Acórdão nº 02145/21.4BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução12 de Outubro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:- Relatório - 1 – A…………, S.A., com os sinais dos autos, vem ao abrigo do artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista excepcional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12 de maio de 2022, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgara improcedente a reclamação deduzida ao abrigo do art. 276º do CPPT contra a decisão proferida pelo órgão de execução fiscal no âmbito do processo de execução fiscal nº 3255202101027158, que indeferiu o pedido de dispensa da prestação de garantia.

A recorrente conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos: A.

Nos termos do art. 285.º do CPPT, será admissível a interposição de recurso de revista de decisão proferida em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

B.

A matéria em discussão no presente recurso prende-se com a interpretação do n.º 4 do art. 52.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) no segmento referente à “manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido” e, consequentemente, quanto à densidade do juízo, de facto e de direito, a formular quanto à suficiência ou insuficiência de bens existentes no património do contribuinte.

C.

Como se retira da decisão ora recorrida, tanto a Autoridade Tributária (“AT”) como o Meritíssimo Juiz de 1.ª instância e os Venerandos Desembargadores do Tribunal Central Administrativo, limitaram a sua análise aos dados gerais da contabilidade da Recorrente, sem qualquer ponderação do valor de realização desses mesmos elementos patrimoniais em caso de venda executiva.

D.

Ao decidirem apenas com base na existência (meramente contabilística) de património penhorável ao invés da suficiência desse mesmo património, os decisores aplicaram mal o direito, tendo feito uma errada interpretação do n.º 4 do art. 52.º da LGT.

E. No entender da Recorrente, ao admitir como fundamento para dispensa de garantia a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido o legislador pretendeu estabelecer como pressuposto da aplicação deste instituto a necessária e obrigatória realização de um juízo sobre o valor dos (eventuais) bens existentes no património do contribuinte.

F. Essa opção é clara tendo em conta o vocábulo utilizado: insuficiência, ao invés de inexistência.

G. Presumindo-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados - cfr. n.º 3 do art. 9.º do Código Civil – haverá que retirar as devidas consequências jurídicas da opção expressa pelo legislador na letra da lei.

H. Assim sendo, para aferir da suficiência ou insuficiência dos bens existentes haverá, então, que fazer uma análise valorativa dos mesmos, não bastando a sua identificação e listagem, em face ao objectivo pretendido: pagamento da dívida exequenda e acrescido I. A ponderação do valor dos bens penhoráveis tem, necessariamente, que ter em conta a probabilidade de, em caso de venda, tais bens gerarem liquidez suficiente para pagamento da dívida exequenda.

J. Esta é aliás a interpretação mais consentânea com a letra da lei e a intenção do legislador, assegurando a coerência do ordenamento jurídico quando comparado com a alterativa de prestação de garantia com vista à suspensão do processo executivo, nos termos dos arts. 199.º e 199.º-A do CPPT, à luz da jurisprudência deste mesmo Tribunal de que é exemplo o acórdão de 18/05/2016, proc. n.º 0429/16.

K. Para efeitos de decisão sobre a dispensa de garantia não basta, assim, avaliar da existência de património susceptível de penhora, sendo essencial ponderar se esse património tem valor suficiente para pagamento da divida exequenda caso haja necessidade de proceder à venda executiva.

L. Se, feito esse juízo valorativo, se concluir que os bens penhoráveis não têm valor suficiente para o fim a que, potencialmente, se destinariam - o pagamento da dívida exequenda e acrescido - então deverá concluir-se pela manifesta falta de meios económicos, nos termos e para os efeitos do n.º 4 do art. 52.º da LGT.

M. Como referido, nada disso se verificou no presente caso, tendo sido feita uma errada interpretação da norma, dado que a análise efectuada se circunscreveu a avaliar a existência ou não de bens penhoráveis, sem qualquer ponderação real quanto ao valor dos mesmos, ou seja, quanto à (in)suficiência dos mesmos para fazer face ao pagamento da dívida exequenda e acrescido.

N. Esta matéria revela-se de extrema relevância jurídica e social não só dada a multiplicidade de processos judiciais existentes sobre a interpretação e aplicação do regime de dispensa de garantia e respectivos requisitos legais - uma simples pesquisa nas bases de jurisprudência revela a existência de numerosas decisões judiciais dos tribunais tributários - mas também por ser matéria que contende com direitos e garantias dos contribuintes, podendo pôr em causa direitos fundamentais como o direito à propriedade privada, o direito de acesso à justiça e aos tribunais e o direito a contestar judicialmente os actos praticados pela administração pública que ponham em causa os seus direitos e interesses.

O. Acresce que a clarificação interpretativa da referida norma permitirá dirimir dúvidas suscitadas na aplicação prática de tal regime legal, alcançando-se, assim, uma melhor e mais uniforme aplicação do direito, quer em casos futuros que certamente se virão...

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