Acórdão nº 688/22 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução20 de Outubro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 688/2022

Processo n.º 878/22

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

*

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82 de 15.11 (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC), do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 1 de agosto de 2022 que negou provimento ao recurso por aquele interposto e confirmou a decisão em 1.ª instância, apelando a violação das “garantias de proteção internacional dos direitos humanos”, que enquadrou no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

2. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido nestes autos, foi determinada a extradição para a República Federativa do Brasil de A., que, inconformado com a decisão, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Pelo aresto ora recorrido, o Supremo Tribunal confirmou integralmente o julgado.

O recorrente reclamou a nulidade deste acórdão por omissão de pronúncia, que veio a ser indeferida pelo Tribunal “a quo” por acórdão de 23 de agosto de 2022.

3. O recorrente interpôs então recurso para este Tribunal Constitucional, nos termos supra relatados e, pela decisão sumária n.º 581/2022, decidiu-se não conhecer do respetivo mérito com fundamento em inidoneidade de parte do seu objeto, não-essencialidade da questão normativa para a decisão recorrida, noutra parte, e, abrangendo toda a matéria do recurso, em falta de suscitação junto da jurisdição das questões de constitucionalidade que se pretendem colocadas na presente sede.

Os fundamentos foram os seguintes, para o que ora nos importa:

“(…) Em primeiro lugar, cabe fazer ver que boa parte do objeto do recurso definido pelo recorrente no seu requerimento de interposição não possui cariz normativo e é impassível de constituir a base temática da presente instância. O recorrente desde logo anuncia este vício na abertura do requerimento de interposição (sob “1”), destacando como objeto do seu impulso processual a própria decisão do Supremo Tribunal de Justiça, já não um ato normativo: “o presente recurso tem como objeto o diferimento da extradição pedido pelas autoridades brasileiras, uma vez que se encontra pendente em Portugal processo criminal (…) nos termos do n.º 2 do art.º 35.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto”.

O recorrente prossegue depois (sob “2”) afirmando que “ é entendimento do extraditando/requerente que, a sua extradição, não poderá ser deferida, enquanto o processo crime nº 5/22.0TELSB, a existir condenação, esta não transitar em julgado ou a pena a que o Requerente vier a ser condenado não estiver cumprida (...) é humilde entendimento do Requerente que a interpretação da Lei a ser acolhida pelo Tribunal Constitucional, deverá ser a de integração dos factos invocados peia Defesa, nos termos do diferimento da extradição, contrariando desse modo o pedido de extradição formulado peio Estado Brasileiro” ainda acrescentando que “a não ser de acordo com o entendimento ora exposto, estará a ser violado o estatuído no nº 2 do artº 35º da Lei 144/99, de 31 de Agosto, bem como todas as garantias de defesa previstas na lei criminal e constitucionalmente consagradas”, associando-lhe a violação “do disposto 32º/l/2, da CRP, nos princípios nela consignados, conforme previsto no artigo 204º da CRP”.

Finalmente, sob “3” o recorrente reitera que “a douta decisão proferida [está] em clara violação do disposto no artigo 32.º/1/2, da CRP (...) uma vez que o Tribunal olvidou a pendência do processo crime em Portugal, sendo os factos do referido processo coincidentes com os que fundamentam o pedido de extradição”.

Assim, ainda que, en passant, o recorrente refira que pretende “a declaração de inconstitucionalidade das normas invocadas”, porque nenhuma norma se indica para estes efeitos, não merece dúvidas que, ao menos nesta parte, o recurso acha-se orientado para a sindicância da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, que se entende ter incorrido em violação do quadro legal aplicável (artigo 35.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto) importando com isso (com a violação de Lei), segundo se pretende, também rutura com princípios constitucionais relacionados com garantias de processo criminal (artigo 32.º, n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa).

Está bom de ver, o recorrente não coloca em causa qualquer programa normativo que estivesse em conflito com a Constituição da República Portuguesa: entende, sim, que a Lei aplicável e a Constituição da República Portuguesa confluem no sentido da reprovação da decisão recorrida que, no ver do recorrente, as desrespeitou.

Dito de outro modo, o recorrente imputa à decisão, em todo este vasto segmento do requerimento de interposição, nada mais que erro no julgamento de Direito e pretende que o acórdão seja revisto pelo Tribunal Constitucional pela mediação do sistema jurídico processual-penal – cuja compaginação para com a Constituição não se discute – como se de um órgão integrado na jurisdição criminal se tratasse, tudo tendo em vista obter uma orientação e resultado para o caso sub iudicio que entenderá mais conforme com as normas constitucionais a que faz apelo.

Conclui-se, pois, que o recurso interposto é inidóneo face à ausência de carácter normativo do respectivo objecto, vício da instância recursiva por falta de pressuposto processual típico e próprio do meio de processo em causa (recurso para o Tribunal Constitucional) de sindicância oficiosa e que obsta à apreciação de mérito (cfr. artigos 6.º, 70.º, n.º 1 e 71.º, n.º 1, todos da LTC (…)

No último parágrafo do requerimento de interposição, porém, consta um excerto que, em dissonância com o mais expedindo que supra descrevemos, importa outras considerações.

Conclui o recorrente o requerimento de interposição pedindo “ seja julgada inconstitucional a norma jurídica que resulta do artigo 18º, nº 1, da Lei da Cooperação judiciária Internacional, na interpretação de acordo com a qual a pendência de processo em Portugal pelos factos que fundamentam o pedido de extradição, ainda que não tenha sido proferida decisão de arquivamento ou sentença absolutória, encontrando-se o processo, nomeadamente em fase de inquérito, constitui causa suficiente de recusa facultativa, e não obrigatória da extradição, por violação do princípio das garantias de proteção internacional dos direitos humanos, consagrado nos artigos 32º da CRP e do artº 35º/2 da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto”.

Deixando de parte a referência a violação do artigo 35.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, de todo deslocada de um processo de fiscalização concreta com fundamento em inconstitucionalidade (artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa), dir-se-ia possível resgatar a regularidade da instância, cingindo-a à sindicância da conformidade constitucional do disposto no artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto (Lei da Cooperação Judiciária Internacional [LCJI]), interpretado no sentido de a pendência de processo-crime em Portugal constituir fundamento facultativo (e não obrigatório) de recusa da extradição pedida por outro país.

Sucede, porém, que em momento nenhum o acórdão recorrido...

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