Acórdão nº 4513/09.0T2SNT-B-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelMANUELA FIALHO
Data da Resolução12 de Outubro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa: AAA,residente na … Autora, com o patrocínio do Ministério Público, apresentou recurso de apelação da sentença proferida nos autos.

Pede a condenação da R..

Apresentou, sob o título conclusões, a seguinte matéria: 1–A ação em apreço foi proposta na sequência de processo organizado pelo Ministério Público, nos termos do disposto no artº. 100º. do CPT, ao abrigo do disposto no artº. 142º. nº. 2 do mesmo diploma legal, por se ter considerado existir a relação de causalidade descrita no nº. 1 deste artigo consubstanciada em a morte do sinistrado, que sobreveio ao acidente de trabalho, ter resultado direta ou indiretamente deste; 2–Tendo-se concluído pela existência do aludido nexo de causalidade, formulou-se o pedido, no sentido de serem fixados à recorrente – a beneficiária viúva, os direitos devidos, nos termos da Base XIX nº. 1 al. a) da lei nº. 2127, de 3 de Agosto de 1965 (aplicável atenta a data em que ocorreu o acidente de trabalho) – a fixação, a partir de 2 de agosto de 2018 de uma pensão anual e vitalícia no valor de € 12.130,25, atualizável, a partir de 1 de janeiro de 2019, para o valor de € 12.324,33, nos termos da Portaria nº. 23/2019, de 17 de janeiro.

3–Em causa esteve, em suma, um acidente de trabalho sofrido por … em 26 de Junho de 1991, à data com 57 anos de idade, o qual consistiu em o helicóptero que o mesmo conduzia ter explodido, pouco depois de levantar, em consequência do qual o sinistrado fraturou duas vértebras D 12 e L1, com paraplegia, e sofreu também uma fratura exposta na perna direita, vindo-lhe a ser fixada IPA de 100% desde 15 de julho de 1993, com auxílio de 3.ª pessoa, vindo o sinistrado, na sequência das lesões que sofreu e múltiplas complicações de saúde, a pôr termo à vida, suicidando-se, em 1 de agosto de 2018; 4–O tribunal, grosso modo, deu como provados a maioria dos factos invocados pela recorrente e elencou, para além dos factos invocados, outros, concretizando o percurso clínico do sinistrado, as doenças de que o mesmo padecia à data da morte, uma vez que, aquando da propositura da ação, não se dispunha de todos os elementos clínicos, elementos que vieram a ser juntos aos autos, após a propositura da ação, a pedido da recorrente; 5–Assim, o tribunal deu como provadas, nomeadamente, as circunstâncias em que ocorreu o acidente de trabalho; o percurso profissional do sinistrado; que o sinistrado à data do acidente não tinha problemas de saúde; efetuou uma descrição circunstanciada das lesões sofridas pelo sinistrado decorrentes do acidente de trabalho e tratamentos a que foi submetido, coincidente maioritariamente com o alegado pela recorrente; deu também como provadas as circunstâncias em que ocorreu a morte do sinistrado; 6–No que respeita aos factos que não foram dados como provados, prenderam-se, nomeadamente, com a circunstância de não ter sido dado como provado que a ré, após o internamento do sinistrado entre 21 e 28 de julho de 2016, tivesse deixado de dar a assistência clínica devida ao sinistrado ou que a qualidade da assistência prestada no hospital público – no Hospital … – tivesse qualidade inferior à prestada pelos serviços clínicos da ré e que o sinistrado após a alta hospitalar em 16 de julho de 2018 tivesse continuado a fazer tratamentos de hemodiálise; 7–No que respeita às consequências do acidente de trabalho, no elenco dos factos que não resultaram provados, sob o ponto h), o tribunal fez consignar “todo o quadro clínico apresentado por … à data da sua morte estava relacionado com as lesões e sequelas que lhe advieram do acidente referido em 2” e sob o ponto i) “A insuficiência renal de que … Padecida foi determinada pela quantidade de antibióticos que lhe foram sendo ministrados ao longo dos anos e pelas cirurgias a que foi submetido” ; 8–O tribunal deu como provado que, à data da morte, “... apresentava aterosclerose generalizada, doença cardíaca isquémica crónica, pneumonia, doença renal crónica, cirrose hepática, síndrome depressivo, ideação suicida” (ponto 63 dos factos dados como provados); 9–Concorda-se, e nem sequer tal foi alegado pela recorrente, que não é possível considerar-se que a aterosclerose generalizada, doença cardíaca isquémica crónica e pneumonia possam ser atribuídas ao acidente de trabalho sofrido, não tendo sido feita prova nesse sentido, tendo-se apurado que o sinistrado tinha também tais patologias na decorrência da autópsia efetuada; 10–O tribunal não coloca, contudo, em causa que, como decorrência do acidente de trabalho, o sinistrado ficou paraplégico que foi sujeito a várias intervenções cirúrgicas, que teve várias infeções nas pernas, que lhe veio a ser amputada uma perna, que manteve infeções na perna esquerda; que tal perna, tal como a perna direita antes de ser amputada, estavam permanentemente em extensão; que o sinistrado veio a ficar acamado e a desenvolver úlceras de pressão, o sofrimento causado por tais lesões, intervenções cirúrgicas, complicações daí decorrentes, internamentos…; 11–No que respeita ao estado anímico do sinistrado, o tribunal deu como provado: -... encontrava-se em sofrimento e desespero (ponto 57); -... desabafou, em algumas ocasiões, com a Autora, que preferia ter morrido no acidente a ficar no estado em que ficou (ponto 59); -... já havia verbalizado, em algumas ocasiões, a vontade pôr termo à vida (ponto 60); -À data da morte ... tinha síndrome depressivo e ideação suicida, sendo que sempre recusou o tratamento psicológico que lhe foi proposto pelos serviços clínicos da ré (pontos 62 e 63); -... estava lúcido, tendo perfeita consciência do estado em que se encontrava (ponto 64).

