Acórdão nº 671/22 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Assunção Raimundo
Data da Resolução20 de Outubro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 671/2022

Processo n.º 1144/21

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Assunção Raimundo

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos da Comissão Arbitral da Federação Portuguesa de Futebol, “A., SAD, ora recorrente, apresentou recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, doravante LTC), da decisão da referida Comissão que, em 14 de junho de 2021, a condenou no pagamento das compensações devidas a título de formação e valorização de um dos seus jogadores, e ainda no pagamento das custas e remuneração dos peritos na proporção do respetivo decaimento.

O aludido requerimento de interposição de recurso foi apresentado nos seguintes termos (cf. fls. 104-105):

«"A., SAD", Requerida nos presentes autos, notificada do douto acórdão que julgou o pleito, e estando esgotados os meios comuns, atendendo a que a decisão é definitiva, estando assim esgotados os meios jurisdicionais, vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, com efeito suspensivo e subida nos próprios autos (art. 78º, n.º 4, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional).

1. Alínea do n.º 1 do artigo 70.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional ao abrigo da qual o recurso é interposto: alínea b);

2. Normas cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie:

- Artigo 34º da Lei n.º 54/2017, de 14/07 (Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo);

- Artigos 39º, 40º e 50º do Regulamento do Estatuto, da Categoria, da Inscrição e Transferência dos Jogadores ("RECITJ") da Federação Portuguesa de Futebol ("FPF").

O litígio que dá origem ao presente recurso foi resolvido por aplicação dessas normas do Regulamento que vigorava para a época desportiva de 2020/2021, que entretanto foi revogado por um novo Regulamento para a época de 2021/2022.

Todavia, além de as normas regulamentares aplicadas terem produzido efeitos no caso concreto, durante o tempo em que vigoraram, sendo a declaração de inconstitucionalidade indispensável para eliminação de efeitos produzidos constitucionalmente relevantes, certo é que o RECITJ atualmente em vigor contém regras iguais àquelas que estão aqui em causa.

3. Normas que a Recorrente considera violadas: arts. 58º e 18º, n.º 2, da Constituição.

4. Peça processual em que a Recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade: a oposição que apresentou na presente ação.

Requer que o presente recurso seja admitido e, a final, julgado procedente, com as consequências legais».

2. Por decisão datada de 28 de setembro de 2021, entendeu a Comissão Arbitral da Federação Portuguesa de Futebol não admitir o recurso para o Tribunal Constitucional, «porquanto, além do mais, nos termos do nº 2 do artº 76 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (…) se trata de Recurso “manifestamente infundado”» (fls. 113).

3. É desta decisão que vem deduzida a presente reclamação, assim argumentando a reclamante (cf. fls. 121-127):

«Vale a pena enunciar os fundamentos da decisão reclamada para não admitir o recurso de constitucionalidade.

1) O Clube Recorrente não alegou, nem formulou conclusões [no seu requerimento de interposição de recurso], concretizando ou justificando legalmente a sua pretensão, limitando-se a requerer que "o presente recurso seja admitido e, a final, julgado procedente com as consequências legais

2) De acordo com o estabelecido no nº 4 do artº 44º do R.E.C.I.T.J., a Comissão de Arbitragem da F.P.F., julga, segundo o direito constituído, podendo também decidir com base na equidade em todas as questões omissas" e esta autorização para julgar segundo a equidade envolve a renúncia aos recursos;

3) De acordo com o artº 70º, nº 2 da L.T.C., nas decisões negativas, apenas é possível recorrer ao T. C. depois de se terem esgotado todas as possibilidades do Recurso Ordinário, não deixando de se ter em linha de conta que a nova L.A.V. – artº 46º, nº 2 al. e) - sugere que a ação anulatória é um verdadeiro recurso anulatório que corre num Tribunal de 2ª instância como se de um Recurso se tratasse". Porém, tal não sucedeu no caso ora em análise;

4) Não existe qualquer inconstitucionalidade nas normas previstas no R.E.C.I.T.J. e aqui postas em causa pela Recorrente, porquanto não limitam o princípio constitucional da liberdade contratual, nem interferem na liberdade de trabalho dos jogadores, como, aliás, resulta do nº 2 do artº 42º do R.E.C.I.T.J.

