Acórdão nº 042/22.5BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 19 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelARAGÃO SEIA
Data da Resolução19 de Outubro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A…………, e mulher, B…………, Requerentes nos autos à margem referenciados, notificados da douta Decisão Arbitral proferida a 14.02.2022, pelo Tribunal Arbitral Singular, constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo com o n.º 154/2021-T, e não se conformando com a mesma, dela vem interpor recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), nos termos do disposto no artigo 25.º, n.ºs 2, 3 e 4 do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), por a mesma se encontrar em oposição com o decidido quanto à mesma questão fundamental de direito no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 12.04.2018, processo n.º 699/15.3BEVIS.

Alegaram, tendo concluído: i. O objeto do presente recurso centra-se na questão de fundo de saber se ao caso em apreço nos presentes autos, e concretamente com referência às liquidações em crise, a suspensão do prazo de caducidade nos termos da alínea d) do n.º 2 do art. 46.º da LGT tem aplicação, o que desde logo impõe responder à questão: se o “direito à liquidação” contido nas referidas “novas” (e não corretivas) liquidações, resulta de reclamação ou impugnação colocada pelos Recorrentes, tendo em consideração que o TAF de Coimbra na sentença proferida no processo n.º 189/14.7BEBCR sentenciou a anulação integral dos actos de liquidação ora discutidos nesse processo, pelo que forçosamente requer compreender o âmbito de aplicação do normativo constante na alínea d) do n.º2 do artigo 46.º da LGT.

ii. Face ao objeto do presente recurso, há contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a douta Decisão arbitral recorrida e o douto Acórdão Fundamento (o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 12.04.2018, processo n.º 699/15.3BEVIS, disponível em www.dgsi.pt, que para o objeto do presente recurso será o nosso Acórdão Fundamento), na medida em que, perante uma identidade substancial do circunstancialismo fáctico, divergem nas suas decisões quanto à mencionada questão de direito - enquanto a douta Decisão Arbitral recorrida entende que, sem mais, “(..) se a decisão judicial determinar a anulação do acto tributário, a lei reconhece a possibilidade de praticar novo acto de liquidação que não seja incompatível com o decidido.

(…) em que a nova liquidação decorreu da decisão de impugnação judicial não havendo incompatibilidade com o decidido, e assim sendo, ocorreu a suspensão do prazo de caducidade nos termos da alínea d) do nº 2 do art. 46º da LGT, (…).

E é, de igual modo, precisamente a situação das liquidações em crise nos presentes autos, pois, como já se disse, as mesmas resultam da decisão proferida no processo de impugnação judicial que correu no TAF de Coimbra, não tendo em momento algum isso sido posto em causa pelos ora Requerentes, nem invocando estes que as liquidações em causa não tenham dado integral e correcta execução ao que havia sido decidido em sede de impugnação judicial, nem imputando às liquidação agora impugnadas qualquer vício que não afectasse já as liquidações iniciais.

Ora, se assim é, então ao caso tem plena aplicação a alínea d) do n.º 2 do artigo 46.º da LGT, que manda suspender o prazo de caducidade no caso de o direito à liquidação resultar de reclamação ou impugnação, a partir da sua apresentação até à decisão.”, já o douto Acórdão Fundamento considerou que “Segundo anotam Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa esta norma “...parece ter de reportar-se aos casos em que é apresentada uma dessas formas de impugnação e, na sequência de anulação administrativa ou judicial há possibilidade de praticar um novo acto de liquidação sem incompatibilidade com o decidido.

Na verdade, em rigor, o direito de liquidação nunca resulta de uma anulação de uma reclamação graciosa ou de uma impugnação judicial, pois são meios de anulação de actos tributários e não declarativos de direitos, designadamente para a administração tributária, que neles ocupa o lado passivo. Por outro lado, a reclamação graciosa e a impugnação judicial são meios de impugnação de actos de liquidação, pelo que aquela alínea d) se reporta a situações em que o direito de liquidação já foi exercido e houve impugnação administrativa ou judicial.

Por isso, aquela expressão parece só poder reportar-se aos casos em que há um direito de liquidação renovado na sequência de um reclamação graciosa ou impugnação judicial”.

O que será “um direito de liquidação renovado” a que se referem os autores? Segundo os mesmos sugerem, tal deve reportar-se “...aos casos em que é apresentada uma dessas formas de impugnação e, na sequência de anulação administrativa ou judicial, há possibilidade de praticar um novo acto de liquidação sem incompatibilidade com o decidido”.

De acordo com este entendimento, se a decisão judicial determinar a anulação do acto tributário, a lei reconhece a possibilidade de praticar novo acto de liquidação que não seja incompatível com o decidido.

