Acórdão nº 675/19.7Y7PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelJERÓNIMO FREITAS
Data da Resolução24 de Outubro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

APELAÇÃO n.º 675/19.7Y7PRT.P1 SECÇÃO SOCIAL ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I.RELATÓRIO I.1 Na presente acção especial emergente de acidente de trabalho, em que é autora AA e entidades responsáveis Companhia de Seguros X..., S.A., e F... Unipessoal, Lda realizada a tentativa de conciliação não se logrou obter o acordo em virtude de Seguradora, bem como a entidade empregadora, não terem aceite a existência de acidente nem a sua caracterização como acidente de trabalho, nem o nexo de causalidade - por entenderem que as lesões apresentadas são resultado de doença natural, nem tão pouco o resultado do exame médico do INMLCF, ambas declinando a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes do alegado acidente de trabalho.

A autora apresentou petição inicial, dando assim início à fase litigiosa, concluindo tal articulado pedindo a condenação das Rés a pagarem-lhe, na proporção das respectivas responsabilidades, o seguinte:

  1. A indemnização em capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 135,17 (cento e trinta e cinco euros e dezassete cêntimos), calculada com base na retribuição anual ilíquida de € 9655,15 e na IPP de 2,000 %, com início no dia 29 de Março de 2019, dia seguinte à data da alta.

  2. A quantia de € 1235,11 (mil duzentos e trinta e cinco euros e onze cêntimos) de indemnização por incapacidades temporárias, (correspondente à diferença entre o que recebeu e aquilo que tinha direito a receber); c) A importância de € 16,00 (dezasseis euros), de transportes em deslocações obrigatórias a este Tribunal e ao INMLCF; e d) Juros de mora à taxa legal sobre a referida importância, a contar do vencimento da respectiva obrigação, nos termos do artigo 135, do CPT.

    Alegou, no essencial, que no dia 28 de Dezembro de 2018, cerca das 21,00 horas, quando se encontrava no exercício das suas funções de operadora de supermercado, nas instalações da entidade patronal, na loja “M...”, sita no Centro Comercial ...”, foi vítima de um acidente de trabalho, o qual consistiu em ter sofrido uma entorse (“esticão”) do ombro esquerdo quando colocava uma caixa numa prateleira.

    Dado que a entidade patronal tinha a sua responsabilidade infortunística transferida para a 1.ª Ré, Companhia de Seguros X..., S.A., (Apólice ...), participou-lhe o acidente. A Ré seguradora manteve-a em tratamento até 15 de Janeiro de 2019, pagando-lhe a quantia de € 236,16, relativa a indemnizações por incapacidades temporárias (ITA entre 29/12/2018 e 14/01/2019, vindo a dar-lhe alta, a partir do dia seguinte, considerando-a curada sem desvalorização, recusando qualquer responsabilidade na reparação de outros danos emergentes do sinistro, acrescentando que a patologia apresentada pela Autora tinha a natureza de “doença natural”.

    De acordo com as perícias efectuadas no INMLCF, a autora como consequência directa e necessária do sinistro, sofreu traumatismo no ombro esquerdo, referindo-se que “Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano atendendo a que: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões.

    ”. E conclui-se que, que a data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 28 de Março de 2019, tendo a autora estado em situação de incapacidade temporária absoluta num período de 77 dias (entre 29/12/2018 e 15/03/2019), e em situação de incapacidade temporária parcial de 30 % num período de 13 dias (entre 16 e 28 de Março de 2019), entendendo-se como curada, a partir daquela data, com uma IPP de 2,000 %.

    Defende que o acidente de que foi vítima integra o conceito de acidente de trabalho, não se mostrando descaracterizado nos termos da legislação aplicável, como tal, é indemnizável.

    A R. Seguradora apresentou contestação, aceitando que a ré entidade patronal havia transferido para si a sua responsabilidade infortunística laboral emergente de acidentes de trabalho relativamente à autora, com base na retribuição de € 580,00x14 + € 101,20x11.

    Quanto ao mais, não aceita a ocorrência do acidente participado, nem a sua caracterização como de trabalho, nem o nexo de causalidade entre as lesões e aquele, referindo que no decorrer da assistência clínica que prestou à autora foi realizada uma ecografia, da qual resultou a inexistência de roturas nos tendões que compõem a coifa dos rotadores, verificando-se, antes, um quadro de bursite decorrente de uma tendinopatia cálcica.

    Considera, assim, estar-se perante lesões crónicas e pré-existentes, pelo que o evento participado não pode ser qualificado como acidente de trabalho.

    A ré entidade empregadora não contestou.

    Procedeu-se ao saneamento dos autos, com selecção dos factos assentes e fixação dos temas de prova.