12–Em causa nos autos o que sempre esteve em causa foi a possibilidade de se estabelecer um nexo de causalidade entre o acidente de trabalho, ocorrido em 26 de Junho de 1991, tendo o sinistrado, à data, 57 anos de idade, e a morte do mesmo, por suicídio ocorrida em 1 de agosto de 2018; 13–A Mmª. Juiz, na decisão recorrida, seguiu de perto a jurisprudência vertida no acórdão do STJ de 16 de dezembro de 2010, disponível in www.dgsi.pt, tendo citado as partes mais impressivas de tal acórdão e, fazendo a transposição para a situação em causa nestes autos, considerou que “a factualidade provada não habilita a concluir que o síndrome depressivo de que ... estava afetado (…) o impedia de “convenientemente, avaliar os seus atos e, daí que a sua “decisão” de colocar termo à vida surgisse destituída de uma vontade livre”; 14–A Mmª. Juiz seguiu também de perto a doutrina explanada por Ana Cristina Costa Ribeiro, in “O Acto Suicida do Trabalhador – A tutela ao abrigo das contingências profissionais”, destrinçando entre suicídio intencional e consciente e suicido não intencional ou inconsciente, concluindo no sentido da tutela e reparação das consequências da morte apenas no segundo caso; 15–Não se concorda, de todo, com a rejeição da existência de nexo de causalidade entre o acidente de trabalho sofrido por ... e a morte do mesmo por suicídio; 16–Conforme salienta a Mmª. Juiz na decisão recorrida, a questão que está em causa – da reparação no âmbito do regime jurídico dos acidentes de trabalho da morte de sinistrado ocorrida por força de suicídio – não é nova, havendo, contudo, um único processo, que subiu às instâncias superiores – o processo nº. 196/06.8TTCBR; 17–O tratamento dado à questão da existência ou não de nexo de causalidade entre a morte por suicídio que sobreveio a acidente de trabalho, teve, no âmbito de tal processo, tratamento diametralmente oposto pelo Tribunal da Relação de Coimbra e pelo STJ; 18–A questão do aferimento do nexo causal, é, como é sabido, complexa e comporta vários níveis, concordando-se com o que é expresso no acórdão do STJ, que distingue entre a vertente naturalística e a vertente jurídica; 19–Tendo-se presente a vertente naturalística e a vertente jurídica do nexo de causalidade, considera-se que da motivação de facto da decisão de que se recorre constam todos os factos que permitem aferir a vertente naturalística do nexo causal entre o acidente de trabalho e a morte do sinistrado por suicídios, aí sendo profusamente descritas as lesões com que o sinistrado ficou por força do acidente de trabalho que sofreu, assim como o seu sofrimento, estado anímico em que se encontrava, nomeadamente em estado de depressão e sofrimento, não devendo constar dos factos a vertente jurídica do nexo de causalidade, que deverá ser aferida em função dos factos assentes, mas por força de uma construção resultante da análise desses factos e da sua subsunção ao direito; 20–O aludido acórdão do STJ acolhe a teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, conforme expressa no artº. 563º. do Código Civil, nos termos do qual “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.” 21–Na situação em análise no âmbito daquele acórdão, considerou-se que, apesar de o sinistrado ter desenvolvido patologia depressiva, na matéria de facto dada como provada não existiam elementos em função dos quais fosse possível aferir-se por que forma é que o sinistrado contribuiu na produção dos sintomas depressivos e, a final, para que lhe fosse diagnosticada tal patologia, consistindo a questão fundamental em saber se a patologia desenvolvida pelo sinistrado, e produzida pelo acidente que o vitimou, foi ou não, causa adequada da sua morte; 22–Concluiu o Supremo Tribunal em sentido negativo, afirmando-se no arresto que “ já não se poderá afirmar, por ausência de factos que o suportem, que o quadro depressivo de que padeceu o sinistrado tenha sido causa adequada da sua morte, posto que esta não surge como desenvolvimento causal de tal lesão, antes decorre de ato praticado pelo próprio lesado, e, nessa medida, insuscetível de ser imputado à ré, no quadro da sua responsabilidade infortunística.

Aduzir-se-á, em desabono do que vem de ser dito, que o estado...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT