Acórdão nº 02493/16.5BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelCRISTINA SANTOS
Data da Resolução20 de Outubro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

A……………….., com os sinais nos autos, inconformado com o acórdão proferido em 25.01.2019 pelo Tribunal Central Administrativo Norte dele vem recorrer, concluindo como segue: 1. A douta decisão recorrida, pressupõe, erroneamente, a existência duma servidão que não existe.

  1. A mera existência dum colector e duma caixa de águas residuais no prédio do Autor, só por si, não significa a existência duma servidão.

  2. Ademais, em momento algum dos autos, o R. Município de Gondomar alega a existência da servidão.

  3. Dos factos trazidos aos autos e da actuação do Réu, resulta até, de forma inequívoca, o contrário.

  4. O R. Município de Gondomar sempre reconheceu ao Autor o direito à remoção ou desactivação da caixa de visita e do colector de águas residuais existente no seu prédio, documentando até os autos diligências que fez nesse sentido.

  5. Assim, as conclusões do douto Acórdão não têm respaldo na factualidade documentada e provada nos autos, o que, óbvia e claramente consubstancia erro de julgamento por indevida aplicação da lei aos factos provados.

  6. E também a nulidade da decisão, pois que o tribunal conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento (a servidão não foi alegada pelo Réu), com o que violou o disposto pelo art.° 615.°, n.° 1 d), 2.a parte, do CPC.

  7. Não são exactos os termos e alcance, do que refere o douto Acórdão recorrido - “nenhuma controvérsia há (...) a respeito da “legalidade” na originária implantação da servidão no terreno, implicitamente aceite por todas as partes”\\\\\ 9. Com efeito, tampouco há controvérsia sobre a existência da servidão. O R. Município de Gondomar, proprietário, loteador do terreno e vendedor dos respectivos lotes, nunca alegou, ou sequer invocou a sua existência, pelo que o A./ Recorrente não podia questionar e discutir a sua “legalidade”. Tanto mais que, sempre, o R. reconheceu e assumiu o direito do A. a ver retiradas do seu prédio as aludidas infra-estruturas.

  8. Acresce que tendo o ora Recorrente interpelado o R./Recorrido, e insistido junto dele, para retirada daquelas, tendo o mesmo reconhecido e assumido o direito a tal retirada, também não poderá concluir-se pela aceitação de todas as partes da “legalidade” na originária implantação da servidão no terreno.

  9. Pelo que, as conclusões do douto Acórdão não têm respaldo na factualidade documentada, fazendo o Tribunal recorrido errónea subsunção dos factos ao direito.

  10. A questão sub judice não é só a declaração da venda do lote pelo R.Município de Gondomar “livre de quaisquer encargos ou ónus".

    E que, de facto e em rigor, ele não está onerado com qualquer servidão administrativa, que não está sequer alegada, quanto mais demonstrada a sua existência.

  11. Assim, não pode o douto Acórdão recorrido, concluir, como fez, em sede de conhecimento da pretensão subsidiária, que o Autor adquiriu a propriedade já com o encargo.

  12. Tanto mais, que o R. Município de Gondomar reconheceu a inexistência do mesmo, diligenciou pela sua retirada e actuou sempre como se ele não existisse, aprovando a construção duma habitação sobre as infra-estruturas.

  13. A decisão ora recorrida, viola o direito de propriedade do Recorrente, previsto pelo artigo 1305.° do Código Civil.

  14. E também, de forma grave e insuportável, a confiança legítima do Autor, corolário do princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2º da Constituição.

  15. Pois que seria arrasado o mínimo de certeza e de segurança do Autor quanto aos direitos e expectativas legitimamente criadas pelo Réu Município de Gondomar, uma entidade pública a quem cabe e de quem se espera a observância da legalidade.

  16. A manter-se a decisão ora recorrida, o que pelas razões aduzidas não se concebe, nem espera, então sempre teria de se considerar o pedido subsidiário do A./Recorrente.

  17. Pretensão que o Tribunal ora recorrido considerou improcedente, por considerar que o Autor adquiriu a propriedade já com o encargo, que a propriedade adveio à sua esfera jurídica já com a suposta “desvalorização”, não sofreu diminuição patrimonial, o que não corresponde de todo à realidade.

  18. Admitindo, por hipótese, que o Autor adquiriu a propriedade já com o encargo, não é exacto que a propriedade adveio à sua esfera jurídica já com a suposta “desvalorização”.

  19. Pois que, o que o A. adquiriu foi um lote de terreno para construção e a “desvalorização” em questão é, sobretudo, maioritariamente da moradia que o Autor nele edificou 22. E edificou, porque o R. Município de Gondomar reconheceu a inexistência e assumiu a remoção do encargo do terreno, de tal modo que licenciou e permitiu a construção no mesmo da moradia do A., sem nenhum entrave.

  20. Não sendo removidas as aludidas infra-estruturas, é óbvia e notória a “desvalorização” da moradia do Autor, pelo que, nesse caso, por todas as razões aduzidas, é devida e da mais elementar justiça, o pagamento da indemnização peticionada subsidiariamente.

    * O Município de Gondomar contra-alegou, concluindo como segue: a) Com a interposição do douto recurso, o recorrente limita-se a discordar da interpretação e aplicação do direito feita pelo TCA no caso concreto, alegando, em suma, que a douta decisão pressupõe, de forma errada, a existência de uma servidão.

    b) Porém, nada refere quanto à necessidade de intervenção do STA para melhor aplicação do direito no sentido imposto pelo artigo 150.° n.° 1 do CPTA, ou seja, que “...possa servir para orientar os tribunais inferiores, definindo o sentido que deve presidir à respectiva jurisprudência em questões que, independentemente de alçada, considere mais importantes.” (Cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017 - 4a Edição, Almedina, pág. 1146).

    c) Terá necessariamente que se alegar mais algum interesse para além do prejuízo do autor recorrente com a decisão proferida pelo TCA, de forma a justificar a intervenção do STA em sede de recurso de revista.

    d) Pelo supra exposto não será de admitir o recurso de revista interposto pelo recorrente autor.

    e) Em todo o caso, refira-se ainda, por mera cautela, que se fosse admitido o recurso, o mesmo não teria qualquer sustentabilidade pois, a existência, ou não, de uma servidão no prédio do autor, fundamento do recurso, é uma questão de direito a extrair dos factos julgados provados.

    f) Como é inegável, também para o recorrente, o que está em causa na presente lide é o facto de existir um colector e uma caixa de águas residuais no seu prédio, pelo que, está o Tribunal legitimado a concluir, com base nesse facto, pela existência da servidão, não violando, assim, o artigo 615° nº 1, alínea d) do CPC.

    g) Concluindo pela existência da servidão, a decisão do TCA não poderá ser outra senão a que foi vertida no douto acórdão.

    * Mediante acórdão da Formação de Apreciação Preliminar deste STA foi decidido admitir a revista.

    * Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Juízes Conselheiros Adjuntos, vem para decisão em conferência.

    * Pelas Instâncias foi julgada provada a seguinte factualidade: 1. No dia 17 de maio de 1999, foi celebrada escritura pública no Notário Privativo da Câmara Municipal de Gondomar, em que figurou como vendedora a Câmara Municipal de Gondomar e como compradora a sociedade comercial B………………., Lda - cfr. fls. 242 a 247 dos autos em suporte físico dela para aqui se extraindo, com interesse, o que segue: “(..) Pelo representante do primeiro outorgante, foi dito Que, pela presente escritura, e de harmonia com as deliberações tomadas pela Câmara Municipal de Gondomar, que neste acto representa, nas suas reuniões realizadas era 6 de Outubro de 1993, 15 de- Junho de 1994 e 22 de Abril de 1999, vende à representada do segundo outorgante, livre de quaisquer encargos ou ónus, o lote de terreno, a seguir identificado: - terreno destinado à construção, com a área de quinhentos e oitenta metros quadrados que constitui o lote 3 sito no lugar-de ………………, freguesia de Rio Tinto, concelho de Gondomar, que confronta a Norte com lote 2, a Nascente com arruamento, a Sul com ………………. ,e a Poente com …………….., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …………, da Segunda Repartição de Finanças de Gondomar, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o número ………….., e aí inscrita a propriedade a favor do município pela inscrição G-1 respeitante à citada descrição.

    Que, a alienação é feita pela quantia de cinco milhões oitocentos e vinte mil escudos, tendo já dado entrada nos cofres deste Município as quantias de um milhão cento e sessenta e quatro mil escudos, através da guia de receita número 872, de 1 de Outubro de 1993, e de dois milhões, trezentos e vinte e oito mil escudos, através da guia de receita número 101, de 2 de Fevereiro.de 1994, sendo a importância remanescente, que totaliza dois milhões trezentos e vinte e oito mil escudos, paga no acto desta escritura, pelo que lhe confere a respectiva quitação.

    Que, a parcela de terreno vendida por esta escritura destina-se à construção de uma moradia unifamiliar, de cave, rés-do-chão e andar, com uma mancha de construção de noventa e seis metros quadrados, sendo da responsabilidade do comprador a apresentação dos projectos das especialidades necessários para o licenciamento da obra.

    Que, a parcela de terreno vendida por esta escritura se encontra assinalada na Planta Topográfica anexa que, depois de devidamente rubricada pelos outorgantes e por mim, Notário Privativo, fica arquivada no maço de documentos respeitante, a esta escritura, dela ficando a fazer parte integrante.

    E, pelo representante do segundo outorgante, foi dito; Que, aceita esta compra e venda para a sua representada, nos termos exarados, e que o lote de terreno adquirido se destina a revenda.

    Assim o disseram e outorgaram.

    Foram-me exibidos os seguintes documentos, por onde verifiquei os números da descrição e inscrições, antes referidas: Uma certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de Gondomar em 28 de Abril de 1994...

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