5) Não se admite o presente Recurso da Recorrente "A., S.A.D.", que vai indeferido porquanto, além do mais, nos termos do nº 2 do artº 76 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (Lei 28/82 de 15 de Novembro) se trata de Recurso "manifestamente infundado". E até porque contraria a prática seguida desde sempre pelas C.A. da F.P.F. estabelecida no nº 4 do artº 44 do R.E.C.I.T.J., bem como o disposto no nº 2 al. b) do artº 641 do C.P.C.

A Reclamante passa a comentar resumidamente cada um destes fundamentos.

Diga-se que nenhum desses fundamentos... tem fundamento, como se mostra in fine.

O fundamento 1 viola o disposto no art 79.º da LOTC, ou seja, que as alegações de recurso são sempre produzidas no Tribunal Constitucional.

Os fundamentos 2 e 3 contradizem-se reciprocamente. Do fundamento 2 extrai-se que da decisão da Comissão Arbitral não há recursos; do fundamento 3 extrai-se que o artº 46º, nº 2 al. e) da LAV "sugere" que a ação anulatória da decisão arbitral é um verdadeiro recurso anulatório que corre num Tribunal de 2a instância como se de um recurso se tratasse. Em suma, segundo estas passagens da decisão reclamada, apesar de não serem admitidos recursos, a Reclamante devia ter recorrido.

Vejamos agora cada um dos fundamentos de per si.

Quanto ao fundamento 2:

Do fundamento 2 extrai-se que das decisões da Comissão Arbitral não há recursos.

O art. 39.º n.º 4 da LAV prevê o seguinte:

A sentença que se pronuncie sobre o fundo da causa ou que, sem conhecer deste, ponha termo ao processo arbitral, só é suscetível de recurso para o tribunal estadual competente no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem e desde que a causa não haja sido decidida segundo a equidade ou mediante composição amigável.

É manifesto que esta norma não se refere aos recursos para o tribunal Constitucional, não visando excluir esses recursos, mas sim apenas aos recursos ordinários.

Mesmo que se referisse, a verdade é que o acórdão arbitral aplica as normas que a Reclamante defende serem inconstitucionais sem recorrer à equidade pelo que, mais uma vez, o recurso para o Tribunal Constitucional não ficou afastado.

Por fim, ainda que fosse esse o sentido do artigo 39.º n.º 4 da LAV, ou seja, que impedisse o recurso para o Tribunal Constitucional, tal norma seria inconstitucional, por violação do disposto no art. 20.º da CRP, o que se argui.

Nesse caso, a remissão para a equidade, seria um meio para se vedar às partes o recurso ao Tribunal Constitucional, de maneira a conseguir subtrair o processo a um juízo de constitucionalidade, como sucederia, segundo a posição da Reclamante, em todo o sistema de direitos de formação no futebol Português. Ou seja, a FPF teria instituído uma Comissão Arbitral para julgar litígios relativos a direitos de formação, em termos que violam a Constituição, e para se furtar ao juízo de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional, consignava nos seus Regulamentos a possibilidade de recurso à equidade, assim impedindo que um processo submetido à Comissão Arbitral, que é obrigatória para as partes estivesse sujeito a ser apreciado pelo Tribunal Constitucional, perpetuando a inconstitucionalidade do regime dos direitos de formação.

Do fundamento 3 extrai-se que foi entendido que não se encontravam esgotados os recursos da decisão recorrida. No - manifestamente errado - entendimento do despacho recorrido, a Reclamante podia e devia ter lançado...

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