ao período de consumo de 1/8/2019 a 31/8/2019, nem das facturas subsequentes, e, nunca estariam prescritas as três últimas faturas (........61, .......8 e .......9).

Cumpre decidir.

Em face da posição assumida pela ré, a questão suscitada não releva quanto às facturas n.º .......8 e n.º .......9, por serviços alegadamente prestados de 1 a 30.09.2020 e de 1.10.2020 a 31.10.2020, porque aquela reconhece que quanto a estes não se mostra decorrido o prazo para reclamar o valor por aquelas facturas titulado.

Para apreciar a questão suscitada, importa ter presente a seguinte factualidade: - a autora é uma empresa que se dedica à compra e venda de energia, sob a forma de eletricidade, gás e outras, bem como ao exercício de actividades e prestações de serviços afins e complementares daquelas; - a autora emitiu as vinte e três facturas identificadas no requerimento de injunção do n.º ........59 ao n.º ........61, por serviços de fornecimento de gás alegadamente feitos à ré no período de 26.10.2018 a 31.08.2020; - a 19.02.2021, a autora iniciou injunção via tribunais.net, tendo o procedimento sido iniciado junto do Balcão Nacional de Injunções a 22.02.2021 e a pesquisa moradas feita a 23.02.2021, expedindo-se carta para citação a 2.03.2021; - a 3.03.2021, o réu foi citado para se opor ao requerimento de injunção.

Importa assim saber se se verifica a excepção peremptória da prescrição relativamente a parte dos créditos reclamados pela autora na acção (…).

A Lei n.º 23/96, de 26.07 (Lei de protecção dos serviços públicos essenciais) inserida na “ordem pública de protecção”, concretizou a tutela geral do consumidor, criando mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais, designadamente, o serviço de fornecimento de energia. Com a sua entrada em vigor pretendeu-se, inequivocamente, não só salvaguardar o utente das entidades com as quais se vê obrigado a contratar, mas também defendê-lo de si próprio relativamente à possibilidade de sobre-endividamento por consumo de bens que tendem a satisfação de necessidades básicas e essenciais dos cidadãos.

O art. 10.º da Lei n.º 23/96 na actual redacção (dada pelo art. 1.º da Lei n.º 12/2008, de 26/2), estipula que: «1 - O direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação. 2 - Se, por qualquer motivo, incluindo o erro do prestador do serviço, tiver sido paga importância inferior à que corresponde ao consumo efectuado, o direito do prestador ao recebimento da diferença caduca dentro de seis meses após aquele pagamento. 3 - A exigência de pagamento por serviços prestados é comunicada ao utente, por escrito, com uma antecedência mínima de 10 dias úteis relativamente à data limite fixada para efectuar o pagamento. 4 - O prazo para a propositura da acção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos. 5 - O disposto no presente artigo não se aplica ao fornecimento de energia eléctrica em alta tensão.».

Resulta claro que o legislador quis consagrar uma das orientações que era já defendida em face da redacção originária do referido art. 10.º, mais concretamente a posição que sustentava ser o prazo de seis meses previsto, um prazo de prescrição do direito ao pagamento dos serviços, o qual se contava a partir da prestação dos mesmos.

Deve, pois, considerar-se que a nova lei se assume como claramente interpretativa, integrando-se, por isso, na lei interpretada, sendo que a própria intenção que presidiu à criação da lei de proteger o consumidor final, contra a acumulação de dívidas de fácil contracção, evitando que se vissem confrontados com a exigência de débitos acumulados que dificilmente poderiam satisfazer, confirma aquela orientação legislativa, determinando, assim, que os prestadores de serviços mantenham uma organização que permita a cobrança em momento próximo do correspondente consumo.

Consagra-se uma prescrição extintiva dos créditos provenientes de serviços públicos essenciais, como o fornecimento de energia eléctrica ou de gás.

A prescrição como facto extintivo de obrigação que o utente do serviço público essencial haja assumido, já não carece do decurso do prazo de cinco anos do art. 310.º do Cód. Civil, bastando-se, assim, com os seis meses estabelecidos no n.º 1 do art. 10.º da Lei n.º 23/96, alargado para nove meses pelo art. 10.º, n.º 1 do Regulamento n.º 255-A/2020, de 18.03.2020, como bem defende a autora («Com exceção das situações de comprovada urgência e junto de clientes prioritários, os prazos regulamentares a que estão sujeitos operadores das redes de distribuição, comercializadores de último recurso e comercializadores no âmbito do relacionamento com os clientes, são prorrogados por metade do respetivo prazo regulamentar.») Reclamando a especial natureza dos serviços em causa foi entendido impor ao prestador do serviço público essencial previsto no art. 1.º da Lei nº 23/96, a obrigação de exercer o seu direito de crédito no prazo de seis meses, contado a partir do momento em que o possa fazer, ou seja, do termo de cada período da relação mensal obrigacional duradoura e de execução continuada.

Além disso, para se ter por exercido o direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado, a que se reporta o n.° 1 do art. 10.º da Lei n.º 23/96, não basta ao prestador do serviço proceder à emissão e entrega da factura/recibo no prazo de seis meses ali fixado, já que tal interpelação apenas releva para efeitos de determinação do momento da constituição do utente em mora, nos termos do art. 805.º do Cód. Civil.

Conforme foi sustentado por Calvão da Silva, em anotação ao Ac. da Relação do Porto de 28/6/1999, in RLJ, ano 132.º, págs. 135 e segs.: "não pode pensar-se que o n°. 1, do artigo 10.º da Lei n.° 23/96, valha (só) para a liquidação da dívida, enquanto para o crédito assim apurado ou liquidado se continuaria a aplicar a al. g) do artigo 310.º do Código Civil" (…) "semelhante interpretação não tem fundamento válido, consistente, constituiria um non sense e seria mesmo contra-legem.".

Concluindo, forçoso é reconhecer que, com a Lei n.° 23/96, o legislador quis estabelecer um prazo prescricional novo e mais curto do que o previsto no Cód. Civil, dentro do qual cumpre à entidade gestora, não só proceder à apresentação da factura como, não sendo voluntariamente paga a obrigação pecuniária, praticar qualquer acto com eficácia suspensiva ou interruptiva do decurso do prazo de prescrição (…).

No caso, provou-se que a 19.02.2021 a autora submeteu via tribunais net a injunção, que a 22.02.2021 o procedimento se iniciou no Balcão Nacional de Injunções, que a 23.02.2022 pesquisou moradas e a 2.03.2021 expediu carta para citação e que a ré foi citada a 3.03.2021, logo o prazo de prescrição interrompeu-se a 27.02.2021.

Por outro lado, como vimos supra, a prestação de serviços de fornecimento de gás natural e gases de petróleo liquefeitos canalizados está sujeito à disciplina da Lei n.º 23/96, de 26/7, sendo que o art. 10.º, n.º 1, estatui que o direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses, alargado para nove meses pelo Regulamento n.º 255-A/2020, após a sua prestação.

Ora, as várias facturas descriminadas no requerimento de injunção correspondem a um período alargado da alegada prestação de serviços pela autora à ré...

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