Acórdão nº 1485/09.5 BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 29 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelPATRÍCIA MANUEL PIRES
Data da Resolução29 de Setembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

I-RELATÓRIO O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante DRFP ou Recorrente), interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação deduzida contra o ato de liquidação de Imposto sobre Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), e respetivos Juros Compensatórios (JC), do exercício de 2004, no montante global de € 98.366,42.

A Recorrente formulou as conclusões que infra se descrevem: “I.

O presente Recurso vem reagir contra a Sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial referente a IRC de 2004, por considerar que a AT não fez prova da existência de indícios de faturação falsa, nomeadamente por considerar que o elenco dos indícios é parco e insuficiente para abalar a presunção de veracidade do artigo 75º da LGT, referindo ainda que a AT não põe em causa o circuito do endosso dos cheques aos gerentes e o pagamento em numerário.

II.

A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, total e acertada aplicação das normas legais aplicáveis ao caso sub judice e, bem assim, uma correcta apreciação da matéria de facto relevante.

III.

A impugnação tem por objeto a liquidação de IRC que resultou de ação de inspeção realizada pelos serviços de inspeção da direção de finanças de Lisboa, no âmbito da análise de indícios de faturação falsa, que não correspondem a serviços efetivamente prestados pelas empresas emitentes.

IV.

A Fazenda Pública não se conforma com a douta sentença porquanto resulta claramente do relatório de inspeção tributária (RIT) o desacordo da AT quanto ao endosso dos cheques e a impossibilidade de os mesmos servirem de prova do pagamento, nomeadamente porque o fluxo financeiro que resulta do pagamento dos cheques não prova que a empresa que figura na fatura como emitente tenha recebido o valor correspondente ao pagamento.

V.

As conclusões do RIT que se encontram reproduzidas no ponto R) da motivação de facto da sentença, evidenciam a discordância da AT e a incongruência do uso de cheques e o seu endosso, porquanto refere expressamente que os argumentos apresentados pelo sujeito passivo em direito de audição não alteram o que tinha sido anteriormente determinado, porque não comprovam, mediante documentos fidedignos, quer os serviços prestados pela “G…, LDA” e pela “U…, LDA”, quer os pagamentos a estas, já que os meios de pagamento utilizados (numerário, cheques emitidos pelo sujeito passivo “C…, LDA” e endossados, de seguida, ao sócio S J… e cheques emitidos pelo sócio Sr. A… e posteriormente compensados pela sociedade C…, LDA”) não comprovam quem foi o beneficiário desses pagamentos.

VI.

Os documentos necessários terão de ser documentos com circulação externa que objetivamente revelem a existência de uma relação contratual com a referida sociedade, bem como os documentos referentes aos movimentos de caixa, extratos de bancos e cheques, ou seja, os fluxos financeiros correspondentes aos pagamentos das faturas que a impugnante contabilizou como custo, sendo que, os documentos correspondentes aos pagamentos devem estar evidenciados na contabilidade tal como todos os demais factos relativos à atividade do sujeito passivo.

VII.

Os factos detetados pelos serviços de inspeção constituem indícios suficientemente fortes da existência de faturação falsa. Quanto à sociedade G…, os serviços de inspeção da DF Lisboa verificaram, nomeadamente, que: - Foi objeto de fiscalização aos exercícios de 2003 e 2004, não sendo possível estabelecer contacto com nenhum representante ou funcionário; - Um dos sócios, B…, respondeu à notificação, informando ter deixado de ser gerente em 2001 e sócio em 2003; o outro, A…, não respondeu à notificação efetuada; - Não apresentou os elementos contabilísticos; - Na maioria dos casos, os cheques relativos aos pagamentos das faturas feitos pela Impugnante foram depositados em conta pessoal do sócio da Impugnante, J…, os restantes na conta de B… e outros em contas não identificadas; VIII.

Quanto à sociedade U…, os SIT verificaram que: - o sujeito passivo foi inspecionado relativamente aos exercícios de 2003 e 2004 não tendo sido possível contactar qualquer pessoa da empresa - não foi apresentada contabilidade Foram emitidas faturas em nome de U… no exercício de 2004, contabilizadas como custo pela ora impugnante - Pelo menos um cheque registado para pagamento das faturas foi depositado na conta pessoal do sócio da Impugnante A…, e os restantes em contas não identificadas.

- o relatório da inspeção efetuada a esta sociedade revela, através da consulta dos anexos P entregues por diversos contribuintes, que estes declararam a sociedade U… como seu fornecedor, em montantes que ascendem a 1.032.455,38 no ano 2004, e € 655.516,80 no ano 2005 (cf fls 223 do PAT).

- este relatório revela ainda que não foi possível identificar quaisquer funcionários deste empresa.

IX.

Ora, se as referidas empresas não possuem qualquer estrutura produtiva, não sendo possível identificar quem são ou quem foram os seus trabalhadores, não poderão ter sido as empresas a realizar as operações.

X.

Os factos elencados no RIT da impugnante, bem como os factos detetados e constantes do RIT das sociedades que figuram como emitentes de faturação constituem indícios suficientes da existência de faturação falsa e da falta de correspondência das operações constantes das faturas com a realidade, encontrando-se assim amplamente preenchido o ónus da AT de demonstrar os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante das faturas não corresponde à realidade, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transação. Neste sentido veja-se o acórdão do TCA Sul de 08-06-2017, processo 362/13.0BEALM.

XI.

A douta sentença considera ainda que, não obstante, a impugnante logrou demonstrar a efetividade das operações que figuram nas faturas. Contudo, o facto de as testemunhas terem afirmado que a impugnante não tinha capacidade para realizar a totalidade dos trabalhos e que as sociedades G… e U… eram subempreiteiras da impugnante, não prova que tenham sido estas empresas a realizar estes trabalhos em concreto, tanto mais que estas não receberam o valor que seria correspondente ao pagamento das faturas.

XII.

Com efeito, de acordo com a argumentação da impugnante, o pagamento teria sido feito em numerário, para pagamento aos trabalhadores. Contudo, a testemunha C… esclareceu que ele próprio recebia por transferência bancária e que desconhecia como recebiam os restantes trabalhadores.

XIII.

É de referir que a testemunha C… afirmou que recebia uma ficha por cada trabalhador e que a ora impugnante verificava a inscrição na segurança social, pelo que não se compreende a ausência de documentação comprovativa da existência de trabalhadores das referidas sociedades e a ausência de comprovativo dos meios financeiros, não bastando à impugnante alegar que o pagamento foi feito em dinheiro, com posterior emissão de cheques a favor dos sócios da ora impugnante. Se porventura existissem fichas estas teriam sido apresentadas e existiriam trabalhadores inscritos na segurança social.

XIV.

Acresce ainda que as 20 declarações juntas no âmbito do direito de audição no procedimento de inspeção se revelam incongruentes, quer com o meio habitual de pagamento referido pela testemunha (transferência bancária), quer com o episódio da cantina, no qual foi usado um cheque emitido a favor da pessoa que explorava a cantina, do qual a testemunha afirmou ter feito cópia. Sendo que das 20 declarações com data de 2004, consta o nome e uma assinatura de A…, que na realidade, deixara de ser gerente em 2001, com resulta da certidão do registo comercial a fls 200 do PAT (apresentação nº 28 de 22-11-2002).

XV.

Concluímos assim que, não ficou demonstrado que os cheques depositados nas contas bancárias dos gerentes e endossados eram referentes aos pagamentos devidos pelas prestações de serviços faturadas pelas referidas sociedades, não tendo ficado demonstrado que foram as operações foram realizadas pelas sociedades. Veja-se o acórdão do TCA Sul de 20/03/2007, proferido no proc. n.º 00696/05.

XVI.

Assim, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença ao julgar procedente a presente impugnação judicial, enferma de erro de facto e de interpretação de lei e viola o disposto no artigo 23º do CIRC, bem como do artigo 75º da LGT, pelo que deve ser revogada e substituída por decisão que julgue a impugnação improcedente.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente.

Porém, V. Exªas decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.” *** A Recorrida optou por não apresentar contra-alegações.

*** O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) teve vista nos termos do artigo 146.º do CPTA e emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

*** Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

*** II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto: Com relevo para a decisão da causa, resultam provados os factos a seguir indicados: A) A Impugnante tinha por objecto social a execução e montagem de cofragens na área da construção civil, estando sujeita ao regime geral de tributação em sede de IRC (cfr. fls. 124 e 133 do Processo Administrativo – “PA” – em apenso); B) Eram sócios-gerentes da Impugnante, à data dos factos, A… e J… (cfr. fls. 123 do PA apenso e certidão permanente a fls. 216 a 218 dos autos); C) Em 2004, a Impugnante teve ao seu serviço algumas dezenas de trabalhadores, os quais não eram suficientes para a realização dos trabalhos em curso (prova testemunhal); D) Face à insuficiência de recursos humanos, a Impugnante recorria a prestadores de serviços externos – a subempreiteiros – para desempenho de algumas tarefas...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT