Acórdão nº 02358/15.8BEPNF de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Outubro de 2022

Data12 Outubro 2022
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A……., S.A.

, contribuinte fiscal n.º …….., com sede na Rua ….. …, 4786-… Trofa, interpôs recurso da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel em 11 de junho de 2020 na parte em, reformando a sentença anteriormente proferida, julgou improcedente a impugnação judicial de liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (“IRC”) do exercício de 2010 e dos correspondentes juros compensatórios.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formularam as seguintes conclusões: «(…) A. O presente recurso vem interposto do despacho proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, o qual constitui complemento e que faz parte integral da sentença por si prolatada, em que este Tribunal julgou improcedente o processo de impugnação judicial apresentado pela Impugnante, na sequência do indeferimento tácito da Revisão Oficiosa solicitada à AT da liquidação adicional de IRC com o nº 2014 8310035126 referente ao ano de 2010, da inerente liquidação de juros compensatórios nº 2014 00009484712 e respetiva demonstração de acerto de contas nº 2014 00028509189, na parte respeitante à utilização de benefícios fiscais devidamente reconhecidos, no valor de EUR 161.988,42, por os mesmos deverem ter sido utilizados em exercícios anteriores.

B.

O referido despacho foi proferido na sequência da devolução dos autos pelo STA, ao abrigo do nº 5 do artigo 617º do CPC, onde o Tribunal a quo se pronunciou e supriu as nulidades da sentença por si primitivamente prolatada, suscitadas pela Fazenda Pública, em sede de recurso – cf. nos 1 e 2 do artigo 617º do CPC –, tendo a Impugnante sido prejudicada com a consequente alteração do sentido da mencionada sentença.

C.

No citado despacho, o Tribunal a quo acolheu o entendimento da AT subjacente à liquidação adicional de IRC de 2010, em discussão nos autos, na parte em que esta respeita à desconsideração da dedução à coleta de 2010 do remanescente do incentivo fiscal de SIFIDE do ano de 2007 e do benefício fiscal contratualizado com AICEP aprovado em 2011 e referente a despesas efetuadas entre os exercícios de 2006 e 2008, no montante global de EUR 161.988,42, por tal procedimento estar desconforme com a Lei, visto que a possibilidade de reporte dos créditos em causa no exercício de 2010, apenas poderia ter-se verificado se a Recorrente tivesse nos exercícios anteriores insuficiência de coleta, o que não ocorreu.

D.

Sucede que esta decisão padece de um erro de julgamento, pois radica de um entendimento, nos dias de hoje, ultrapassado, de forma pacífica, pela jurisprudência dos Tribunais Superiores e pela mais avistada Doutrina: o de que o exercício de um poder vinculado – como a aplicação das normas de delimitação temporal dos benefícios fiscais em discussão nos presentes autos – nunca poderá ser postergado, mesmo que cause uma situação de flagrante e ostensiva injustiça.

E.

Ao invés, é irrefutável que a atividade administrativa deve pautar-se pelo respeito pelos [princípios] da boa fé e da justiça, consagrados no n.º 2 do artigo 266º da CRP e no artigo 55º da LGT.

F.

No caso em discussão dos autos, revela, em especial, dentro da boa fé, o subprincípio concretizador da primazia da materialidade subjacente, que “exprime a ideia de que o direito procura a obtenção de resultados efetivos, não se satisfazendo com comportamentos que, embora formalmente correspondam a tais objetivos, falhem em atingi-los substancialmente” - Cf. MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, “Direito Administrativo Geral”, Tomo I, 1ª ed. pp. 214/216.

G.

Por outro lado, o princípio da justiça reflete uma das preocupações nucleares do Estado de Direito, que é visar evitar que a atividade administrativa crie situações ostensiva e inequivocamente injustas, daí que, por exemplo, quando este princípio se encontra em colisão com o princípio da especialização dos exercícios, “(…) designadamente nos casos em que a administração fiscal não teve qualquer prejuízo com o erro praticado pelo contribuinte, deve optar-se por não efetuar a correção, limitando aquele dever de correção por força do princípio da justiça.” - Acórdão do STA de 25.06.2008, proferido no processo nº 0291/08 e disponível em www.dgsi.pt.

H.

Isto porque, como refere, e bem, o STA: “Na ponderação dos valores em causa (por um lado o princípio da especialização dos exercícios que é uma regra legislativamente arbitrária de separação temporal, para efeitos fiscais, de um facto tributário de duração prolongada e, por outro lado, o princípio da justiça, que reflete uma das preocupações nucleares de um Estado de Direito), é manifesto que, numa situação de incompatibilidade se deve dar prevalência a este último princípio - Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) em 19.11.2008 (processo nº 0325/08), disponível em www.dgsi.pt.

: I.

Acontece que, as normas que definem a delimitação temporal para operar a dedução à coleta dos benefícios fiscais são regras legislativamente arbitrárias de separação temporal, sendo, por isso, transponível, para o caso em concreto, o argumento segundo o qual princípio da especialização dos exercícios não deve ser interpretado como uma barreira intransponível, mas antes como um princípio modelar ou ordenador da tributação em IRC, que poderá e deverá ceder em prol do princípio da justiça.

J.

Deste modo, a Recorrente não compreende, tendo em conta este excurso, como é que o Tribunal a quo pode arguir que “Não há, no caso dos autos, qualquer injustiça ostensiva e inequívoca ou resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade” pelo simples facto da AT ter aplicado as “normas reguladoras da utilização dos benefícios fiscais em causa, a que não poderia (…) furtar-se, independentemente de isso redundar no aumento do imposto a pagar pelo contribuinte.” - Cf. p. 8 do despacho que constitui complemento e que faz parte integral da sentença aqui recorrido.

K. Porquanto, mediante esta afirmação, o Tribunal a quo aparenta defender que nunca ocorrerá situação flagrantemente injusta, independentemente de o efeito material da aplicação estrita das normas que definem o limite da dedução à coleta dos benefícios em questão - o que, como temos vindo a demonstrar, não poderá estar mais longe de se compaginar com o entendimento que é pacificamente acolhido pela Jurisprudência do STA e pela Doutrina.

L.

Sendo certo que...

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