Então, poder-se-á dizer, embora de não totalmente correta, que o direito à liquidação resulta da reclamação ou impugnação, precisamente porque foi na sequência de tal decisão de anulação que se abriu a possibilidade de praticar novo acto não contido na decisão anulada e, por isso, sem incompatibilidade com decidido.

Mais impressivamente, António Lima Guerreiro defende que “A alínea d) compreende os casos em que o direito a liquidação resulte de circunstâncias apuradas em processo de reclamação ou impugnação, por assentarem, não necessariamente na possibilidade legal e ratificação - sanação do acto – já prevista, em virtude do vencimento da impugnação judicial, na alínea a) -como também em o fundamento do vencimento consistir em o facto tributário se reportar a período de tributação diferente daquele que foi considerado na liquidação do tributo. Nesse caso, quando a administração tributária sair vencida, mantém ainda a possibilidade de liquidar o imposto no período de tributação em que efetivamente o facto tributário ocorreu, se esse for o sentido da decisão administrativa ou judicial”.

iii. Ademais, o próprio Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (processo n.º 442/17.2.BEBJA), no qual a Decisão Arbitral recorrido ancorou a sua decisão, com todo o devido respeito, foi incorretamente aplicada ao caso em apreço porquanto nesse mesmo Acórdão também é mencionado que “Na verdade, a liquidação objecto da presente impugnação assenta em elementos diferentes, designadamente o agregado familiar, abrangendo agora ambos os recorridos, sendo ainda diferentes os elementos referentes à determinação da matéria coletável das mais valias, incluindo os valores de reinvestimento de parte do valor de realização dos imóveis alienados (…)”, o que claramente não é o caso das liquidações em apreço.

iv. Até à presente data a orientação perfilhada pela Decisão Arbitral recorrida não se encontra de acordo com a jurisprudência consolidada do STA, porquanto sobre tal questão de direito ainda não se encontra jurisprudência firmada do STA.

  1. De resto, o douto Acórdão Fundamento já transitou em julgado, pelo que estão reunidos todos os pressupostos necessários à admissão do presente recurso por oposição de acórdãos da decisão arbitral tributária.

    vi. A douta Decisão Arbitral Recorrida padece de erro nos pressupostos de direito, porquanto não fez uma correcta aplicação dos artigos 45.º e 46.º n.º 2 al. d) da LGT.

    Na verdade, vii. Nos termos do art. 36.º, n.º 1 da LGT, é a verificação de um determinado facto tributário, de um acontecimento da vida real previsto nas normas de incidência subjectiva e objectiva de um determinado tributo, que faz nascer a relação jurídica tributária.

    viii. O acto de liquidação, por sua vez, determina o montante da prestação tributária e define a situação jurídica do contribuinte perante o credor desse tributo, mas tem sempre por base um determinado facto tributário, que é a verdadeira fonte da relação tributária e de todas as obrigações que a constituem.

    ix. Por sua vez, a caducidade é um instituto por via do qual todos os direitos se extinguem, se não forem exercidos durante certo período de tempo.

  2. Constitui, pois, uma garantia dos contribuintes e por isso sujeita ao princípio da legalidade tributária da reserva de lei forma, decorrente do art. 103.º da CRP, porque estabiliza as situações jurídicas que ao fim de certo lapso de tempo se tornam certas e inatacáveis.

    xi. Ora como tem sido afirmado pelo Supremo Tribunal Administrativo, “(…) as razões de certeza e segurança jurídicas que subjazem ao instituto da caducidade impedem que a AT possa legalmente proceder a correções ao lucro tributável de exercício em relação ao qual já se mostre verificada a caducidade do direito de liquidação, ainda que se abstenha de liquidar tributo referente a esse período, para delas extrair consequências tributárias em exercícios posteriores (…) pois que, por essa via, se lhe permitiria extrair consequências jurídico tributárias novas de situação que a lei, por razões de paz social, pretende definitivamente consolidadas no domínio tributário”. (Acórdão de 10.05.20717, proferido no processo n.º 699/16).

    xii. E quanto à caducidade do direito de liquidar tributos estabelece o artigo 45.º, n.º 1 da LGT que “ o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuintes no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”.

    xiii. É certo que, nos termos do art. 46.º, n.º 2, al. d) da LGT o prazo de caducidade do direito à liquidação se suspende no caso de o direito à liquidação resultar de reclamação ou impugnação, desde a sua apresentação, até à sua decisão.

    xiv. Todavia, a situação de facto em apreciação, não tem cabimento na previsão dessa norma, nem, aliás, em qualquer outras daquelas que naquele artigo 46.º prevêem causas de suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação.

    xv. O direito à liquidação, e...

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