    Foi determinada a constituição de apenso para fixação da incapacidade para o trabalho, nos termos dos art.ºs 131.º 1. al. e) e 132.º do CPT, o qual correu os seus termos, designadamente, com a realização de exame por junta médica e prolação de decisão final, na qual foi consignado que a autora “não se encontra afetada por qualquer coeficiente de desvalorização, em termos de incapacidade permanente parcial”.

    I.2 Realizado o julgamento, o Tribunal a quo proferiu sentença, concluída com o dispositivo seguinte: -«Por tudo o exposto, julga-se improcedente, por não provada, a presente ação e, em consequência, absolvem-se as rés dos pedidos.

    Custas pela sinistrada, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que beneficia.

    Não se fixa o valor à ação por falta de elementos para o efeito.

    (..)».

    I.3 Inconformada com esta decisão a autora apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes: -«I- O presente recurso tem como objecto a matéria de facto da douta sentença proferida nos presentes autos, a qual julgou improcedente, por não provada, a presente acção e, em consequência, absolveu as Rés do pedido.

    II- O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos: “1. A autora nasceu a .../.../1978.” “2. A autora trabalha por conta de “F... Unipessoal, Lda”, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercendo as funções de operadora de supermercado.” “3. “F... Unipessoal, Lda” tinha a sua responsabilidade infortunística transferida para a 1ª ré, “Companhia de Seguros X..., S.A.” (Apólice ...) pelo salário de € 580,00x14 + € 101,20x11 de subsídio de alimentação e participou-lhe o acidente.” “4. A ré seguradora manteve a autora em tratamento, a seu cargo, até 15 de janeiro de 2019, pagando-lhe a quantia de € 231,16, relativa a indemnizações por incapacidade temporária (ITA de 29/12/2018 a 14/01/2019), vindo a dar-lhe alta a partir do dia seguinte, considerando-a curada sem desvalorização.” “5. E recusou qualquer responsabilidade na reparação de outros danos emergentes do sinistro, acrescentando que a patologia apresentada pela autora tinha natureza de doença natural.” “6. À data de 28/12/2018 a autora auferia a retribuição de € 580,00x14 + € 101,20x11 + € 421,95/ano.

    ” “7. Assim que recebeu a notícia do sinistro, a ré seguradora assumiu a assistência clínica da sinistrada.” “8. Durante essa assistência clínica, prescreveu-lhe a realização de uma ecografia.” “9. Da qual resultou a inexistência de rotura dos tendões que compõem a coifa dos rotadores.” “10. Tendo-se verificado a existência de um quadro de bursite decorrente de uma tendinopatia cálcica.” III- O Tribunal a quo deu como não provados os seguintes factos: “a. No dia 28/12/2018, cerca das 21horas, a autora, quando se encontrava no exercício das suas funções, nas instalações da ré entidade patronal, na loja “M...”, sita no Centro Comercial ...”, ao colocar uma caixa numa prateleira, sofreu uma entorse (“esticão”) do ombro esquerdo.” “b. Como consequência directa e necessária, a autora sofreu traumatismo no ombro esquerdo.” “c. A consolidação médico-legal da lesão ocorreu em 28/03/2019.” “d. A autora esteve na situação de ITA entre 29/12/2018 e 15703/2019 e de ITP de 30% entre 16/03/2019 e 28 de março de 2019.” “e. A autora despendeu € 16,00 com deslocações a Tribunal e ao INMLCF.IP.

    ” IV- O Tribunal a quo considerou que os factos dados como não provados se devem à inexistência e insuficiência de prova produzida no sentido da sua demonstração. Entendeu o Tribunal a quo que “em termos de prova produzida, nada mais permite concluir no sentido do invocado pela sinistrada, uma vez que nenhuma testemunha que haja sido inquirida em sede de audiência de julgamento assistiu à alegada ocorrência do sinistro.

    ” O Tribunal a quo considerou que “restaram apenas as declarações de parte da autora e que as mesmas não foram corroboradas por qualquer outro elemento de prova.” O Tribunal a quo acrescenta, ainda, que embora os senhores peritos que intervieram no exame pericial por junta médica tenham admitido que “tenha havido uma agudização temporária de patologia degenerativa prévia”, o fizeram no pressuposto da ocorrência do evento que lhes é relatado pela sinistrada, mas que naturalmente não presenciaram.

    V- No entanto, o Tribunal a quo não foi particularmente feliz nestas formulações e conclusões.

    VI- Primeiro, ao considerar que não ficou provado que não tenha havido acidente de trabalho. Ora sucede que se verificaram todos os pressupostos previstos no artigo 8º da Lei 98/2009 de 4 de setembro que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais.

    Estabelece o referido preceito legal que “é acidente de trabalho aquele que se verifique no local e tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.

    ” Foi o que aconteceu neste caso concreto. E o depoimento de parte da...

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