Acórdão nº 02922/15.5BELRS 0671/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução12 de Outubro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida no processo com o n.º 2922/15.5BELRS Recorrente: Município de Lisboa Recorridos: A…………….. e B……….

  1. RELATÓRIO 1.1 A Representante da Fazenda Pública junto do Município de Lisboa vem interpor recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que, decidindo pela procedência da reclamação do acto do órgão da execução fiscal, deduzida ao abrigo do disposto no art. 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) pelos acima identificados como Recorridos, julgou o Município de Lisboa incompetente em razão da matéria para proceder à execução da dívida decorrente da realização de obra coerciva.

1.2 Apresentou alegações, com conclusões do seguinte teor: «I. A Sentença Recorrida padece de erro de direito, na interpretação que firma, designadamente da alínea a) do n.º 2 do artigo 148.º do CPPT e do artigo 155.º do CPA (em vigor à data dos factos), concretamente quanto à possibilidade de autarquias locais instaurarem e tramitarem execuções fiscais, para cobrança coerciva de receitas que lhes sejam próprias, independentemente da sua natureza não tributária; tal interpretação, absolutamente restritiva e estritamente literal, não se enquadra no espírito do nosso ordenamento jus-tributário.

  1. As autarquias locais integram o conceito lato de administração tributária, detendo competência para a instauração e tramitação de execuções fiscais, sem restrição quanto ao tipo de receita, constatação que resulta da interpretação sistemática das normas que prevêem tais realidades e, bem assim, do referido espírito do nosso ordenamento jus-tributário.

  2. À luz do disciplinado no artigo 148.º do CPPT, o processo de execução fiscal abrange, nos casos e termos previstos na lei, a cobrança de Outras dívidas ao Estado e a outras pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo (cfr. alínea a) do seu n.º 2), estando, pois, prevista a possível de se proceder, por intermédio de execução fiscal, à cobrança coerciva de dívidas que não revestem natureza tributária; no caso concreto, dívidas emergentes da prática de acto administrativo.

  3. A dívida exequenda foi originada pela prática de acto administrativo, concretizado ao abrigo do Regime Geral das Edificações Urbanas (RGEU), cujo artigo 166.º previa que, Quando o proprietário não começar as obras de reparação, de beneficiação ou de demolição, aludidas nos artigos 9.º, 10.º, 12.º e 165.º, ou não as concluir dentro dos prazos que lhe forem fixados, poderá a câmara municipal ocupar o prédio para o efeito de mandar proceder à sua execução imediata.//§ único. Na falta de pagamento voluntário das despesas, proceder-se-á à cobrança coerciva, servindo de título executivo certidão passada pelos serviços municipais donde conste o quantitativo global das despesas.

  4. O valor em cobrança coerciva corresponde ao custo em que o Município de Lisboa incorreu com a realização das obras coercivas, provindo estas, renova-se, do incumprimento de uma obrigação inerente ao direito de propriedade e da prática pelo Município de Lisboa de um acto administrativo – a realização daquelas, em substituição dos proprietários do imóvel e na sequência do desrespeito dos deveres de manutenção e reparação a que estavam adstritos e, ademais, na sequência do desrespeito da obrigação da realização da obra para qual foram notificados e intimados.

  5. Estamos, pois, perante despesas resultantes da prática de acto administrativo pelo Município de Lisboa, ora Recorrente.

  6. De acordo com o artigo. 149.º do CPPT, considera-se, para efeitos do presente Código, órgão da execução fiscal o serviço da administração tributária onde deva legalmente correr a execução ou, quando esta deva correr nos tribunais comuns, o tribunal competente.

  7. Por sua vez, nos termos do n.º 1 do artigo. 150.º do mesmo Diploma, é competente para a execução fiscal a administração tributária, ditando o n.º 1 do artigo 152.º do mesmo Código, sob a epígrafe Legitimidade dos exequentes, que tem legitimidade para promover a execução das dívidas referidas no artigo 148.º o órgão da execução fiscal.

  8. Ademais, o artigo 7.º do Diploma Preambular que aprovou o CPPT, o Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, resulta, expressamente estatuída, a integração dos Municípios na Administração Tributária, ao disciplinar que as competências atribuídas no código a órgãos periféricos locais serão exercidas, nos termos da lei, pela respectiva autarquia (n.º 1), acrescendo, as competências atribuídas no código aprovado pelo presente decreto-lei ao dirigente máximo do serviço ou a órgãos executivos da administração tributária serão exercidas, nos termos da lei, pelo presidente da autarquia (n.º 2).

  9. Decorre do antedito artigo 7.º, que a competência para a cobrança coerciva, no âmbito das autarquias locais, pertence ao órgão executivo, in casu, do município, sendo certo que, no CPPT, entre as competências atribuídas a órgãos periféricos locais, inclui-se a promoção da execução fiscal (cfr. artigos 149.º e 152.º, n.º 1, referidos).

  10. Por seu turno, a LGT consagra, igualmente, a expressa integração das autarquias locais na administração tributária, como se conclui do n.º 3 do seu art. 1.º, em cujos termos, Integram a administração tributária (…) a Autoridade Tributária e Aduaneira, as demais entidades públicas legalmente incumbidas da liquidação e cobrança dos tributos, o Ministro das Finanças ou outro membro do Governo competente, quando exerçam competências administrativas no domínio tributário, e os órgãos igualmente competentes dos Governos Regionais e das autarquias locais.

  11. Vertendo tais normas para a realidade das autarquias locais e considerando o disposto na LGT e no CPPT e sua necessária aplicação in casu, o Município Recorrente integra a administração tributária, devendo necessariamente considerar-se efectuadas, as referências à Administração Tributária e seus serviços, para aos órgãos e serviços municipais competentes.

  12. O facto de a norma contida no n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 433/99 se referir a tributos, deverá, na sua interpretação, ser integrada no demais ordenamento jurídico, processual e tributário e, bem assim, nos poderes constitucionais e legais cometidos aos municípios, in casu, em sede de execução coerciva de obras e, consequentemente, da sua cobrança.

  13. A mesma consideração deve ser feita na interpretação da Lei das Finanças Locais (LFL) 14 [14 Tanto versão que então vigorava (Lei n.º 2/2007), como na actualmente em vigor.

    ], porquanto ainda seja feita referência à cobrança coerciva de dívidas de natureza tributária, a sua interpretação deverá ter por escopo a caracterização sistemática do elenco de competências das autarquias locais, absolutamente descurado pelo Tribunal a quo.

  14. Como resulta das normas citadas, as autarquias locais são parte integrante do conceito lato de administração tributária, exercendo, como exposto, competências administrativas tributárias, em relações jurídicas estabelecidas com pessoas singulares, colectivas ou outras entidades legalmente equiparadas (cfr. artigo 1.º da LGT).

  15. O processo de execução fiscal surge, de entre os meios processuais tributários previstos, contemplado na alínea d) do artigo 101.º e regulado n.º 1 do artigo 103.º da LGT.

  16. Concretamente, quanto à competência da administração tributária, na matéria que ora nos ocupa, chama o Município Recorrente à colação o artigo 10.º do CPPT, designadamente a sua alínea f), ao determinar que lhes cabe instaurar dos processos de execução fiscal e a realização dos actos a estes respeitantes. Considerando, o legislador fiscal, no n.º 2 do mesmo artigo, deterem os órgãos periféricos locais da administração tributária do domicílio ou sede do contribuinte, da situação dos bens ou da liquidação, a correspectiva competência procedimental.

  17. Neste seguimento, o artigo 149.º e n.º 1 do artigo 152.º do CPPT identificam o órgão de execução fiscal, com legitimidade para promover a execução, territorialmente, o órgão de execução fiscal da administração tributária, onde se inserem, por inerência legal, as autarquias locais e, nestas, o serviço municipal onde decorre a execução fiscal.

  18. Atendendo às descritas especificidades e como afirmado no Diploma Preambular do CPPT, este diploma “(…) não se aplica apenas aos impostos administrados tradicionalmente pela Direcção-Geral dos Impostos (DGCI). Fica também claro que se aplica ao exercício dos direitos tributários em geral, quer pela DGCI, quer por outras entidades públicas, designadamente a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC), quer inclusivamente por administrações não dependentes do Ministério das Finanças”.

  19. Neste exacto contexto, aplica-se, também, ao exercício dos direitos tributários de que são titulares as autarquias locais. Efectivamente, nos termos do n.º 4 do artigo 30º da LFL, as normas do CPPT são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à cobrança coerciva de dívidas às autarquias locais, estando assente, legalmente, a integração das mesmas na administração tributária.

  20. O n.º 1 artigo 155.º do CPA, que vigorava ao tempo dos factos (tanto no que respeita aos factos que deram origem à dívida exequenda, quanto à instauração da execução fiscal), remetia para os termos do processo de execução fiscal, regulado no CPPT, a cobrança coerciva de prestações pecuniárias, devidas por força de acto administrativo a pessoas colectivas públicas, como é o caso dos autos.

  21. Para o Tribunal a quo, o facto do então n.º 2 do artigo 155.º do CPA, então, estatuir que, para efeitos da cobrança coerciva, o órgão administrativo competente emitiria certidão com valor de título executivo, que seria remetida com o processo administrativo, à repartição de finanças do domicílio ou sede do devedor, é o bastante, numa interpretação literal da norma, para o sentido da Decisão proferida, isto é, a exclusão das dívidas...

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